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02/10/2009

Diretor da Capes apresenta balanço da pós-graduação brasileira

Informe Ensp


Entre 1987 e 2007, a Capes constatou um crescimento no número de artigos publicados e na titulação de doutores, fruto dos quase 2,5 mil cursos de mestrado acadêmico e 250 de mestrado profissional. Os dados foram apresentados pelo diretor de Avaliação da Capes, Lívio Amaral, no Seminário de Mestrado Profissional em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, realizado no Rio de Janeiro. Ao falar da situação da pós-graduação stricto sensu no país, Lívio Amaral apresentou também as novidades da Portaria Normativa nº 7 sobre mestrados profissionais, publicada pelo Ministério da Educação e a Capes, em junho.


Qual o panorama da pós-graduação no Brasil?


Lívio Amaral: A pós-graduação stricto sensu no país teve um desenvolvimento com qualidade e consistência ao longo das décadas. No período de 1987 a 2007, esse crescimento foi contínuo e demonstra uma estreita relação entre o número de artigos publicados e a titulação de doutores. Isso é um mérito na formação de recursos humanos e na produção de conhecimento no nosso país. Podemos dizer que pós-graduação brasileira e a produção de conhecimento são dois lados de uma única moeda. Para ilustrar, tomemos como exemplo o ano de 2008, no qual foram titulados cerca de 10 mil doutores e publicados mais de 20 mil artigos em revistas científicas de circulação internacional.


Nesses últimos 20 anos, também se observa que a quantidade de cursos de mestrado e de doutorado cresce praticamente na mesma proporção. Em números, os estados das regiões Sul e Sudeste têm a maior concentração de programas de pós-graduação, seguidos pelo Nordeste e depois pelos estados do Centro-Oeste e do Norte. Por exemplo, o Estado de São Paulo tem o maior numero de programas - mais de 650 - enquanto Roraima, Amapá e Rondônia contam com cerca de três a cinco programas. Naturalmente, esses números refletem a história do desenvolvimento do Brasil em quatro séculos, ou seja, maior densidade na região Sudeste-Sul. Portanto, precisamos manter permanente atenção e continuar implementando ações que reduzam essas assimetrias.


Apesar desse significativo crescimento, em termos absolutos estamos defasados no que se refere a outras realidades. O Brasil está em um patamar inferior se comparado a Europa, Estados Unidos ou Japão, quando consideramos, por exemplo, o número de pesquisadores titulados para cada 100 mil habitantes. Nos Estados Unidos, são 1.270 pesquisadores para cada 100 mil, enquanto que no Brasil chegamos apenas a 65 pesquisadores.


Quais ações da Capes o senhor destacaria como fundamentais para ciência, tecnologia, inovação e educação no Brasil?


Amaral: A Capes é uma instituição que existe desde 1951, sob inspiração do professor Anísio Teixeira, e tem como principais objetivos fomentar a qualificação de recursos humanos de alto nível no Brasil e no exterior, viabilizar o acesso e difusão da literatura científica, promover cooperação internacional na ciência, tecnologia e inovação, avaliar a pós-graduação brasileira (programas de pós-graduação stricto sensu) e, a partir de 2007, com sua reestruturação, induzir e fomentar a formação de professores da educação básica.


Uma das mais importantes ações de ciência, tecnologia, inovação e educação no Brasil, associada à Capes, é o Portal de Periódicos, que está vinculado à Diretoria de Programas e Bolsas no País. O portal permite acesso à literatura especializada de modo abrangente e, sobretudo, de modo democraticamente estendido a todo o país. Até o Portal de Periódicos, nos grandes centros e nas universidades tradicionais, tínhamos bibliotecas com periódicos especializados, mas, muitas vezes, a 100-200 quilômetros desses locais; por exemplo, havia bibliotecas de instituições sem qualquer tipo de acesso à literatura científica. Isto sem falar das regiões do Brasil profundo. O Portal de Periódicos veio resolver isso de modo democrático e abrangente para todo o sistema.


