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11/11/2011

Cotidiano dos trabalhadores da saúde é alvo de livro que destaca os desafios da gestão

Fernanda Marques


Trabalhar na saúde engloba uma multiplicidade de atores e uma diversidade de processos nos serviços públicos, seja na Estratégia Saúde da Família, nos ambulatórios, nos hospitais ou nas emergências. Aos médicos e às equipes de enfermagem, somam-se os agentes comunitários de saúde. Mais: os recepcionistas, o pessoal da segurança e os porteiros das unidades de saúde também devem ser incluídos. Afinal, muitas vezes, esses trabalhadores desempenham o papel de hábeis negociadores, sobretudo porque, com frequência, o número de usuários que procuram os serviços de saúde excede os recursos materiais e humanos ali disponíveis. Uma análise, ao mesmo tempo, abrangente e detalhada sobre essa complexa realidade é o que oferece a coletânea Trabalhar na Saúde: experiências cotidianas e desafios para a gestão do trabalho e do emprego, lançamento da Editora Fiocruz.






Organizado pelas pesquisadoras Ada Ávila Assunção, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Jussara Brito, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), o livro combina teoria e prática para lançar luz sobre uma série de questões polêmicas, como o sofrimento e o desgaste físico e psíquico vivenciados pelos trabalhadores da saúde; o paradoxo entre a missão de cuidar e a ausência de meios; e a necessidade de ‘invenções’ cotidianas para atender, pelo menos parcialmente, às expectativas dos usuários. Refletir sobre essas questões torna-se fundamental na medida em que a qualidade dos serviços prestados à população também depende do nível de satisfação e bem-estar daqueles que trabalham na saúde – e que, para exercerem suas atividades profissionais, mobilizam corpo, inteligência, emoções e capacidade de se relacionar.


Os desafios enfrentados por esses trabalhadores incluem, ainda, a exigência de adaptação a situações variadas, como as novas necessidades de saúde da população em face das transformações demográficas e epidemiológicas; a imprevisibilidade de demandas para as quais não foram preparados e que requerem a construção de um saber-fazer original; a introdução de inovações tecnológicas; e a gestão de diferentes normas. “Nas diferentes situações exemplificadas, percebe-se a existência de uma disputa entre várias normas (muitas vezes contraditórias): normas ligadas aos saberes técnicos, científicos e culturais; normas ligadas ao planejamento e à organização prescrita do trabalho; normas ligadas ao trabalhador e aos coletivos de trabalho; e normas ligadas aos usuários. Ao final, indica-se que a origem dos riscos à saúde dos trabalhadores está relacionada aos paradoxos e aos conflitos referentes às normas”, afirmam as organizadoras na apresentação do livro.


Esses conflitos se manifestam também sob a forma de choques entre burocracia e cuidado. “Os capítulos que integram o livro acenam para o profundo mal-estar dos trabalhadores – que pode se transformar em exaustão emocional – diante de uma lógica institucional que exige atividades burocráticas, em detrimento do tempo e do sentido da prestação de cuidados aos usuários”, opina a doutora em medicina preventiva Edith Seligmann Silva, professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP), que assina a orelha da coletânea.


Muitas vezes em meio a situações conflitantes, o cotidiano dos trabalhadores da saúde envolve fazer escolhas e assumir a responsabilidade por essas decisões. Esse cenário revela a essencialidade do debate sobre a ética, tema que perpassa as três partes da coletânea – Cotidianos, Modos de Saber-Fazer no Trabalho e a Saúde de Quem Cuida; Sofrimento e Desgaste Associados ao Trabalho no Setor Saúde; e Desenvolvimento da Políticas de Gestão do Trabalho: tendências e desafios. Assim como a ética, a estrutura organizacional dos serviços e a gestão do trabalho também são assuntos que atravessam todos os capítulos da obra.


Apesar dos progressos já alcançados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em sua atual etapa de consolidação, reverter o quadro de precarização do emprego ainda permanece como um importante desafio, para o qual são necessárias políticas e ações específicas. O livro analisa esse desafio em seus componentes jurídicos e administrativos e em suas consequências para o trabalho na saúde. “São necessárias transformações para favorecer o trabalho e para sustentar os coletivos e suas equipes”, resumem as organizadoras.


Além da precarização do emprego, a divisão sexual do trabalho na saúde também é discutida no livro. Um dos capítulos chama atenção para a invisibilidade dos riscos do trabalho feminino, muitas vezes subestimados e negligenciados. “As jornadas longas e desgastantes não desobrigam as mulheres das tarefas domésticas”, lembram as organizadoras. “É foco, ainda, desse capítulo, o fato de os homens na enfermagem encontrarem-se sobrerrepresentados nos níveis de gestão e supervisão, apesar da presença majoritária de mulheres nas atividades”, sublinham.  


Publicado em 11/11/2011.

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