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22/07/2011

Artigo aborda o controle médico-esportivo nas décadas de 1930 e 1940

Renata Moehlecke


Aperfeiçoar a raça e combater os efeitos prejudiciais da vida nos ambientes urbanos, como o alcoolismo, a tuberculose, a sífilis, a pobreza, a ignorância e a criminalidade: esses eram os principais objetivos atribuídos às práticas esportivas nas décadas de 1930 e 1940. Com a responsabilidade de organizar, fiscalizar, incentivar e registrar essas atividades no país, em 1931, foi criado o Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo (DEF-SP). É a história das práticas científicas que fundamentaram e orientaram as ações dos médicos do esporte nos primeiros anos de funcionamento do DEF-SP que pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Estadual de Campinas resolveram contar em artigo publicado na última edição da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos da Fiocruz.  O estudo revela as aproximações entre o esporte e as ciências biomédicas no Brasil do início do século 20.


 Programa dos Primeiro Jogos Intercolegiais do Estado de São Paulo, realizados em Santos, em 1944, e organizados pelo Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo

Programa dos Primeiro Jogos Intercolegiais do Estado de São Paulo, realizados em Santos, em 1944, e organizados pelo Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo


Segundo os pesquisadores, na época o esporte tinha um caráter regenerador e, por isso, era necessário o controle médico das práticas esportivas. “O esporte integrava muitas vezes as políticas do governo, sendo mobilizado como forma higiênica capaz de energizar os corpos e combater os diversos efeitos deletérios provocados pelas circunstâncias urbanas, transformando-os em organismos mais eficientes e aptos para o trabalho”, explicam os estudiosos. Eles acrescentam que alguns médicos e cientistas famosos fundamentavam, inclusive, em concepções eugenistas. “Arthur Neiva filia-se à vertente da eugenia que concebia o esporte como medida preventiva, forma de salvaguardar a saúde da população e, por conseguinte, aperfeiçoar a raça nacional”.


Em contrapartida, alguns pesquisadores apresentavam alegações contrárias ao esporte, vendo-o como uma forma de deseducar os jovens. “Preocupado com os malefícios físicos, morais e intelectuais que poderiam causar às novas gerações, Sussekind de Mendonça afirmava, de modo irônico, que os excessos do esporte, sobretudo o futebol, eram anti-higiênicos e ocasionavam excessiva fadiga corporal. Para o autor, o esporte era incompatível com a atividade intelectual, sendo responsável por afastar a juventude brasileira dos livros”, comentam os pesquisadores. “Em oposição a essa tese, Neiva considerava o trabalho intelectual uma atividade exaustiva, responsável por atrofiar os músculos e criar uma geração – ou, para utilizar o termo eugenista da época, uma raça – de indivíduos de ‘corpo mole’”.


No entanto, os estudiosos destacam que os argumentos, em prol ou contrários ao esporte, ancoravam-se em aspectos diferentes da fadiga, psíquica ou física, sendo esta o mal característico da cidade moderna, resultado de ações nocivas ou excitações excessivas provocadas pelas demandas sociais. “Pensa-se, na época, que a educação física, assim como a medicina em sua vertente higienista – ambas consideradas campos de conhecimento permeados pela lógica científica –, seria responsável por organizar os exercícios corporais de forma a aproveitar, do melhor modo possível, a energia gerada nos movimentos, sem que estes levassem o praticante à fadiga”, apontam os pesquisadores. “Constata-se a urgência, naquele momento, de dominar, operacionalizar e otimizar o funcionamento do corpo, a partir dos conhecimentos científicos da fisiologia experimental”.


Os pesquisadores também apontam que o controle médico-esportivo visava ainda definir tipos físicos adequados para determinadas modalidades. “Havia a necessidade de levantar dados fisiológicos, caracterizar uma biotipologia dos esportistas e até categorizar esses dados segundo as diferentes modalidades esportivas”, afirmam os estudiosos. “Em termos conceituais, considerava-se que as mudanças corporais provocadas pelo exercício não alterariam a forma hereditária das pessoas, pois uma mesma série de exercício e uma mesma especialização esportiva estariam relacionadas a tipos diferentes de homens”.


Publicado em 20/7/2011.

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