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09/01/2009

Epidemiologista comenta os benefícios da criação de uma graduação em saúde coletiva

Informe Ensp


O epidemiologista Roberto Medronho, professor do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (IESC) da UFRJ, comenta em entrevista a seguir as perspectivas da graduação em saúde coletiva, que surge para formar sanitaristas em quatro anos, suprindo uma demanda dos atuais cursos de medicina.


 Medronho: um sanitarista que tenha se formado em medicina levaria entre oito e onze anos para ser considerado um sanitarista. É muito tempo! (Foto: Virginia Damas)

Medronho: um sanitarista que tenha se formado em medicina levaria entre oito e onze anos para ser considerado um sanitarista. É muito tempo! (Foto: Virginia Damas)


A formação em saúde coletiva ocorre em duas modalidades: por meio de disciplinas inseridas nos currículos de diversos cursos da área de saúde (medicina, odontologia, enfermagem, nutrição, psicologia, serviço social, entre outras) e pelo ensino no âmbito da pós-graduação. O que mudaria e ou acrescentaria o curso de graduação em saúde coletiva?


Roberto Medronho: Na verdade, os conteúdos ministrados nos cursos de graduação em saúde não são suficientes para formar uma pessoa no campo da saúde coletiva, embora sejam conteúdos fundamentais na formação dos futuros médicos, dentistas, enfermeiros entre outros. Por outro lado, para formar um profissional em saúde coletiva hoje é necessário que a pessoa se forme em curso de graduação (não necessariamente da área da saúde) e depois curse uma pós-graduação. Assim, por exemplo, para termos um sanitarista que tenha se formado em medicina, é necessário que ele, após seis anos de graduação, faça uma residência (dois anos), um mestrado (três anos) ou um doutorado (cinco anos). Neste caso, ele levaria entre oito e onze anos para ser considerado um sanitarista. É muito tempo! Sem contar que o investimento feito para a formação deste médico, especialmente se ele for egresso de uma universidade pública, não será revertido como tal para a sociedade.


A criação dos cursos de graduação em saúde coletiva muda radicalmente esse cenário. Teremos agora a formação de um sanitarista em quatro anos. E mais importante, um profissional formado em outro paradigma, bastante diferente da formação biologicista dada nos cursos de graduação em saúde. Na prática, o que ocorre com aquelas pessoas que, após concluírem sua graduação na área da saúde, ingressam em um curso de pós-graduação em saúde coletiva é um verdadeiro processo de re-profissionalização. Dou como exemplo, minha própria formação. Ao ingressar no doutorado em saúde pública na Ensp, um centro de excelência na pós-graduação e pesquisa, tive que cursar disciplinas que nunca havia estudado em meu curso de graduação, como matemática, antropologia etc. Acredito que o curso de graduação poderá oferecer uma formação interdisciplinar que inclua as ciências da vida, ciências humanas e sociais, ciências exatas e os conhecimentos próprios do campo de atuação na esfera coletivo/populacional. Esta formação é muito mais apropriada aos desafios atuais de nosso campo. Além disso, essa formação trará novas perspectivas para o ensino, a pesquisa e a intervenção no processo saúde-doença nas coletividades e dessa forma prover os meios necessários à promoção da saúde, à prevenção e ao controle das doenças e agravos à saúde. O meu sonho é ver esses jovens sanitaristas atuando no SUS, nas universidades, nas ONG, nas associações de bairro e nos sindicatos promovendo políticas públicas saudáveis. Certamente, os sólidos conhecimentos adquiridos na formação desses alunos aliados à ousadia característica da juventude vão revolucionar o campo da saúde coletiva.


O conhecimento em saúde coletiva é geralmente adquirido após os seis anos de graduação em medicina, que é voltado basicamente para a relação saúde-doença. Ou seja, o profissional sai da faculdade sem conhecimentos em estatística, epidemiologia e dos demais campos que compõem a saúde coletiva. Quando ele se envolve com ela, ganha um novo perfil profissional.  Concorda com a tese de que uma graduação em saúde coletiva corrigiria essas possíveis deficiências nos atuais cursos de medicina?


Medronho: A criação do curso de graduação em saúde coletiva não visa à correção das possíveis deficiências dos cursos de medicina ou de outras profissões da saúde nesse campo do conhecimento. Na verdade, são coisas absolutamente distintas. As atuais deficiências nos cursos de graduação em saúde em relação aos conteúdos de saúde coletiva têm sido um desafio permanente e deve ser objeto de preocupação de todos nós que militamos no campo. Neste sentido, as diretrizes curriculares destes cursos trazem um importante avanço neste campo e temos que criar mecanismos efetivos para sua implantação. A avaliação dos cursos de graduação pelo MEC tem sido feita à luz das diretrizes curriculares. Isto tem sido um importante estímulo para que as faculdades implantem as reformas curriculares necessárias em seus cursos, fortalecendo assim os conteúdos de saúde coletiva na formação desses alunos. Finalmente, devemos ressaltar que a formação de graduados em saúde coletiva não implica em substituição ou mesmo superposição com quaisquer outras corporações já existentes no setor saúde. Ao contrário, a prática prevista para este graduado prevê a necessária cooperação com os demais profissionais de saúde.


