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21/08/2009

CD-ROM auxilia agentes de saúde e justiça envolvidos na demanda judicial de medicamentos

Informe Ensp


Lançado recentemente pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), o CD-ROM Assistência farmacêutica em foco no Estado do Rio de Janeiro: normas e documentos para ação tem o objetivo de viabilizar o acesso a informações e suas análises, de forma a estimular ações inovadoras e articuladas dos diversos agentes de saúde e de justiça envolvidos na assistência farmacêutica e na demanda judicial de medicamentos. Ele foi desenvolvido no âmbito do projeto Judicialização da saúde, que faz parte de uma cooperação da Ensp com a Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. O CD-ROM foi coordenado pela pesquisadora Vera Pepe e pela doutoranda em saúde pública Miriam Ventura, que, em entrevista, explicam esse trabalho. 


O que levou a cooperação Ensp/Sesdec-RJ a construir um projeto sobre normas e documentos para ação com foco na assistência farmacêutica?

Vera Pepe: O acesso a medicamentos é um tema presente na agenda nacional e internacional. Esse debate leva setores responsáveis a mobilizarem recursos e esforços, e implica em resultados que são percebidos de maneira diferente, dependendo de fatores que vão desde a organização sociocultural até questões econômicas e político-administrativas.





Quando bem utilizados, os medicamentos são importantes instrumentos de saúde. Mas podem ser potenciais fontes de agravos e danos à saúde se utilizados de forma indevida. Os erros de medicação e os eventos adversos representam importante causa de morte em alguns países, o que tem desencadeado esforços para aumentar a segurança no uso dos medicamentos e procedimentos médicos. A demanda por medicamentos tem se expressado no crescente número de ações judiciais coletivas e, sobretudo, individuais. Os estudos sobre o tema ressaltam, em geral, o impacto negativo desse aumento exponencial para a gestão, o orçamento público e o uso racional de procedimentos terapêuticos. O debate atual tem dado especial atenção para ordens judiciais que determinam o pagamento ou fornecimento imediato pelos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) de determinado medicamento e/ou procedimento não disponibilizados pelo sistema público de saúde brasileiro, ou de uso não autorizado no Brasil.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem capitaneado, em conjunto com outras instituições gestoras e de pesquisa, movimentos que buscam o uso racional de medicamentos, a prescrição racional, a seleção de medicamentos essenciais e a disponibilização de informações científicas e independentes aos profissionais de saúde, por meio de boletins e formulários terapêuticos nacionais. O resultado disso é o CD-ROM, que tem o intuito de viabilizar o acesso a essas informações e às suas análises, de forma a estimular ações inovadoras e articuladas dos diversos agentes de saúde e de justiça envolvidos na assistência farmacêutica e na demanda judicial de medicamentos, em prol da melhoria da saúde pública, da proteção da saúde e da segurança do cidadão no acesso a este importante insumo de saúde, no Estado do Rio de Janeiro.


Qual o objetivo do CD-ROM?

Vera Pepe:
O CD-ROM sistematiza e consolida as normas e os documentos de interesse da assistência farmacêutica no âmbito do SUS, na esfera federal, no Estado do Rio de Janeiro e em seus municípios. A ideia é oferecer aos profissionais da área da saúde e da justiça um instrumento que facilite o entendimento sobre os assuntos relacionados às demandas judiciais e individuais por medicamentos. As informações podem dinamizar a elaboração de pareceres, na medida em que o CD-ROM aprofunda o conhecimento das normas infraconstitucionais relacionadas à questão da assistência farmacêutica. Ele busca também favorecer o paciente, para que este não seja prejudicado pelo uso de medicamentos que não tenham segurança confirmada ou que possam fazer mais mal do que bem.


