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12/04/2016

Editora Fiocruz lança autobiografia inédita de um pioneiro da sexologia no Brasil

Fernanda Marques (Editora Fiocruz)


A sexualidade como função fisiológica e o desejo sexual como necessidade orgânica primária. A educação sexual – para homens e mulheres – como estratégia para solucionar não só o problema das doenças venéreas, mas outros como a desarmonia conjugal e as perversões sexuais. A legitimação e institucionalização da andrologia, a ciência do homem. A crítica à abstinência sexual socialmente imposta às mulheres solteiras e viúvas. Essas eram algumas das ideias defendidas pelo autoproclamado sexólogo e andrologista brasileiro José de Albuquerque, médico que, embora tenha enfrentado tabus, levantado polêmicas e causado rebuliço na elite carioca nos anos 1930, ficou esquecido ao longo das décadas seguintes. Mas agora esse importante personagem da história da sexualidade no Brasil volta à cena com a publicação de sua autobiografia até então inédita, Meu Encontro com os Outros.

A publicação é, ela própria, fruto de encontros. Foi com surpresa que Pedro, filho de José de Albuquerque, encontrou os originais da autobiografia após a morte a morte do pai, em 1984. Estavam datilografados e as últimas páginas inacabadas, ainda escritas à mão. Pelas anotações, Pedro concluiu que o pai escrevera aquele material aos 50 anos de idade e o revisara 20 anos depois. Muito tempo se passou até que Pedro decidisse buscar referências a seu pai na internet. E foi novamente com surpresa que encontrou um estudo sobre a Campanha de Educação Sexual de José de Albuquerque realizado pelo antropólogo Sérgio Carrara, professor da Uerj. Pedro e Sérgio se encontraram, depois houve o encontro com a Editora Fiocruz, e o resultado é o novo volume da coleção História e Saúde, selo Clássicos e Fontes.   

Organizado por Sérgio Carrara e Marcos Carvalho, Meu Encontro com os Outros: memórias de José de Albuquerque, pioneiro da sexologia no Brasil traz, além do texto da autobiografia, a reprodução de documentos, como o início das partituras do Hino da Educação Sexual e da Ode ao Sexo, e um dossiê fotográfico. Nascido no Rio de Janeiro em 1904, José de Albuquerque cursou medicina na Universidade do Brasil. Recém-formado, embarcou para uma região rural do interior paulista, onde se indignou com o que chamou de ‘curanderismo’, sobretudo o praticado por donos de farmácias. “Era um novo Canudos com seus Antonios Conselheiros que eu tinha ante meus olhos. Era um Canudos de homens sem canudos a mover guerra, entrincheirados, contra o único homem de canudo que ali existia”, escreveu sobre aquela experiência. Apesar da resistência, o médico conquistaria fama e clientela em Araraquara, onde faria seus primeiros atendimentos de casos de doenças venéreas.

De volta ao Rio de Janeiro, surpreendeu-se com a grande quantidade de anúncios em jornais de médicos que tratavam doenças sexualmente transmissíveis e problemas urológicos. “Como já tivera experiência com esses temas durante a estada no interior de São Paulo, resolveu arriscar uma incursão na área. Foi aí que resolveu anunciar seus serviços no jornal com uma chamada sobre tratamento de ‘impotência em moço’, já que não acreditava em tratamento da impotência para idosos. De acordo com o andrologista, sua paixão pelos ‘problemas sexuais’ foi devida ao fato de que via neles um campo abandonado pela medicina”, contam os organizadores do livro.

Começava, então, a batalha de José de Albuquerque no campo médico. Embora com uma carreira controvertida e marginal – nunca pertenceu às prestigiosas academias ou sociedades médicas –, ele foi um exímio divulgador de suas ideias. Criou o Jornal de Andrologia, que chegou a ser editado em cinco idiomas. Fundou o Círculo Brasileiro de Educação Sexual e seu Boletim de Educação Sexual, com artigos curtos, linguagem acessível, muitas ilustrações e fotos, que alcançou a tiragem de 100 mil exemplares. Além do Boletim, o Círculo promovia cursos populares de sexologia e contava com uma filmoteca, uma pinacoteca e um museu de educação sexual. O rádio também foi bastante utilizado para propagandear as ideias de José de Albuquerque.

Ele condenou a regulamentação da prostituição; criticou a pornografia, a imoralidade e os excessos; defendeu a família, mas também o direito ao controle da natalidade, o divórcio e o aborto terapêutico. Recebeu adesões de juristas, professores, jornalistas e representantes de setores mais à esquerda do espectro político da época, mas fazia questão de desmentir as acusações de comunista. Encontrou ferrenhos opositores, sobretudo as elites católicas, mas não só elas, embora tenha procurado demonstrar que a educação sexual não era incompatível com a religião.

“Enfim, para além das peripécias de uma vida bastante agitada e de uma singular trajetória profissional, a autobiografia desvela aspectos interessantíssimos do desenvolvimento das ciências médicas no Rio de Janeiro do entreguerras. Nela, aparecem seus principais personagens, a vida em suas escolas e o universo de sua prática”, afirmam os organizadores. “Sua leitura na segunda década dos anos 2000 permite colocar em uma nova perspectiva a própria história da sexualidade no Brasil, um campo que hoje, como nos anos 1930, continua tensionado por inúmeros dilemas, conflitos e impasses”.

Serviço:
Livro: Meu Encontro com os Outros: memórias de José de Albuquerque, pioneiro da sexologia no Brasil
Organizadores: Sérgio Carrara, Marcos Carvalho
Ano: 2016 | Páginas: 234 | Formato: 21 x 26 cm
Preço: R$ 55

Para comprar ou obter outras informações, acesse a Editora Fiocruz.

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