Início do conteúdo

23/08/2011

Artigo relata como a malária prejudicou as atividades da Comissão Rondon

Renata Moehlecke


Com a missão de estender os fios telegráficos até o extremo noroeste do Brasil e incorporar a área ao restante do país, a Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA), também conhecida como Comissão Rondon, reuniu de três a seis centenas de homens, dentre eles militares, telegrafistas, civis e grupos de indígenas. A história de como a malária, doença endêmica nas regiões percorridas, forçou a comissão a abrir mão de alguns objetivos, retardou a realização de outros e assombrou a mente de seus participantes é contada por pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz, em artigo publicado na última edição da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos da Fiocruz.


 Estação de Jurema (Foto: José Louro)

Estação de Jurema (Foto: José Louro)


“A construção de linhas e estações telegráficas pela CLTEMTA, entre 1907 e 1915, fez parte de um ambicioso projeto republicano, que previa ainda a defesa das fronteiras brasileiras, contatos com sociedades indígenas, investigações científicas e, sobretudo, a ocupação produtiva de grande porção do território nacional, que seus membros denominavam sertões do noroeste”, afirmam os pesquisadores. “No entanto, a comissão encontrou um sem-número de dificuldades para o cumprimento desses objetivos, entre as quais o transporte numa região bastante acidentada e praticamente inexplorada, as constantes chuvas somadas a períodos de calor inclemente e, finalmente, a malária – o grande martírio dos expedicionários –, que retardou e até mesmo interrompeu os diversos trabalhos então em curso”.


Segundo os estudiosos, praticamente todos os oficiais envolvidos na CLTEMTA que redigiram relatórios sobre suas atividades mencionaram problemas com doenças e fizeram avaliações sobre a gravidade da situação sanitária de algumas das regiões atravessadas. O impacto da doença nos trabalhos da comissão foi tão grande que acarretou na criação de um serviço sanitário destinado a seu controle e ao auxilio aos diversos trabalhadores adoecidos.


“O reconhecimento da malária como obstáculo de imenso porte à realização dos trabalhos na CLTEMTA converteu o projeto de povoamento e ocupação do noroeste do Brasil em problema médico. Para solucioná-lo buscou-se, acima de tudo, controlar a doença com o direcionamento do trabalho dos médicos para profilaxia e cuidado dos que dela sofriam”, explicam os pesquisadores. “O Serviço Sanitário foi organizado com a esperança de que pudesse reduzir a incidência da malária entre os membros da comissão, permitindo que ao menos seus trabalhos fossem realizados sem mais contratempos”.


No artigo, os estudiosos ainda relatam casos que demonstram a severidade com que a malária acometeu os trabalhadores do projeto. Em dos episódios, os pesquisadores contam que, logo após a inauguração de uma estação telegráfica na cidade de Mato Grosso, as chuvas na região se intensificaram, o que preocupou toda a comissão, já que a água parada propiciava a proliferação de mosquitos transmissores da doença. Rondon então comandou a retirada dos trabalhadores da localidade para sua proteção, mas acabou não tendo muito êxito. “Das 228 pessoas que partiram da cidade de Mato Grosso, apenas 24 chegaram saudáveis em Cáceres, e dos 204 doentes, seis faleceram no trajeto”, comentam os estudiosos.


Toda a problemática causada pela malária e outras enfermidades prejudicaram também a tarefa da comissão de promover a ocupação do noroeste do território brasileiro, já que afastava possíveis colonizadores. “Se Rondon e os demais membros da Comissão esforçavam-se em chamar a atenção para os benefícios oferecidos pela natureza da região ao migrante, o medo das doenças tratava no sentido contrário, lembrando que a morte era um possível destino para aqueles que por lá se aventurassem”, elucidam os pesquisadores. “O resultado dessa combinação foi uma linha telegráfica que, no correr dos anos, em vez de simbolizar a integração da região ao restante do país, assumiu o significado de monumento à memória do projeto encarnado pela CLTEMTA”.


Publicado em 23/8/2011.

Voltar ao topo Voltar