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08/08/2017

Encontro aborda o racismo na vida das mulheres negras

Aline Câmera (IFF/Fiocruz)


Para marcar a importância da conscientização contra as desigualdades raciais, a roda de conversa Racismo institucional e o seu impacto na vida das mulheres negras reuniu no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) profissionais da saúde e militantes do movimento negro. O encontro, realizado no dia 26/7, fez parte das comemorações pelo Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado no último dia 25. A data foi criada em 1992, por ocasião do primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, em Santo Domingo, na República Dominicana, como um marco de resistência e luta contra o racismo e o sexismo.

No Brasil, esse dia também foi transformado, através da Lei nº 12.987/2014, em Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. “Enquanto representantes do Comitê Pró-equidade de Gênero e Raça da Fundação, propomos este evento com a intenção de enfatizar não apenas  a questão do gênero, mas sobretudo a dimensão étnico-racial. Já existe em novembro uma data voltada para o racismo de uma forma geral. Hoje reforçamos a causa específica da mulher negra, tão bem representada por Tereza de Benguela. Esse movimento tem tudo a ver com a missão da Fiocruz, que prima pela equidade em saúde”, ressaltou a psicóloga do IFF, Katia Maria Oliveira.

Abrindo a programação, foi projetado o vídeo Quando o Crioulo Dança, que aborda, através de cenas cotidianas, o racismo institucional. “Já no início o filme presenciamos que o preconceito começa desde a educação, na escola, por pessoas que deveriam combatê-lo. Há relatos de expressões do racismo em situações diversas. A narrativa é próxima de nós, existe identificação porque vivemos essas situações todos os dias. Certamente você já vivenciou ou ouviu alguém falar que escondeu a bolsa na rua ao ver uma pessoa negra se aproximando. A mulher negra, por exemplo, experimenta desde a infância as múltiplas discriminações decorrentes do racismo e do machismo. A democracia racial está longe de ser uma realidade”, destaca a assistente social do IFF, Roseli Rocha.

Não fosse a imagem desgastada do vídeo e as referências típicas de décadas passadas, seria possível afirmar que os depoimentos de mulheres e homens negros no documentário foram gravados dias atrás. A realidade que se arrasta desde a colonização ganha novos contornos hoje quando observada sob o contexto institucional. Piadas racistas, comentários preconceituosos e atitudes discriminatórias fazem parte da trajetória de vida de negros e negras no Brasil.

Dentre os diversos exemplos de racismo institucional mostrado no vídeo, um deles diz respeito às policiais que foram deslocadas de seus postos de trabalho no aeroporto com o objetivo de não provocar nos turistas que chegavam à Cidade Maravilhosa uma primeira impressão de "imagem ruim” do Brasil. “Isso só vai mudar quando de fato tivermos igualdade neste país. Só assim os negros poderão se sentir gente”, relata uma das entrevistadas do documentário. A miscigenação foi pontuada, durante a roda de conversa, como uma estratégia de branqueamento da população brasileira. O objetivo era clarear a população e acabar com negros e indígenas, mas como essa estratégia fracassou, outras ações começaram a ser colocadas em prática, tais como o extermínio da juventude e os discursos que desqualificam a cultura negra.

Na área da saúde, as manifestações de cunho racista também representam um grave problema social.  Segundo dados do Ministério da Saúde de 2009, 73% das gestantes brancas realizam sete ou mais consultas de pré-natal, enquanto a proporção cai para 46% quando as gestantes são negras. “Há pesquisas que mostram que o tempo destinado às consultas das mulheres negras é menor. Relatos de pessoas próximas mostram que visivelmente há diferença no tratamento quando as gestantes negras chegam à maternidade. Neste momento, que é de grande vulnerabilidade, nós somos julgadas e discriminadas. Somos tratadas de forma diferente. Não podemos gritar. Como o corpo da mulher negra é entendido pelos profissionais da saúde? Com qual moralidade ele é tratado? Esta é outra vertente do racismo institucional”, afirmou Jussara Assis, assistente social e militante do movimento negro.

A dimensão corporal da raça negra também foi abordada pela estudante do curso de pós-graduação do IFF, Dayana Christina: “Os estigmas que cabem aos nossos corpos e como essa questão reflete na sociabilidade são aspectos interessante de analisarmos. Qual o fundamento de todos os preconceitos que envolvem o nosso corpo? Este é, inclusive, o mote do filme que acabamos de assistir”, destacou ela. “O próprio nome do documentário sugere esse viés: Quando o crioulo dança. Ele dança 24 horas por dia quando desce a favela para trabalhar sem ter direito a descanso; dança quando resiste ao sistema que o oprime; dança quando sempre é o escolhido para as revistas policiais; dança quando brilha e compartilha a sua arte”, finaliza Roseli, com um trecho do vídeo.

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