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26/03/2008

Diagnóstico da tuberculose infantil ganha um aliado de peso

Bruna Cruz


Esta segunda-feira (24/3) é o Dia Mundial de Combate à Tuberculose, promovido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Embora, segundo o Ministério da Saúde, a data seja de mobilização, e não de comemoração, há boas notícias na área. O diagnóstico da tuberculose infantil, problema de saúde pública que atinge 1,3 milhão de crianças por ano no Brasil, ganhou um aliado de peso. Cientistas do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco, validaram testes diagnósticos moleculares para a identificação do IS6110, um elemento genético do Mycobacterium tuberculosis, bactéria causadora da doença. Os testes apresentaram resultados promissores no diagnóstico de alta complexidade da tuberculose, como é o caso da tuberculose infantil e da tuberculose extrapulmonar, por meio da análise de amostras de sangue.


 Novo teste para tuberculose apresenta especificidade de 100% (Foto: Peter Ilcciev)

Novo teste para tuberculose apresenta especificidade de 100% (Foto: Peter Ilcciev)


O método apresentou especificidade de 100% (capacidade de descartar o M. tuberculosis em indivíduos saudáveis) e 92,6% de sensibilidade (capacidade de confirmar a presença do bacilo) em menores de 15 anos de idade.  Além de serem sensíveis e específicos, os novos testes são mais rápidos e levam, em média, 24 horas para dar o resultado, enquanto para se obter o resultado da cultura se leva de seis a oito semanas. Os resultados obtidos com os testes já foram apresentados em vários congressos científicos e a equipe responsável tem a perspectiva de publicá-los em breve em revistas científicas de alto impacto.


“As variáveis das técnicas estudadas foram capazes de detectar uma quantidade de DNA menor à existente em uma célula bacteriana, ou seja, a presença de apenas um bacilo pode ser suficiente para indicar que o paciente está infectado”, comentou a coordenadora do estudo e pesquisadora do Departamento de Imunologia do CPqAM, Haiana Schindler. De acordo com a literatura médica, esses métodos moleculares chegam a apresentar sensibilidade superior a 90% para a detecção da infecção em adultos, mas, até então, não tinham sido testados em crianças. Em média, os métodos convencionais – baciloscopia e cultura – detectam a presença da bactéria em aspirado gástrico (melhor material para identificação do bacilo em crianças, sobretudo nos menores de 6 anos que não têm capacidade de expectoração do escarro) em apenas 5% e 40% dos casos, respectivamente.


A pesquisa validou testes moleculares baseados no método de Nested-PCR (reação em cadeia da polimerase), técnica que amplifica um trecho específico do DNA da bactéria em milhares de vezes, em crianças com suspeita de tuberculose. O objetivo foi aperfeiçoar a metodologia para a detecção precoce dos casos de tuberculose infantil e de formas paucibacilares da doença, ou seja, nos casos em que a presença do bacilo no organismo é muito baixa, como ocorre com a tuberculose extrapulmonar. Esse tipo da doença pode ocorrer nos gânglios linfáticos, no sistema urogenital, nos ossos, nas articulações, no fígado, no baço, no sistema nervoso central e na pele.


O estudo foi feito com amostras sanguíneas de 117 crianças de ambos os sexos com idades entre seis meses e 14 anos e nove meses (média de 6,5 anos), atendidas no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE), no Hospital Barão de Lucena e no Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip).


Os pacientes foram divididos entre os que apresentavam manifestações clínicas (tuberculose doença), 41 crianças, e os sem manifestações clínicas (tuberculose infecção), 21 crianças. Outras 15 crianças, negativas para tuberculose, funcionaram como grupo controle. Do total de pacientes com suspeita da doença, 62 tinham suspeita de tuberculose confirmada pelo médico, 32 tinham tiveram a doença descartada pelo especialista e oito não retornaram aos serviços.