Como está o quadro atualmente em relação a graduação em saúde coletiva? Quais são as instituições no país que já estão desenvolvendo o processo de uma graduação em saúde pública?


Medronho: O quadro é absolutamente animador. Atualmente, são oito instituições federais do ensino superior em todo o País que já ofereceram vagas para o vestibular em 2008: Ufac, UnB, UFMG, UFRN, UFRGS, Ufba, UFRJ, UFRB. Isto perfaz um total de 425 vagas e 1.380 candidatos inscritos em primeira opção (não estão incluídos os candidatos inscritos na UFRB, pois não tive acesso a essa informação). Além disso, a UFPA realizará um processo seletivo extraordinário em 2009/1. Este grande avanço somente foi possível graças ao Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) lançado pelo governo federal. Este programa prevê diversos incentivos para as universidades que expandirem suas vagas discentes na graduação, por meio do aumento do número de vagas de cursos existentes ou da criação de novos cursos.


Por exemplo, o Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ recebeu 11 vagas docentes em função da criação de seu curso de graduação, das quais seis vagas estão abertas até o final de janeiro de 2009, sendo uma vaga para cada uma dessas áreas: epidemiologia; informação em saúde; bioestatística; planejamento e políticas de saúde; saúde ambiental e do trabalhador; ciências humanas em saúde. Este processo está em franca expansão com outras universidades demonstrando interesse em criar cursos de graduação em saúde coletiva. Nossa preocupação no momento é integrar as diversas experiências.


Neste sentido, em 2008 realizamos três fóruns nacionais de discussão com a expressiva participação dessas universidades e de outras também, um na UFMG, outro na Ufba e o último na UFRGS. Esses fóruns têm sido muito importantes para o amadurecimento das diversas propostas. Estamos evoluindo para a criação das diretrizes curriculares do curso de graduação em saúde coletiva. Além disso, através do Programa de Mobilidade Acadêmica (MAB) do MEC pretendemos estreitar nossos laços interinstitucionais, facilitando o trânsito de discentes e de docentes entre as diversas instituições que oferecem esses cursos. Existe também uma proposta de acompanhar todos os alunos destes cursos, avaliando seu percurso durante a sua formação e a sua inserção futura no mercado de trabalho.


Recentemente num evento na Ens, o presidente da Abrasco, José da Rocha Carvalheiro, lembrou que a Associação estará completando 30 anos em 2009 e que foi criada por jovens sanitaristas com o objetivo de se tornar uma associação de científica ligada ao ensino e a pesquisa. Segundo Carvalheiro "hoje estamos numa complexidade tal que sofremos o risco de uma fragmentação no campo da saúde coletiva através dessa tendência de se criar graduações em saúde coletiva. E isso coloca em debate a própria essência da Abrasco". Você concorda com essa afirmação? Como está se dando essa discussão dentro do fórum da Abrasco?


Medronho: Respeito a preocupação de nosso presidente, pois ela é legítima. Por isso, estamos realizando os fóruns nacionais e pretendemos iniciar brevemente a elaboração das diretrizes curriculares, que será amplamente discutida não apenas entre as universidades, mas pretendemos ampliar a discussão para toda a sociedade. Acredito que essas duas ações são fundamentais para evitar o risco de fragmentação do campo. Certamente, o principal protagonista deste processo, em minha opinião, tem que ser a Abrasco. Neste caso, o papel catalisador deve ser exercido pelo GT de Trabalho e Educação na Saúde. Felizmente, a Abrasco está bastante mobilizada em torno do tema e essa discussão está crescendo no seio de nossa associação.


A Ensp é uma das maiores escolas de saúde pública do país. No seu entender, qual o papel que a Escola teria neste processo?


Medronho: O papel da Ensp é fundamental para o sucesso dessa empreitada. A Escola formou e ainda forma um contingente muito grande de excelentes profissionais no campo da saúde coletiva, produz pesquisa de alta qualidade e contribui decisivamente para a construção e consolidação do SUS. Toda essa enorme contribuição ao campo sempre foi absorvida pelos atores envolvidos no processo de criação desses cursos. Além disso, diversos pesquisadores proeminentes da Ensp sempre defenderam a criação do curso de graduação em saúde coletiva. Por isso, o papel da Escola é estratégico e esperamos contar com toda a sua expertise para a consolidação, aprimoramento e ampliação dessa proposta.


Publicado em 9/1/2009.

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