Sou um grande entusiasta do Portal de Periódicos. Para se ter uma ideia, quando ele surgiu nos anos 90, disponibilizava 1.800 títulos. Hoje, estamos com mais de 15 mil títulos a um custo de US$ 54 milhões por ano. São poucos os países que têm, de forma tão ampla num único portal, o acesso à literatura científica como nós temos. O número de acessos em 2008 foi da ordem de 40 milhões, e pouco mais da metade desse acesso foi com download de textos ou artigos completos.


Quais foram as principais mudanças do processo de avaliação dos programas para o triênio 2007-2009, em relação ao triênio anterior?


Amaral: Teremos algumas mudanças. O processo de avaliação pode ser descrito da seguinte maneira: em primeiro lugar, temos a Coleta Capes, que é uma atribuição dos programas de pós-graduação, das prós-reitorias ou órgãos equivalentes nas reitorias universitárias. Depois, temos a ficha de avaliação, na qual foram feitas algumas mudanças. Temos também os chamados "documentos de áreas", que estão em processo de validação pelo CTC-ES (Conselho Técnico-Científico-Ensino Superior). Temos ainda o Qualis Periódicos e o Roteiro para Classificação de Livros, que são instrumentos que, de algum modo, ajudarão a classificar ou qualificar a produção dos programas. Também faz parte desse processo a avaliação continuada, que, na verdade, é uma avaliação anual e serve como uma espécie de acompanhamento do programa.


A ficha de avaliação conta com cinco quesitos, com ponderações diferenciadas para avaliar o programa. São eles: a proposta do programa entra com peso 0, o corpo docente (20 ou 15%) e a inserção social (10 ou 15%) devem compor 30% da nota atribuída ao programa, enquanto que o corpo discente, teses e dissertações (30 ou 35%) e produção intelectual (40 ou 35%) valem 70% da nota.


Mas por que avaliar a proposta de um programa se o peso é 0?


Amaral: A avaliação sempre é feita pela área e validada pelo CTC. O sentido que falta para esse entendimento é porque essa condição vai funcionar como o que chamamos de "requisito forte" ou "trauma". Isso quer dizer que um programa, cuja proposta ao ser avaliada mostre que ele não é adequado, certamente não pode ser considerado referência. Se ele não pode ser um programa de referência, então não pode ter uma nota alta na sua área. Logo, o peso é 0, mas funciona como uma trava.


Que outras mudanças o senho destacaria?


Amaral: Tivemos uma mudança na classificação dos periódicos, e essa mudança contemplou dois aspectos. Os aspectos operacionais e os conceituais. Os aspectos operacionais dizem respeito ao tratamento de dados, pois, por exemplo, encontrávamos um mesmo periódico com diferentes grafias ou com várias nomenclaturas para um mesmo ISSN. Isso provocava uma enorme dificuldade no sistema, e esse acerto foi feito no sistema.


Mais do que os aspectos operacionais, temos os aspectos conceituais. Até 2006, classificávamos nossos periódicos em Internacional A, B e C, Nacional A, B e C, e Local A, B e C, e isso dava uma matriz de nove posições. No entanto, quando se toma o triênio anterior (2004-2006), no qual existiram mais de 190 mil artigos publicados, e publicados em quase 11 mil revistas científicas, víamos que 60 a 70% desses artigos caiam todos na mesma faixa, que era o estrato Internacional A. Portanto, o instrumento de discriminação não cumpria mais a premissa que temos no sistema de avaliação da Capes.


Isso levou a mudança para os atuais sete estratos, os quais se tornaram um bom instrumento de discriminação desde que se tenham algumas regras do tipo: o número de periódicos que vai estar na faixa A1 tem que ser maior que A2, o A1+A2 tem que ser de 25%. O A1+A2+B1 tem que ser de 50%. A partir dessa definição, se deu a cada uma das 47 áreas de avaliação uma lista de periódicos, e foi solicitado a cada área que definisse se tal periódico era A1 ou B1 ou B4 etc. A proposta é fácil de formular, mas se mostrou difícil de ser respondida, pois só em maio de 2009 é que se conseguiu completar esse processo nas 47 áreas de avaliação.