Miriam Ventura: Além da segurança do paciente, outro objetivo desse projeto é tentar reduzir as distorções das ordens judiciais. Quando se condena um ente federativo, como, por exemplo, o município, a fornecer um medicamento que, de fato, é de responsabilidade do estado, muitas vezes, cria-se um problema de gestão desnecessário para um município com menos recursos. Com o acesso a essa legislação, é possível identificar o principal responsável por cada demanda judicial, permitindo aos juízes maior clareza para a tomada de decisões. Acrescentam-se a isso as alternativas criadas por esse instrumento eletrônico, no sentido da substituição de um medicamento solicitado - que pode não estar relacionado no elenco de possibilidades da assistência farmacêutica do SUS - por outro que esteja disponível no sistema. Essas são estratégias capazes de reduzir as demandas judiciais sem impedir o acesso do cidadão aos insumos que ele considera necessários à saúde.


A nossa experiência constatou que nem sempre é fácil para os juízes e para os seus assessores identificarem as normas e regulamentações do estado, que chamamos de normas infraconstitucionais. Essas normas possuem um sentido orgânico, de melhoria do acesso, de equidade. O objetivo dessa estratégia na elaboração do CD-ROM é estimular o poder judiciário a respeitar a regulação estabelecida pelos gestores de saúde, na medida em que essa regulação não viole o direito do paciente aos recursos necessários para a sua saúde. Assim, o sistema permanece organizado e funcional.


Como este produto foi desenvolvido?

Vera Pepe: 
O CD-ROM contém 51 leis, dez decretos, 70 resoluções, 123 portarias, seis consultas públicas, uma deliberação e dez documentos. Essa consolidação foi classificada em sete diferentes assuntos, que podem ou não estar relacionados. São eles: Aquisição, comercialização, distribuição e transporte; importação, desenvolvimento, pesquisa clínica, registro e produção de medicamentos; Política Nacional de Medicamentos e de Assistência Farmacêutica, Regulação e Financiamento; prescrição e dispensação; protocolos clínicos, diretrizes terapêuticas e componente de medicamentos de dispensação excepcional; seleção, incorporação às listas e listas de medicamentos oficiais; e uso racional de medicamentos e Denominação Comum Brasileira de Medicamentos.


O CD-ROM também disponibiliza uma busca que pode ser realizada por meio de palavras e filtros referentes ao tipo de norma/documento ou seus assuntos. Todos os materiais podem ser acessados em sua íntegra e estão disponíveis em formato PDF. Além dos documentos oficiais, foram também elaboradas oito notas técnicas referentes a dois grandes grupos de assuntos. O primeiro aborda temas gerais da assistência farmacêutica, do uso racional de medicamentos e da segurança do usuário. O segundo trata do financiamento da assistência farmacêutica regulamentado pela Portaria MS/GM nº 204, de 29 de janeiro de 2007, e do Programa Nacional de DST/Aids.


Para que público essa mídia eletrônica foi produzida?

Vera Pepe:
O CD-ROM é voltado para profissionais da área da saúde e da justiça da secretaria estadual e das secretarias municipais, e também àqueles envolvidos com a questão das demandas judiciais por medicamentos ou com a gestão da assistência farmacêutica dentro do poder executivo - os procuradores do estado ou do município, ou mesmo, advogados contratados para fazer a defesa frente aos mandados.


Quais foram as principais dificuldades para o desenvolvimento desse projeto?

Miriam Ventura:
A legislação que trata do acesso a medicamentos é muito fragmentada e frequentemente alterada - quase que semanalmente. Um dos recursos utilizados no CD-ROM foi disponibilizar os sites pesquisados e outras fontes, para que o usuário verifique regularmente se aquela legislação ainda está em vigor. É muito comum um medicamento passar de uma instância a outra, por meio de portarias, que são numerosas e reguladas por pactuação. Como é uma legislação muito fluida, muito alterada, essa é a grande novidade do CD-ROM: criar um caminho, um método para a constante atualização.


