Políticas de equidade constituem uma forma de alcançar a igualdade, seja ela das condições, ou das oportunidades sociopolíticas. No Brasil, apesar dos avanços obtidos em matéria de atuação das mulheres no mercado de trabalho, a igualdade entre homens e mulheres, no que se refere à equidade de gênero, ainda não foi obtida. Visando superar barreiras no campo foi instituído pela Fiocruz, em maio de 2009, o Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça. O objetivo é desenvolver novas concepções e procedimentos na gestão de pessoas e na cultura organizacional, a fim de promover, como o próprio nome sugere, a igualdade de gênero. Em entrevista concedida à Agência Fiocruz de Noticias, a nova coordenadora do comitê, Elizabeth Fleury, nomeada em agosto deste ano, informou sobre a criação, os desafios e as perspectivas da iniciativa. Elizabeth participou da oficina Trabalho decente e questões raciais, promovida pelo comitê e conduzida pelo professor da USP e assessor especial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Lopes Cardoso, na terça-feira (24/9).
Como se estruturou a criação do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz?
Elizabeth Fleury: O comitê foi criado no rastro de um histórico construído pelo Brasil de tentar fazer as discussões das mulheres avançarem – inicialmente questões de gênero, que depois foram para outras áreas, como a da raça. Já existia uma discussão no campo, quando a redemocratização começou a ser produzida na prática. Em 1982 ocorreram grandes mudanças: Franco Montoro assumiu em São Paulo e Tancredo Neves em Minas Gerais e, assim, foram implantados os primeiros conselhos estaduais de mulheres.
Foi nesse momento que as políticas públicas no campo começaram a ser construídas. Mais adiante, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi criado o Conselho Nacional da Mulher e, durante o governo Lula, nasceu a primeira Secretaria de Políticas para as Mulheres, denominada Secretaria Especial. A novidade foi assumida pela sanitarista Nilcéia Freire, que começou uma gestão de políticas públicas que vinham das conferencias municipais, estaduais e nacionais de mulheres. Foi criado um Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres e, a partir daí, surgiram políticas de intervenção dos problemas verificados.
Um deles diz respeito à necessidade das mulheres adquirirem oportunidades iguais de desempenho das suas qualificações de trabalho, não só como uma questão de raça, mas de gênero especificamente. A partir dessa verificação foi criado o Programa Nacional Pró-Equidade de Gênero. O Comitê da Fundação nasce aí, sob o escopo do Programa.
Qual a finalidade do comitê?
Elizabeth: Cada empresa que adere ao programa deve buscar a promoção da equidade de gênero nas suas relações de trabalho. O papel principal dos comitês é dar vazão a uma discussão daquilo que acontece dentro das próprias instituições que os abrigam, que é a reprodução do que acontece na vida social do cotidiano.
Discussões desse tipo sempre foram interditadas. O assédio às mulheres no trabalho, por exemplo, ainda é um tabu na sociedade brasileira. Logo, um comitê como esse tem como primeira tarefa trazer a discussão sobre assuntos do dia a dia de trabalho para uma pauta livre e aberta, democrática. Discutimos quais são as verdadeiras questões que acontecem nas relações de trabalho e, ao poucos, vamos despindo esse véu ao reconhecê-lo primeiro em nós.
Essa dinâmica faz parte de todos esses comitês: primeiro você precisa contar a sua experiência, compartilhá-la, para depois buscar promover a mudança na instituição. Logo, o que o Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz produz é a subversão de uma ordem, que é a ordem do silêncio.
Quem compõe o comitê?
Elizabeth: Inicialmente foi feita uma lista de nomes pelo Grupo de Trabalho e Direitos Humanos e Saúde (Dihs) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), que possui uma grande interface com os movimentos sociais e vem de uma discussão referente à saúde do trabalhador brasileiro. A partir da lista iniciamos o trabalho.
Há representantes de todas as unidades?
Elizabeth: Havia muita representação da Ensp, pela própria natureza do trabalho desenvolvido por eles, que envolve tanto a saúde do trabalhador, quanto questões relacionadas ao gênero, porém, chegamos à conclusão que cada unidade deveria ter pelo menos uma ou duas representações. Por aí caminhamos...
Que balanço pode ser feito desses três anos de atuação? Quais os avanços e lacunas?
Elizabeth: Ao longo desse caminho construímos um estatuto interno para a atuação do comitê e pesquisadores da educação em saúde, especialmente, criaram propostas no campo da pesquisa. Nosso desafio, atualmente, é a homogeneização de um nível de informação sobre o campo no qual atuamos. Algumas pessoas, pela própria natureza de formação que possuem, são muito qualificadas dentro das áreas tratadas pelo comitê, outras, por sua vez, estão em outros patamares de conhecimento no campo. Isso faz parte do próprio programa como um todo: qualificar os comitês. Algumas discussões avançaram mais, outras menos, cada uma conforme as suas próprias circunstâncias. Logo, a ideia é focar nessa capacitação interna. Também pretendemos, é claro, retomar a agenda, que visa ultrapassar os limites internos do comitê, levando para o público essa discussão.
Trata-se de uma forma de tratar o gênero como tema importante para a saúde coletiva?
Fleury: Exato. Depois que lutamos, possuímos uma legislação que defende essa luta e as mulheres começam, de fato, a ter esses direitos; existem outros entraves no campo, que dizem respeito à própria saúde pública. Posso destacar, por exemplo, dificuldades encontradas no atendimento às mulheres em situação de violência. Falta capacitação nesse campo, e a ideia é iluminar essas discussões para atingi-la.
Foi por isso que realizamos, em março de 2010, o 1º Fórum Fiocruz Minas, com a temática Mulheres em situação de violência, um tema de saúde pública, que trouxe as questões de gênero como um problema de saúde pública. Na ocasião, após diferentes discussões e apresentações, concluímos que precisávamos produzir alguma resposta à demanda observada: fazer algum tipo de intervenção no campo dos profissionais que atendem mulheres em situação de violência. Nesse sentido estamos concluindo o Dicionário feminino da infâmia – Acolhimento e diagnóstico da mulher em situação de violência. A publicação trará em torno de 250 verbetes ligados ao universo da violência contra as mulheres.
Publicado em 28/9/2012.