04/10/2004
por Sarita Coelho
Como o projeto estava centrado nos relatos de vida e experiências da população rural, os pesquisadores procuraram minimizar os possíveis constrangimentos. Tomou-se o cuidado de não utilizar palavras rebuscadas e técnicas durante a entrevista e de não reforçar estereótipos ligados ao homem do campo. Dos 12 agricultores que constituíam os informantes principais, apenas um possuía o ensino fundamental completo. Os entrevistados eram formados por trabalhadores há mais tempo no campo, por aqueles que possuíam maior diversidade de lavouras em suas propriedades e por pessoas que já haviam abandonado a prática agrícola. Trabalhadores que haviam abandonado a atividade agrícola por agravos de saúde decorrentes da exposição a agrotóxicos foram os mais detalhistas ao falar dos malefícios dos agentes químicos. As mulheres relataram serem menos atingidas por problemas gerados por essas substâncias, alegando que o processo de pulverização é tarefa masculina. Entretanto, elas afirmaram ajudar os maridos, puxando as mangueiras ou abastecendo os pulverizadores. Todos os entrevistados disseram conhecer os riscos do uso dessas substâncias e contaram casos de intoxicações ocorridas com pessoas próximas, como vizinhos, meeiros e amigos. Negação do risco É possível perceber, entre os agricultores, o impulso de minimizar os riscos do uso de agrotóxicos. Esse hábito reforça uma tendência, observada em materiais educativos, de culpar o trabalhador pelo "mau uso" dos agentes químicos. "O senhor acha que todo mundo pode trabalhar com veneno? Pode trabalhar, depende se tiver prevenido, tem pessoas que é meio lambaião, quando vê fica intoxicado", disse um agricultor de 72 anos. Os entrevistados também associaram a contaminação às características individuais.
"Os agricultores homens formam um grupo altamente vulnerável. Eles acabam por se expor aos efeitos nocivos dos agentes químicos, como forma de legitimar um ato de bravura, 'macheza' e confiança junto aos outros. Para eles, 'bom' trabalhador é aquele que não tem medo de nada, que não 'precisa' de proteção, porque é 'forte' para o veneno", diz o biólogo Frederico Peres, da Ensp, que assina o artigo. Para o pesquisador, toda ação educativa direcionada à população rural deve levar em consideração suas crenças, temores e defesas. "A maioria das informações disponíveis sobre essas substâncias é ininteligível para os trabalhadores rurais. É imprescindível que esse problema seja alvo de um olhar cuidadoso e de políticas e estratégias que privilegiem uma comunicação de riscos baseada nas crenças e percepções dessa audiência". |