Outro recurso importante é a nota técnica. Para determinados campos, foi feito uma nota técnica que orienta o usuário do CD-ROM sobre como pode ser estruturada a resposta ao Poder Judiciário. Dessa forma, no âmbito da atenção básica, em uma demanda isolada, em uma demanda de medicamento excepcional, apresentamos quais são as principais legislações sobre o assunto. Espera-se que os objetivos de articulação e de melhor compreensão entre os setores de justiça e de saúde a respeito do direito à assistência farmacêutica possa efetivamente contribuir para o acesso seguro aos medicamentos.


Quanto tempo o CD-ROM demorou para ser desenvolvido e qual é a sua tiragem?

Vera Pepe:
Consideramos as normas da Constituição Federal desde sua formulação (1988) até outubro de 2008, durante a busca sistemática de normas e documentos de interesse para assistência farmacêutica. O CD-ROM abrange os 20 anos da Constituição e do SUS. Levamos exatamente um ano para fazer essa consolidação. Quanto a tiragem, inicialmente confeccionamos 500 exemplares. A distribuição já está sendo feita durante as oficinas de capacitação. A nossa proposta é disponibilizá-lo na página da cooperação Ensp/Sesdec-RJ, no Portal Ensp e no site da Sesdec-RJ.


Miriam Ventura: De outubro de 2008 a maio de 2009 foi o período de revisão do conteúdo selecionado, quando verificamos a legislação que estava já revogada ou havia sido alterada.


Como e quando a Assistência Farmacêutica passou a ser tratada como política pública no país?

Vera Pepe:
No que se refere à ampliação do acesso a medicamentos no Brasil, as instâncias gestoras e de controle social, com o crescente e rápido desenvolvimento técnico e científico neste campo, têm buscado sanar importantes lacunas que foram aprofundadas na década de 90. A equidade no acesso aos medicamentos no SUS tem sido discutida a partir da premissa de que o direito à assistência integral farmacêutica implica na partilha, entre os entes federativos, das responsabilidades legais do Estado de propiciar o acesso igualitário e universal aos medicamentos e procedimentos terapêuticos para a assistência integral à saúde dos cidadãos.


Com este propósito, foram instituídas a Política Nacional de Medicamentos (Portaria MS/GM nº 3.916, de 30 de outubro de 1998) e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, em 1998, com suas diretrizes e prioridades, que resultaram em importantes avanços na organização e gestão da assistência farmacêutica no SUS, inclusive com a criação de serviços de assistência farmacêutica nas três esferas de gestão. Um amplo debate com a sociedade sobre este tema aconteceu durante a 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, realizada em 2003, e, consonante com este debate, foi publicada a Resolução - MS/CNS nº 338, de 6 de maio de 2004, que se volta especialmente para as ações da assistência farmacêutica no âmbito do SUS.


Mais recentemente, os Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão foram instituídos por meio da Portaria MS/GM nº 399, de 22 de fevereiro de 2006. No Pacto de Gestão, ficou definido que o financiamento referente à assistência farmacêutica é de responsabilidade dos três gestores do SUS, devendo agregar a aquisição de medicamentos e insumos e a organização das ações de assistência farmacêutica necessárias, de acordo com a organização dos serviços de saúde. A Portaria MS/GM nº 204, de 29 de janeiro de 2007, regulamentou o bloco de financiamento da assistência farmacêutica em três componentes: o componente básico, o componente estratégico e o componente de medicamentos de dispensação excepcional. Os principais fatores de dificuldade apontados nos debates têm sido o aumento do custo dos medicamentos no âmbito da assistência à saúde; o impacto no gasto público na incorporação de novos protocolos terapêuticos no âmbito do SUS; os limitados e escassos recursos públicos para setor saúde, nos diversos níveis de gestão do SUS; as dificuldades de pactuação entre as instâncias do SUS; o empobrecimento da população, que busca o sistema público de saúde para o acesso à assistência farmacêutica; e o uso inadequado após sua incorporação.



Publicado em 21/08/2009.

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