Vale lembrar que Qualis Periódicos foi feito para avaliar os programas de pós-graduação, ou seja, para contemplar a situação de 4,4 mil programas, 190 mil artigos, 11 mil periódicos. Usar, como se tem observado, essa estratificação direta e linearmente para avaliar situações individuais, isto é, de professores, de pesquisadores e de alunos, não é algo adequado.


E como funcionará o Qualis Livros?


Amaral: A classificação de livros é uma novidade, mas não será um Qualis no sentido e grau de acabamento que se tem no Qualis Periódicos. Eu quero dizer que analisar e classificar livros para efeitos de avaliação de um programa é uma tarefa extremamente difícil. O objeto livro é diferente do objeto periódico, muito mais complexo, e imaginar que a Capes possa fazer um instrumento que seja pactuado e acordado entre todas as áreas de conhecimento, no espaço de 10 a 12 meses como foi proposto no ano passado, foi um otimismo exagerado. A medida do grau de dificuldade envolvida num processo como esse é revelada quando se afirma que não se conhece no mundo uma experiência positiva de classificação de livros para fins de avaliação. Isso não quer dizer que já não foi tentado, mas sim que é um problema extremamente complexo. De todos os modos, a produção de conhecimento expressa por livros será avaliada, sim, no triênio 2007-2009, e teremos quatro níveis: L1, L2, L3, L4, e mais um nível que significa que um certo livro apresentado não foi considerado adequado na sua área para efeitos de avaliação.


E sobre o mestrado profissional? Que mudanças ocorreram na Portaria Normativa 7 editada este ano pelo Ministério da Educação com a Capes?


Amaral: O mestrado profissional é uma modalidade que surgiu no meio dos anos 90 de uma maneira muito simples no sistema. Apareceu por meio de uma portaria que apontava apenas dois aspectos: fica criada a modalidade de mestrado profissional, sem detalhar sobre seus objetivos, necessidades e propósitos, e esse mestrado profissional tem vocação para o autofinanciamento, o que induziu uma série de dificuldades que a nova portaria resolveu.


O crescimento do mestrado profissional não é maior que o crescimento do sistema no que se refere à parte acadêmica. Eu mesmo fui uma das pessoas que, quando isso apareceu, enquanto membro do conselho técnico-científico da Capes, tinha alguma preocupação, porque se imaginava que o mestrado na modalidade profissionalizante poderia crescer muito e, de algum modo, colocar um novo norte na pós-graduação brasileira. Hoje, percebemos que nada disso aconteceu.


Até 2008, contabilizamos 250 mestrados profissionais e 2,5 mil mestrados acadêmicos. A portaria de 22 de junho de 2009 tenta normalizar e orientar o sistema naquilo que já vinha, de algum modo, sendo feito ao longo dos últimos dez anos e aponta a experiência e a tendência que temos que ter nessa modalidade de mestrado profissional. A rigor, não traz nada de tão novo, a não ser colocar na forma de uma norma aquilo que, de fato, já tínhamos num sistema. Desde que foi criado, o mestrado profissional já titulou mais de dez mil mestres nessa modalidade.


O mestrado profissional tem o mesmo valor que o mestrado acadêmico?


Amaral: Quando se diz que o titulo de mestre obtido no profissional outorga os mesmos direitos do mestre acadêmico, estamos expressando, na forma de uma portaria, aquilo que de fato já acontece. Como falei, já temos mais de dez mil mestres titulados na modalidade profissional, e eles, e os demais no futuro, vão continuar tendo os mesmos direitos dos mestres na modalidade acadêmica.


