13/11/2007
Renata Moehlecke
Rejuvenescimento certo e seguro para idosos, benefícios afrodisíacos e a possibilidade de tornar-se um super-homem de até 140 anos. Essas eram as principais promessas trazidas pelo médico russo Serge Voronoff (1866-1951) na década de 20, em suas primeiras aparições nos meios de comunicação de massa de todo o mundo. No entanto, suas técnicas eram extremamente polêmicas: os indivíduos poderiam recuperar ou garantir a vitalidade, a plena atividade física e mental, a partir do xenotransplante ou, mais especificamente, por meio do enxerto de glândulas sexuais de primatas não-humanos.
Voronoff foi um dos primeiros cientistas a acreditar na relação entre atividade hormonal e envelhecimento (Foto: Wikipedia) |
É a história desse curioso cientista, de seus experimentos e de suas contribuições para o desenvolvimento de técnicas referentes às cirurgias de transplantes que os historiadores Ethel Cuperschmid e Tarcisio Campos se propõem a contar no artigo publicado no 14º volume da revista História, Ciência, Saúde – Manguinhos, editada pela Casa de Oswaldo Cruz (COC). Apresentado como mestre da cirurgia experimental, Voronoff e suas pesquisas mexiam com o imaginário popular e causavam reações das mais diversas na comunidade científica da época.
De acordo com os pesquisadores, Voronoff deixou a Rússia em 1884 e foi estudar medicina em Paris. Lá, o médico, cirurgião, fisiologista e professor entrou em contato com profissionais como Alexis Carrel (1873-1944), pioneiro na técnica de transplante de tecidos, e Adolphe-Séquard (1817-1894), conhecido por injetar em si mesmo extratos aquosos de testículos de cachorro e porco-da-guiné (os primórdios da opoterapia, tratamento que utiliza suco extraído de glândulas). Após uma estadia de 12 anos na cidade das luzes, Voronoff trabalhou 14 anos em um hospital no Cairo. Durante essa passagem, ele pode observar a vida dos eunucos e concluiu que a falta de testículos envelhecia e que a presença deles garantia não somente uma função genital, mas também o desenvolvimento ósseo, muscular, nervoso e psicológico do indivíduo, promovendo o rejuvenescimento.
Transplantes com cobaias
Quando retornou a Paris, em 1910, Voronoff iniciou seus experimentos de transplantes com cobaias animais e testou a hipótese de que os primatas superiores seriam os doadores perfeitos para os seres humanos. “Vale destacar que o fator rh só foi descrito em 1939 e que Voronoff foi um dos primeiros cientistas a acreditar na relação entre atividade hormonal e envelhecimento”, afirmam os historiadores no artigo. Eles também comentam que o médico (primeiro a realizar xenotransplantes com órgãos de primatas) acreditava que o enxerto da glândula tireóide de macacos oferecia resultados melhores do que os que utilizavam as próprias glândulas humanas.
O artigo cita que o famoso cirurgião, segundo ele mesmo, em 1919, já havia executado 120 experiências, vinculado ao Còllege de France (“instituição progressista que investia em pesquisas no futuro e avanço da ciência”), que envolviam enxertos de órgãos de animais em animais, como cabras, carneiros, ovelhas e cavalos. Para o médico, o uso de anestésicos nos bichos era imprescindível. E, de acordo com ele, “o uso de cobaias animais justificava-se pelo valor dado à vida do ser humano”, dizem Cuperschmid e Campos, acreditando que o interesse do cientista era promover um sistema rápido de desenvolvimento de transplantes, mesmo que utilizando animais. “Nenhum paciente deveria ser sacrificado em nome da ciência para que outros pudessem ser salvos mais tarde.”
Além disso, Voronoff assegurava que doadores animais eram mais fáceis de se encontrar do que os humanos dispostos a fornecer suas glândulas sexuais, e que o uso de órgãos de alguns cidadãos poderia acarretar em outras complicações éticas. Para ele, a doação de um enxerto qualquer por um prisioneiro prestes a ser executado, por exemplo, poderia transmitir ao paciente características perversas do doador. “O macaco, por ser semelhante ao homem e com ele aparentado pela escala evolutiva, por ter um corpo forte e boa qualidade de órgãos e saúde, deveria ser o animal utilizado na melhoria dos seres humanos”, assegurava Voronoff, segundo os historiadores, que também dizia fazer uma seleção prévia baseada em um minucioso estudo sanguíneo de doador e hospedeiro, sem revelar detalhes.
Entre 1920 e 1930 o excêntrico cirurgião operou 40 homens (engenheiros, intelectuais, arquitetos, advogados, professores universitários, um pintor etc) de 20 a 80 anos, em suas clínicas particulares. E mesmo com a maior parte das operações de enxerto tendo resultado em fracassos, o entusiasmo do cientista não diminuía, nem o número de seus admiradores. Até o final da década de 40, mais de 45 cirurgiões aderiram às técnicas de Voronoff e cerca de dois mil xenotransplantes foram realizados entre primatas não-humanos e indivíduos em vários países, como Estados Unidos, Itália, Chile e Índia.
