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10/08/2006

Única brasileira presente a colóquio internacional sobre propriedade intelectual comenta as repercussões do evento

Renata Fontoura













Rodrigo Ávila/Fiocruz


Inovação, geração de conhecimento e novas tecnologias constituem fatores indiscutíveis para o desenvolvimento de um país. Neste contexto, o tema da propriedade intelectual se insere como elemento central na pauta dos principais debates mundiais. Em função disso, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) realizaram recentemente o Colóquio para Professores de Propriedade Intelectual, em Genebra, que reuniu 20 especialistas de diversos países. A única brasileira no seleto grupo, que incluiu representantes dos Estados Unidos, Argentina, China, África do Sul, Coréia do Sul e Índia, foi a pesquisadora Cláudia Chamas, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), que se dedica ao tema da propriedade intelectual. Em entrevista, ela discute como o Brasil está inserido no contexto mundial da propriedade intelectual, conta as principais repercussões do evento e discute as relações entre publicação e patente.


Qual foi o principal ponto de debate do encontro?

Cláudia Chamas: Os direitos de propriedade intelectual abrangem direitos de patente, de marca, autorais, de proteção de variedade de vegetais, indicações geográficas, proteção aos programas de computador, folclore, conhecimentos tradicionais, biodiversidade, entre outros temas. O escopo do que se entende como propriedade intelectual é muito amplo e cada uma dessas áreas tem uma evolução distinta do ponto de vista internacional e nacional. Além disso, as áreas interagem entre si, exigindo esforços de coordenação. De modo geral, os países entram em negociações internacionais, que podem durar anos, até que culminem em acordos internacionais. A tendência é uma harmonização desses direitos de propriedade intelectual. Cada vez mais, os países incorporam em suas legislações nacionais os mesmos padrões de apropriação dos outros países. Primeiro o país adere ao tratado, incorpora o tratado em seu ordenamento jurídico, o que tem desdobramentos na forma de leis e decretos, gerando conseqüências para a política científica, tecnológica e industrial.


Os acordos internacionais foram um tema recorrente?

Chamas: O curso teve uma abordagem bastante técnica, mas também enfatizou a política internacional, já que todos os professores eram membros da Organização Mundial da Propriedade Intelectual e da OMC. Eles trouxeram uma visão global dos conflitos e das controvérsias que estes acordos comportam, de quem realmente negocia e implementa estes acordos internacionais.


Atualmente, como pode ser definida a situação mundial da propriedade intelectual?

Chamas: A harmonização que se encontra em curso, especialmente após a assinatura do acordo Trips (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), na década de 90, não é uma abordagem pacífica para todos os países. Existem discussões, porque foi estabelecido um padrão de proteção que reflete muito mais a acumulação tecnológica dos países desenvolvidos do que a dos países subdesenvolvidos. Mesmo entre os países subdesenvolvidos existem distintos níveis de capacitação tecnológica. Nesse processo de harmonização de políticas de propriedade intelectual e de abertura de mercados, alguns ganham e muitos ficam à margem. O jogo é esse.


E como fica o Brasil neste contexto?

Chamas: O Brasil tem se mostrado muito ativo internacionalmente, tentando encontrar flexibilidade e espaços para amenizar os efeitos que possam ser desfavoráveis nos acordos e buscando soluções mais interessantes para países menos ativos tecnologicamente. Aliás, o Brasil foi um dos países mais citados durante o curso em diversos exemplos, porque é um país em desenvolvimento que continuamente oferece propostas de alteração da política vigente e não tem medo de enfrentar parceiros mais fortalecidos.


Qual considera a principal contribuição deste encontro?

Chamas: Acho que o fato de recebermos em primeira mão as informações sobre os movimentos mais recentes dos acordos em curso, do que está em negociação atualmente, foi uma das grandes contribuições. Tivemos oportunidade de conhecer conflitos atuais em todas as áreas da propriedade intelectual. Além disso, formamos uma network de professores de propriedade intelectual.



O colóquio contou com a participação de apenas 20 pessoas. Como surgiu esta oportunidade?

Chamas: Houve uma chamada internacional através de edital na internet, e a procura foi muito grande. Eu trabalho na área de propriedade intelectual, com ensino de pós-graduação e pesquisa, com foco em patentes. Fiz a inscrição e, através de análise curricular, fui selecionada.



Você voltou para casa com um desdobramento valioso do encontro. Qual foi?

Chamas: No último dia do encontro fiz uma proposta, que foi aceita por unanimidade, para produção de um produto pós-curso. A proposta foi desenvolver um livro internacional, um handbook de ensino em propriedade intelectual que sirva como material de referência para professores de outros países em desenvolvimento que não tiveram oportunidade de presenciar o curso. Neste livro serão incluídas as experiências consolidadas e analisadas durante o colóquio. Também vamos convidar professores de diversos países para escreverem suas experiências no ensino de propriedade intelectual e as experiências emergentes, como é o caso do Brasil, da Índia, da África do Sul e da China.


Como avalia a relação entre produção científica e propriedade intelectual no Brasil?

Chamas: Na minha opinião, a Fiocruz e os outros órgãos de pesquisa do Brasil devem envidar todos os esforços para desenvolver políticas de propriedade intelectual e proteger intensivamente o conhecimento gerado, para que possamos ter produtos no mercado, além de investir em capacitação profissional . Hoje, o mundo desenvolvido trabalha nesta base, com proteção intensa do conhecimento, e nós não podemos cair na ingenuidade de achar que só a publicação de artigos científicos basta. Mas também deve-se alertar que patentes e publicações são duas atividades compatíveis. E normalmente o cientista que mais patenteia é também quem mais publica.

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