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01/07/2016

Ensp/Fiocruz debate saúde materno infantil nas prisões do país

Ensp/Fiocruz


O Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos (Ceensp) da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) debateu, no último dia 22/6, um tema complexo e urgente: a saúde nas prisões. Em um país marcadamente violento, em que se assiste à propagação de discursos de ódio, discutir os direitos à saúde daqueles que a sociedade, por força da lei, excluiu de seu convívio, pode ser encarado um tabu. Para falar do assunto, o Ceensp contou com a participação da professora Maria do Carmo Leal, como coordenadora da mesa, e ainda com as falas da promotora Érica Puppim, do Ministério Público do Rio de Janeiro, Alexandra Sanches, pesquisadora da Ensp/Fiocruz, e Bernard Larouzé, pesquisador do Incerm, da França, e ex-pesquisador visitante da Escola. Como Maria do Carmo lembrou logo na abertura do Centro de Estudos, tratou-se de tripla jornada, uma vez que, além da palestra da promotora, o evento serviu para apresentação e prestação de contas da pesquisa Saúde Materno Infantil nas Prisões, feita com recursos do Ministério da Saúde e do programa Inova Ensp. Um número especial temático da Revista Ciência e Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), também foi lançado na ocasião.

O debate começou com breve apresentação da pesquisa sobre maternidade nas prisões. Maria do Carmo, que coordenou a pesquisa Nascer no Brasil, demonstrou um grande panorama acerca das condições de saúde da população brasileira no que diz respeito ao nascimento das crianças, lembrando, primeiramente, da resistência em abordar a maternidade nas prisões pela natureza dura do tema.

“Achei que seria muito doloroso lidar com uma mãe e seu bebê que já nasce encarcerado; mas, depois, nosso grupo decidiu que era impossível não olhar também para essas mulheres, e fizemos a pesquisa Saúde Materno Infantil nas Prisões”, explicou Maria do Carmo.

O estudo ouviu 495 mulheres. Com uma abordagem pluridisciplinar, a pesquisa envolveu quatro grandes áreas: jurídica, saúde, psicossocial e arquitetura. (No componente saúde, foi realizada em 24 estados; no componente saúde, junto com psicossocial e jurídico, em 4. Com arquitetura, psicossocial e jurídico, em 2).

“Procuramos avaliar as condições de saúde, como se desenvolve a gestação e o parto das mulheres que estão presas, os discursos, práticas e vivências das mães nesse contexto, as percepções em relação à forma como ocorre a entrega da criança para fora do presídio quando completa o tempo que ela pode ficar, que, em geral, pode ser de seis meses a seis anos. Foi feito um levantamento jurídico e entrevistas para entender o que sustenta judicialmente as decisões referentes à liberação da criança, seja para familiares ou abrigos, além de levantamento dos ambientes em alguns estados, das áreas de vivência das mães de seus filhos. E, em alguns dos estados, ocorreu também dos ambientes em que essas crianças estavam”, disse Maria do Carmo.

A pesquisa detectou que apenas 35% das mulheres detentas passaram por um pré-natal adequado, e 6,6% sequer tiveram algum tipo de acompanhamento. Chama a atenção também a quantidade de casos em que a família não é avisada de que a mãe entrou em trabalho de parto (89%), de mães sendo conduzidas algemadas para a maternidade (37%) e algemadas durante o parto (8%). Dados comparativos entre os bebês nascidos em prisões com aqueles coletados pelo estudo Nascer no Brasil mostram uma porcentagem maior da incidência de Aids e sífilis congênita entre as crianças nascidas nas prisões.

Pesquisar com o objetivo de promover mudanças

Depois do resumo da pesquisa, o pesquisador Bernard Larouzé, um dos editores do número especial sobre saúde nas prisões da Revista Ciência e Saúde Coletiva, lembrou, em sua fala no Ceensp, da importância de se fazer um esforço para que pesquisas com presos tragam mudanças na condição de vida deles.

“Eu fiz um artigo sobre os caminhos das pesquisas sobre turberculose na prisão, que é, ao mesmo tempo, um artigo de combate acerca das dificuldades de se implementar um programa de saúde baseado em resultado de pesquisa e que obedece às normas nacionais.  Por que fazer pesquisas sobre as prisões? Só para publicar, para a academia? Mesmo uma pesquisa benfeita não considerada ética se não fizer esforço para mudar a realidade à sua volta”, afirmou Bernard Larouzé.

Encerrando a mesa, a promotora Érica Puppim começou sua palestra lembrando o fato de que, em tempos de crise como o atual, o olhar da sociedade em direção aos que estão encarcerados tende a recrudescer.

“O govenador acaba de decretar estado de calamidade no Rio, e discutir esse tema torna-se ainda mais difícil, uma vez que estamos em uma sociedade que costuma compreender que o preso merece menos do que qualquer outro ser humano, infelizmente”, disse.

Por fim, Érica mostrou como a condição real a que são submetidos os presos fere condições garantidas pela Constituição Federal.

“Nós temos que lembrar que é liberdade que está restrita, não a dignidade, que é uma condição inerente à condição do ser humano e a base da nossa Constituição. Seu artigo 5° assegura o direito à vida, e também diz que é vedada a pena de morte; mas, no sistema prisional, a falta de assistência à saúde tem levado a óbitos. Temos em média 700 mortes num período de um ano, em um sistema que estava com 550 mil detentos no último levantamento. Então, que pena estamos aplicando aos nossos presos?”, indagou a promotora.

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