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22/01/2015

Artigo analisa contexto de surgimento da capoeira como forma cultural nacional

Renata Moehlecke


Em novembro de 2014, a roda de capoeira se tornou a quinta* manifestação cultural brasileira a ser reconhecida pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Como uma mistura de arte marcial, esporte, cultura popular e música, a capoeira surgiu no século 17, sendo praticada por escravos africanos. No entanto, é apenas na Primeira República que a prática emergiu, da mesma maneira que o samba, como uma forma cultural representativa da nacionalidade brasileira. Isso é o que propõe o historiador Matthias Assunção, da Universidade de Essex (Reino Unido), em artigo publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). O pesquisador buscou analisar como processos modernizantes da cultura nacional influenciaram a percepção da arte no Brasil a partir dos anos 1920.

Os mestres Bimba e Pastinha foram responsáveis pela popularização da capoeira no país (Foto: www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br)

 

 “A capoeira, apesar da repressão que seus praticantes sofreram durante a Primeira República, foi celebrada por intelectuais brasileiros desde o final do século 19 como único esporte genuinamente nacional”, explica Matthias no artigo. “Graças à ação de alguns indivíduos extraordinários, como os mestres Bimba e Pastinha, desenvolveram-se a partir da década de 1930 dois estilos modernos de capoeira, a ‘regional’ e a ‘angola’, que seguem sendo a referência básica dos estilos contemporâneos”.

O pesquisador aponta que ambos os professores baianos foram figuras importantes para um processo de modernização alternativa da imagem do Brasil que incluía a cultura negra. “Todo o processo de modernização da capoeira foi influenciado pela busca concomitante da identidade nacional. Assim, Bimba e Pastinha pertenceram a uma geração de brasileiros que desenvolveu formas artísticas que contribuíram para fazer do país uma nação. Foram contemporâneos do compositor Noel Rosa, do escritor Mário de Andrade e do pintor Candido Portinari, os quais desempenharam papel importante de desenvolvimento de formas artísticas percebidas com genuinamente brasileiras”, destacou.

A atuação dos dois mestres também foi essencial para a passagem da capoeira dos ringues para a academia, ou seja, para que a prática deixasse de ser percebida somente como luta de rua e fosse readaptada ao meio esportivo. De acordo com o historiador, Bimba e Pastinha conheciam e aprenderam ginástica sueca, boxe inglês, jiu-jítsu e caratê japonês, o que os ajudou a buscar inspiração para desenvolver os estilos modernos de capoeira. “Até que ponto [eles] incorporaram a técnica, o contexto cultural ou a ética dessas formas varia muito”, apontou.    

Segundo Matthias, foi a posição periférica do Brasil na época impediu que a cultura afro-brasileira e, consequentemente, a capoeira se projetasse para o cenário mundial naquele momento. “A capoeira aportou com muita defasagem nas outras cidades do Atlântico negro. Assim, é só a partir da década de 1980 que a capoeira passa por intenso processo de globalização ou, como preferem alguns, de transnacionalização. Mas isso é outra história”, conclui.

Clique para ler o artigo Ringue ou academia? A emergência dos estilos modernos da capoeira e seu contexto global na íntegra.

*Além da roda de capoeira, a lista da Unesco inclui o samba de roda do Recôncavo Baiano, a Arte Kusiwa (pintura corporal realizada por índios do Amapá), o frevo pernambucano e o Círio de Nazaré como Patrimônios Culturais Imateriais da Humanidade.

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