28/01/2015
Maria Helena Machado, Francisco Eduardo de Campos e Nisia Trindade Lima*
Algumas lendas criadas sobre o Programa Mais Médicos (PMM) devem ser devidamente contestadas em nome da verdade, do fortalecimento do processo democrático e da justiça social em nosso país. A principal é a que afirma ter se tratado de um programa eleitoreiro da presidente Dilma Roussef.
Aqueles que a disseminam ignoram o fato de o programa, instituído originalmente por Medida Provisória, ter sido objeto de intenso debate nacional do qual resultou a Lei 12.871, de 22 de outubro de 2013, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República. Com esse dispositivo legal tornou-se realidade o princípio da Constituição brasileira que estabeleceu a responsabilidade do Estado no provimento e na formação de recursos humanos para o SUS.
O PMM foi formulado com base em diagnóstico bem fundamentado sobre a realidade da atenção à saúde no país e vem se apoiando em monitoramento e pesquisas realizadas por instituições de reconhecida excelência científica e que integram a rede Universidade Aberta do SUS - UNA-SUS. Há um ano o MEC, em consonância com o Ministério da Saúde, firmou convênio com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para apoiar seu monitoramento e realizar a Pesquisa Avaliativa do Mais Médicos sob a responsabilidade de um grupo de pesquisadores com larga experiência de estudos na área.
Essa pesquisa tem como objetivo central avaliar o Programa Mais Médicos no âmbito dos quatro componentes nele contidos, em suas diferentes fases desde a implantação, buscando assim contribuir para a melhoria e os ajustes que se fizerem necessários por parte dos Ministérios da Educação e da Saúde. Busca-se captar evidências para propor mudanças estruturais na formação e até mesmo na própria estrutura do mercado de trabalho desses profissionais.
Ora, um programa dito eleitoreiro não busca a excelência acadêmica para avaliá-lo e muito menos se expõe à crítica e à avaliação externa. E é exatamente com os primeiros dados da pesquisa que passamos a responder às críticas e refutar as lendas produzidas pelas informações distorcidas.
O PMM baseou-se em dados científicos, que mostravam a severa escassez de médicos e a necessidade da população por assistência médica nos lugares longínquos e de difícil acesso, sejam eles nos grotões do país, no agreste, nas periferias das capitais ou na região amazônica. Os dados iniciais da pesquisa já indicam uma mudança nesse cenário, apontando uma melhoria significativa dessa realidade.
Uma segunda lenda consiste em afirmar que o PMM é um programa contra os médicos brasileiros. Um fato relevante e incontestável é que 100% dos supervisores do PMM são médicos brasileiros recrutados em todo o país. Além disso, os dados preliminares da pesquisa a desmentem e revelam uma participação dos médicos brasileiros em todos os Estados da federação. Não é verdade que nossos médicos recusaram-se a integrar o programa, ao contrário, a presença deles é real em todos os Estados e regiões do país.
Contudo, apesar do programa ter realizado um chamamento nacional para o recrutamento de médicos brasileiros, é bem verdade que o volume de brasileiros na composição das equipes está muito longe de ser o ideal: 15,8% de brasileiros, 79,7% de cubanos e 4,4% de profissionais de outras nacionalidades. Importante registrar que, em todos os ciclos, registraram-se entradas de médicos brasileiros. Qualquer que seja a nacionalidade, é um programa com forte inserção em todas as regiões brasileiras, ou seja, dos mais de 13 mil médicos, 13,6% no Norte; 34,9% no Nordeste; 27,8% no Sudeste; 17,1% no Sul e 6,5% no Centro Oeste.
Uma terceira lenda afirma que o Programa Mais Médicos é um programa petista para petistas. O PMM é incontestavelmente um programa nacional, presente em todos os Estados e todas as regiões do país. Os dados da pesquisa revelam que 65% dos municípios brasileiros, ou seja, 3.773 têm médicos do PMM. A maioria absoluta dos Estados teve mais da metade de seus municípios contemplados com médicos do PMM. Alguns exemplos: São Paulo, 52,7%; Minas Gerais, 58,1%; Paraná, 75,9%; Rio Grande do Sul, 75,1%; Mato Grosso do Sul, 79,7%; Mato Grosso, 75,9%; Bahia, 86,1%; Maranhão, 80,6%; Pará, 88,9%; Amazonas, 98,4%; Rondônia, 92,3%.
Os críticos do PMM encontraram alguma evidência que comprove serem petistas mais da metade dos municípios brasileiros? Uma quarta lenda procura difundir a tese segundo a qual o PMM é um programa de médicos cubanos para ajudar o governo cubano. Apesar de ter um contingente elevado de médicos cubanos, estes vieram em missão internacional, e estão, como os brasileiros, em todos os Estados e todas as regiões do país. Além disso, são médicos com larga experiência profissional.
Ao contrário, o PMM é um programa de abrangência internacional, o que permite aos médicos brasileiros, pela primeira na história do Brasil, terem em solo brasileiro a oportunidade de intercambiar experiências, oportunidades, práticas profissionais de uma profissão milenar e universalmente padronizada em seu escopo técnico-cientifico. Constata-se a presença de médicos de várias nacionalidades: cubanos, argentinos, uruguaios, venezuelanos, peruanos, espanhóis, mexicanos, hondurenhos, dominicanos, alemães, portugueses, holandeses, italianos, enfim, são 48 países integrados no PMM. Isto é, por si só, um feito sem precedentes na história do Brasil.
O PMM nasce de uma medida que visou fazer mudanças estruturais no recrutamento, na inserção, na fixação de médicos, na formação desses profissionais e no acesso da população a serviços básicos consagrados pela Constituição. Nenhuma proposta eleitoreira toca em temas estruturais e muito menos em questões tão complexas como a formação, o mercado de trabalho e a inserção dos médicos no Sistema Único de Saúde.
*Maria Helena Machado é socióloga, pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e coordenadora geral da Pesquisa Avaliativa do Programa Mais Médicos. Francisco Eduardo de Campos é médico e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nisia Trindade Lima é socióloga e vice presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz.
O artigo foi originalmente publicado no jornal Valor Econômico em 28/1/2015.