E as mulheres também não ficaram de fora: havia a oferta de que os efeitos da menopausa poderiam ser reduzidos com o transplante de ovários de macacas. O pesquisador relatava o caso de uma brasileira de 48 anos, residente em São Paulo, uma das primeiras aventureiras a testar seus experimentos. A senhora se propôs a realizar o xenotransplante para rejuvenescer, pois seu marido a havia deixado e ela estava disposta a tentar reatar o relacionamento. A operação teria se realizado em 1924 e a mulher teria perdido 16 quilos nos primeiros quatro meses, apresentando músculos mais fortes e pele com mais brilho e elasticidade. Dois anos depois, o médico diz ter tido notícias de sua paciente, que estava ainda mais magra e aparentando ter 35 anos, apesar de já passar dos 50. Se havia voltado com o marido? Não, ele não merecia a juventude recém-adquirida.
Mas mesmo com sua fama já antiga, o aparecimento de Voronoff na imprensa brasileira só ocorreu em abril de 1928. O artigo de Cuperschmid e Campos conta que, em julho do mesmo ano, o médico, seus macacos e experiências eram esperados no país para participar das Jornadas Médicas (evento internacional no Rio de Janeiro, capital federal na época, que era promovido por associações médico-cirúrgicas brasileiras e programado para ocorrer na Sociedade de Medicina e Cirurgia, sob presidência de Fernando de Magalhães – considerado por alguns o criador da Escola Obstétrica Brasileira).
O que se pode observar foi uma ampla exposição de Voronoff na mídia nacional, mas a maior parte das citações apresenta piadas e gozações das mais variadas. “Jornalistas diziam que a ‘Sociedade Anônima dos Velhos’, formada por idosos de maiores de 70 anos, estava arrecadando capital para adquirir chimpanzés do Congo Belga”, destacam os historiadores em seu artigo. “Os velhos remoçados pelo processo Voronoff ficaram apenas mais validos ou também cheios de macaquices?”
Para demonstrar sua perícia e métodos, o pesquisador realizou duas intervenções: uma em um humano, o brasileiro Feliciano Ferreira de Moraes (figura de destaque na sociedade na época) e outra em um carneiro. As experiências, aparentemente bem sucedidas, causaram grande receptividade no público, mas uma reação de resistência na academia à nova técnica rejuvenescedora. “Voronoff fazia suas demonstrações gratuitamente para a classe médica e havia publicado diversos livros tratando do assunto, porém com a evidência na mídia e crescente popularização, alguns doutores melindravam-se por acreditarem que um tema médico devia ser discutido em atmosfera científica, sem se expor à curiosidade pública e o ridículo”, afirmam os historiadores, acrescentando que essa reação era natural, afinal, as Jornadas Médicas de 1928 não se tratavam somente do curioso cirurgião. O próprio Fernando de Magalhães, um dos principais responsáveis pelo evento, renunciou a seu cargo de presidência na Sociedade de Medicina e Cirurgia porque se recusava a receber oficialmente Voronoff. Mas o convidou a ministrar uma palestra para os membros da tal Sociedade.
Voronoff virou música de Lamartine Babo e Noel Rosa
Mesmo com essa espécie de boicote e rejeição do meio científico, a notoriedade de Voronoff deixou marcas no Brasil. Um livro sobre o médico, O doutor Voronoff, foi escrito por Mendes Fradique, humorista e contista capixaba. Segundo o artigo, a obra descrevia o cirurgião russo tal como era retratado no imaginário nacional: “uma mistura de Mefistófeles e charlatão, capaz de transformar velhos libertinos em mancebos de rija feitura, aptos a todas as proezas e alvoroços dos 20 anos”. O cirurgião também virou música. Lamartine Babo e João Rossi compuseram Seu Voronoff, em 1929, retratando a fama do cientista e os tristes resultados de seu método. No mesmo ano, Noel Rosa cita Voronoff em versos da canção Minha viola.
Apesar de toda a sua excentricidade, os historiadores comentam que “os trabalhos de Voronoff foram desenvolvidos em um período em que nada se sabia dos mecanismos de rejeição e da ação do sistema imunológico” e que “a literatura mostra um aparente sucesso, talvez justificado pelo fato de que, de alguma forma, Voronoff conseguiu reduzir as incidências de efeitos agudos”. Eles também explicam que os enxertos tinham uma justificativa baseada em aspectos comportamentais, já que nada se sabia sobre hormônios e suas funções. O pesquisador, então, ajudou a chamar atenção, mesmo que de modo indireto, para essas questões e contribuiu para o avanço da mentalidade e evolução da ciência de transplantes.
Conforme o artigo, Voronoff foi obrigado a interromper seus experimentos em virtude das pressões feitas pela comunidade científica, que o enchia de censuras e duvidava dos resultados de sua técnica revolucionária e operações. O médico morreu em 1951, rico, mas sem reconhecimento algum da academia. A maior parte de seus arquivos desapareceu misteriosamente. Mas, no Brasil, ele vive na memória de muitos que ouviram sobre seus métodos e promessas, e nas referências da cultura popular. “Eu tive um sogro cansado dos rega-bofe, que procurou o Voronoff, doutô muito creditado, e andam dizendo que o enxerto foi de gato, pois ele pula de quatro miando pelos telhados...”, cantou Noel Rosa em alusão ao polêmico médico russo.