Se a portaria tem uma mudança, ela se refere àquela que pode ofertar o mestrado profissional. Porque antes não era explícito, mas, sim, implícito que, quando se falava em instituições de ensino, referia-se a instituições de ensino superior. Agora, temos a possibilidade que novos programas poderão ser propostos por instituições de ensino e centros de pesquisa, que não precisam necessariamente de ensino de terceiro grau.


Existe algum ponto polêmico na nova portaria?


Amaral: O artigo sete da portaria fala na questão do tempo para titulação do mestrado profissional, e isso tem dado alguma polêmica, embora eu pense que seja uma questão menor e não precisava estar dentro do texto. O mestrado profissional segue a lógica do mestrado acadêmico, que diz que deve ser concluído em, no máximo, dois anos. Outra diferença é que o corpo docente dos programas de mestrado profissionalizante não precisa ter só professores-doutores, podem ter outros profissionais que não são portadores do título acadêmico de doutorado, diferente do que ocorre obrigatoriamente nos mestrados e doutorados acadêmicos.


Outra característica importante na portaria é que o trabalho de conclusão final do curso não precisará mais ser na forma adotada pelo acadêmico. Esse trabalho poderá ser sim uma dissertação, mas também uma revisão sistemática e aprofundada de literatura, artigo, patente, registros de propriedade intelectual, relatórios de estágios em empresas, projetos técnicos, publicações tecnológicas, desenvolvimento de aplicativos, processos e técnicas, produção de programas de mídia, editoria, composições e concertos, relatórios finais de pesquisa, softwares, estudos de caso, relatório técnico com regras de sigilo, manual de operação técnica, protocolo experimental ou de aplicação em serviços, proposta de intervenção em procedimentos clínicos ou de serviço pertinente, performance profissional etc. Ou seja, o produto final do mestrado profissional não precisa seguir a forma clássica de um trabalho escrito, mas continuará sendo necessária a presença de uma banca de alta qualificação acadêmica-profissional para avaliação.


E como ficou a questão do autofinanciamento dos programas?


Amaral: Um dos artigos da portaria informa que o mestrado profissional não pressupõe, a qualquer titulo, a concessão de bolsa de estudos pela Capes. Veja que, com isto, estamos precisando muito mais claramente do que se entendia, quando da sua primeira portaria, ainda nos anos 90. A vocação para o autofinanciamento, lá preconizada, passou a ser interpretada para que o mestrado profissional não pudesse, por exemplo, disputar um edital ou entrar numa parceria. Tudo era vetado.


Agora é diferente. Isso quer dizer que o governo brasileiro, enquanto uma ação de Estado, poderá dar bolsas para mestrado profissional para alguma ação de área especifica. Isso será uma ação de governo tanto quanto é qualquer outro programa de governo, como o Bolsa Família. Então, poderá haver sim, em algumas áreas, a concessão de bolsas de estudo, e isso será feito por meio de editais específicos.


Os mestrados profissionais já serão avaliados diferentemente neste próximo triênio (2007-2009)?


Amaral: Sim, a avaliação será feita já neste triênio, mas com fichas próprias e diferenciadas, com uma série de especificidades para a modalidade profissional. Por exemplo, no quesito de proposta do curso, já aparece o planejamento, seu desenvolvimento nacional, regional ou local. No campo do corpo docente, que é o quesito dois, já se menciona a necessidade de valorizar a experiência dos profissionais não doutores e dos orientadores, que devem ter doutorado. Será avaliado o impacto do programa em questões como inserção social. Também se propõe pontuar alguns impactos do programa nos campos educacional, econômico, sanitário, cultural ou legal, por exemplo.


Quais os números dos mestrados profissionais no país?


Amaral: Dentro das 47 grandes áreas da Capes, o maior numero de mestrados profissionais é o interdisciplinar, seguido de administração, ensino de ciência e matemática, engenharia, odontologia e saúde coletiva. Já na grande área da saúde, a odontologia tem o maior número de programas, com 18, seguido pela saúde coletiva com 13 programas.



Publicado em 2/10/2009.

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