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27/07/2011

Antropólogo desconstrói o mito ocidental da vida no livro 'Tabu da morte'

Fernanda Marques


A Humanidade passa por uma série de transformações ao longo de sua história, mas dois pontos permanecem inalterados: os homens nascem e eles morrem. “Esta afirmação aparentemente óbvia, não o é, contudo”, destaca o antropólogo José Carlos Rodrigues no livro Tabu da morte, que volta à lista de títulos disponíveis da Editora Fiocruz. Fruto da tese de doutorado do autor na Universidade de Paris 7, a obra foi originalmente publicada em 1983, pela editora Achiamé, e ganhou uma segunda edição revista em 2006, pela Editora Fiocruz, que acaba de reimprimir a publicação. Apesar do título, a intenção do livro não é estudar a morte em si, como poderia parecer à primeira vista. Na verdade, a partir de uma análise minuciosa de como diferentes civilizações se apropriaram culturalmente da morte – um problema muito mais ‘sociológico’ do que ‘biológico’ –, o autor busca desconstruir o mito ocidental da vida.



José Carlos Rodrigues enumera quatro mitos ocidentais contemporâneos: o mito da extrema riqueza da sociedade ocidental, ligado à crescente necessidade de consumo; o mito da extrema capacidade produtiva da civilização moderna, embora nosso sistema produtivo seja agressivo ao meio ambiente; o mito do progresso, espécie de religião do nosso tempo, que cumpre função política e ideológica; e, finalmente, o mito da vida.


“A crença na ideia de que mais do que qualquer outro lugar nossa sociedade é o terreno propício ao florescimento da vida. Esse mito contém o pensamento de que podemos produzir vida, graças à nossa ciência médica, à nossa agricultura, à nossa zootecnia – enfim, graças à nossa capacidade produtiva, à nossa riqueza e a nosso progresso”, define o antropólogo. “É o mito fundamental, a síntese de todos os outros, o caminho que leva à compreensão do tabu com que envolvemos a morte e ao entendimento das estratégias pelas quais escondemos nossas dimensões de morte”, acrescenta.


Segundo o autor, na Idade Média, a morte no leito era algo comum. Ela causava dor, mas não grandes aflições, pois não se via ruptura entre a vida e a morte. Esta seria uma passagem para outra vida, para um paraíso. A partir do século 13 e até o 17, a morte no leito se reveste de um sentido dramático, associado ao desenvolvimento da individualização e da incerteza sobre o paraíso – a morte se revela, assim, uma forma de controle social, pois “a vida no outro mundo dependerá do comportamento que os indivíduos observem no mundo terreno”. No Século das Luzes, então, acentua-se a separação entre o corpo – objeto da ciência médica da anatomia – e a alma – alvo da liturgia funerária cristã. As relações entre a morte e a história seguem até as práticas fúnebres contemporâneas, em que a morte – “acontecimento detestável e terrível” – se transfere para o hospital e deste para as empresas funerárias – ou seja, a morte também se profissionalizou.


“É preciso exorcizar o cadáver, a morte, e tudo o que diga respeito a eles. Nesse ponto está a inspiração das práticas funerárias e de seu valor simbólico”, diz o autor, lembrando que sepulturas e os ritos fúnebres existem desde o momento em que se pode afirmar que certos seres são humanos. “Desde então, os homens produziram e continuam a produzir uma imensa variedade de representações em torno de sua morte e da dos outros”, completa. De fato, o homem é o único ser a ter consciência da morte – e é esta consciência, com variados matizes de acordo com a época e o local, que origina o jeito humano de encarar a vida e o mundo.


Publicado em 25/7/2011.

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