No primeiro grupo (41 pacientes com a doença), o método molecular foi positivo em 92,6% das amostras. Já os que apresentaram tuberculose infecção (21), o teste foi positivo em 80,9%. Entre os que tiveram a tuberculose afastada, o teste foi negativo em 27 e positivo em cinco. As análises feitas no grupo controle deram todas negativas. Entre os pacientes com tuberculose, 72,3% apresentaram a doença na forma pulmonar e os demais na extrapulmonar, ainda mais difícil de ser detectada. Cerca de 74,5% das crianças positivas tiveram contato com adulto doente, o que sugere a hipótese de que os programas de controle não estão sendo efetivos. A cobertura vacinal das crianças que participaram da pesquisa foi de 95,1%, confirmada por meio da cicatriz de BCG.


Resultados promissores


Segundo Haiana Schindler, que também é médica pediatra, os resultados são promissores. “A utilização dessas novas abordagens associadas com os métodos tradicionais contribuirão para a realização do diagnóstico mais preciso em qualquer fase e nas diferentes formas da doença, além do tratamento precoce, da identificação de focos da tuberculose infantil e do controle da sua transmissão”, explicou.


Ela comentou que atualmente há uma subnotificação dos casos da doença entre crianças principalmente pelos sintomas se confundirem com os de outras enfermidades. “A tuberculose é uma doença que, até mesmo para os programas de controle, aparentemente não existe entre as crianças. Os serviços públicos não estão preparados para diagnosticá-la. Até mesmo os medicamentos, em forma de comprimido, são pensados exclusivamente para os adultos”, ressaltou.


Método ajuda a identificar tuberculose extrapulmonar


O CPqAM já está sendo requisitado por vários hospitais e serviços de saúde pernambucanos para utilizar a técnica molecular que validou no diagnóstico de casos raros de tuberculose extrapulmonar, como foi o caso de M.P.A. Aos 14 anos a jovem já havia passado por vários serviços de saúde para descobrir o que tinha na coluna lombar. Sentia dores de forma contínua que pioravam quando fazia algum movimento de flexão, mesmo ingerindo analgésicos e antiinflamatórios. Depois de fazer vários exames e tratamento em sua cidade natal, João Pessoa, sem obter sucesso, a família da adolescente levou-a para o Hospital das Clinicas da UFPE onde foram solicitados, além dos testes convencionais para tuberculose, o diagnóstico molecular de amostras sanguíneas utilizando o método validado pelo CPqAM. Ambos apresentaram-se positivos para a Mycobacterium tuberculosis. “A maioria dos casos que recebemos é de pacientes crônicos e que já foram tratados como portadores de outras doenças e cujo quadro vem se agravando”, explicou Haiana. Com nove meses de tratamento específico, M.P.A. deixou de apresentar dores e recuperou sua função motora.


A equipe do centro de pesquisa também ajudou a elucidar o caso de R.M.C, de 78 anos. Esta paciente já tinha sido submetida à quimioterapia e à radioterapia após uma mastectomia total ocasionada por um câncer de mama. Durante o tratamento, ela apresentou um quadro de pneumonia com derrame pleural e que não estava respondendo aos antibióticos. O CPqAM foi procurado e realizou testes com o líquido pleural, no sangue e na urina de R.M.C. e, em todas as amostras, o resultado foi positivo para tuberculose. Diante do resultado, o médico que a acompanhava suspendeu os antibióticos e iniciou o tratamento específico para tuberculose.  Prova de que o conhecimento gerado pelas equipes da Fiocruz no Recife já começou a beneficiar a população.


A doença


No Brasil, estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas estão infectadas pela Mycobacterium tuberculosis, bactéria causadora da tuberculose, o que o coloca na 16ª posição da lista dos 22 países de mais alta carga de tuberculose do mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre os casos notificados, 10% acometem menores de 15 anos. Pernambuco é o segundo estado brasileiro em número absoluto de casos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2003 foram notificados 4.431 novos casos da doença, sendo 17%, aproximadamente, em menores de 15 anos.

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