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06/08/2006

Arquivos da loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria













Arquivos da loucura: Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria

Vera Portocarrero

Editora Fiocruz

152p. R$ 17,00






Até o século 19, o saber psiquiátrico brasileiro seguiu a linha da escola francesa de Philippe Pinel (l745-l826), que se referia apenas ao doente mental propriamente dito. A partir do início do século 20, a psiquiatria passa a abranger todo e qualquer desvio do comportamento normal, como aqueles praticados pelos criminosos, alcoólatras e degenerados. A dinâmica dessa transformação é tema do livro Arquivos da loucura, escrito pela filósofa Vera Portocarrero e recém-lançado pela Editora Fiocruz.


A doença mental do século 19 era descrita segundo os critérios franceses, que enfatizava seu caráter moral. Nesse sentido, a alienação era considerada uma desordem de comportamento e sua cura poderia ser obtida somente 'pela imposição de uma reeducação moral'. O doente deveria ser afastado das causas de sua loucura. Por isso, ficava isolado da família e excluído da vida social. Tal princípio foi o que guiou a construção de hospícios no Brasil.


Segundo a obra, a prática psiquiátrica brasileira iniciou um sistema de assistência abrangente por intermédio de Juliano Moreira, médico que introduziu definições da escola de psiquiatria alemã no país. A psiquiatria do século 20 deixa de se restringir ao doente mental, para englobar aqueles que apresentam desvios potenciais, com um objetivo terapêutico e preventivo.


Nessa época, tornou-se fundamental o cuidado com alcoólatras, epiléticos e sifilíticos, que passaram a ser os sujeitos mais susceptíveis à loucura, por causa da decadência moral. A psiquiatria passou, também, a se dedicar ao estudo do comportamento desviante dos criminosos.


Além de aumentar a abrangência da psiquiatria no país, Juliano Moreira iniciou uma nova abordagem da loucura, que estabelece a integração entre lesões psicológicas e físicas. De acordo com o livro, ele foi o primeiro no Brasil a atribuir características físicas (lesões dos nervos e do cérebro) e psicológicas (desordens intelectuais e afetivas) às doenças mentais.


Surgiram, assim, três níveis de doenças mentais no início do século 20: o intelectual, que se refere à falta de compreensão, de memória, às alucinações e aos delírios; o afetivo, que inclui os mentirosos, os fraudadores e os indiferentes; e o nível físico, que engloba diversas lesões do corpo, como paralisia e esclerose cerebral.


A autora mostra, no final da obra, como esses processos de transformação acabaram culminando em uma prática de assistência psiquiátrica que tranqüiliza o doente, deixando-o com uma ilusão de liberdade que o faz menos rebelde e mais suscetível à terapia.

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