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17/11/2016

Especialistas falam de projeto de lei sobre pesquisas clínicas em seres humanos

Suely Amarante (IFF/Fiocruz) e César Guerra Chevrand (Agência Fiocruz de Notícias)


Realizado no anfiteatro A do Centro de Estudos Olinto de Oliveira (CEOO) do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), o 6º Encontro da Rede Fiocruz de Pesquisa Clínica (RFPC) reuniu 76 profissionais de unidades da Fundação Oswaldo Cruz de todo o Brasil que trabalham, sob os mais diferentes enfoques, com temas da pesquisa clínica.

Jorge Vênancio, do Conep, e Mauro Brandão, do Fórum de CEPs da Fiocruz, dizem que projeto de lei ameaça o futuro da pesquisa clínica no país (foto: César Guerra Chevrand - AFN)

 

Na oportunidade, a tramitação do Projeto de Lei do Senado 200/2015 (PLS 200) teve destaque entre os temas debatidos no evento. A ementa que dispõe sobre princípios, diretrizes e regras para a condução de pesquisas clínicas em seres humanos por instituições públicas ou privadas tem recebido duras críticas de especialistas da área. Para explicar sobre este projeto e os riscos a que estariam expostos os participantes de pesquisa com a aprovação da lei, o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), Jorge Venâncio, e o coordenador do Fórum de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) da Fiocruz, Mauro Brandão foram convidados para o evento e entrevistados pela Agência Fiocruz de Notícias.

AFN: O que é o Projeto de Lei do Senado 200/2015?

Jorge Venâncio e Mauro Brandão: O projeto visa reduzir os direitos dos participantes de pesquisa. A tese diz que ele se propõe a melhorar as condições da pesquisa clínica no país, mas têm pontos cruciais que dificultam o processo de análise ética dos projetos de pesquisa, com risco, principalmente, para os usuários e participantes. Nesse sentido, duas questões se sobressaem, a primeira é retirar do participante o direito de acesso ao medicamento que lhe foi fornecido na participação da pesquisa e que tenha sido eficiente ao seu problema. Nesse sentido, a regulamentação brasileira atual, diz que, quando o participante da pesquisa clínica recebe o medicamento e o mesmo tem efeito positivo, ele tem o direito de continuar recebendo esse medicamento, mesmo após o término da pesquisa. Já o PLS 200 coloca limitação a isso.

A segunda questão está relacionada ao uso do placebo (pílula de farinha), utilizada na comparação com o medicamento em fase de experiência. O Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Federal de Medicina permitem o uso do placebo em pesquisa científica no Brasil, desde que não haja tratamento disponível para determinada doença. O Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina proíbe os médicos brasileiros de participarem de estudos com placebo quando há tratamento disponível para uma doença. A proposta da PL define que, se houver justificativa científica, o placebo pode ser usado em pesquisa, mesmo quando há tratamento conhecido para uma doença.

AFN: De que maneira essa perda de direitos dos participantes e a questão do placebo impactam na pesquisa clínica no Brasil? Que consequências essas medidas trariam?

Jorge Venâncio e Mauro Brandão: É importante ressaltar que essas mudanças podem interferir na ética e na seriedade da pesquisa clínica no Brasil, além de comprometer a imagem dos pesquisadores. Se você tem uma situação na qual participar de uma pesquisa clínica passa a ser vista como situação desrespeitosa, configurada como “cobaia humana”, isso vai repercutir de forma negativa, o que pode alterar a qualidade e fidelidade dos resultados da pesquisa.

AFN: Diante das críticas que os senhores estão acompanhando mais de perto, relacionadas ao PLS 200/2015. A quem interessa essas mudanças propostas? Que consequências trariam ao atual modelo?

Jorge Venâncio e Mauro Brandão: Certamente, as mudanças interessam a uma parte dos laboratórios estrangeiros. O atual modelo está sendo ameaçado pelo Projeto de Lei 200/2015 (PL). Esse PL, além de extinguir o atual sistema de análise ética, coloca em risco os direitos dos participantes da pesquisa, conquistados nas últimas duas décadas, ao longo da história do Sistema CEP/Conep e do Conselho Nacional de Saúde. Também retira dos brasileiros o controle social das pesquisas realizadas no país.

AFN: Qual seria o impacto do PLS 200 para os projetos de pesquisa clínica da Fiocruz?

Jorge Venâncio e Mauro Brandão: Os Comitês de Ética da Fiocruz têm uma visão muito clara de apoio e respeito à legislação atual. Do ponto de vista dos Comitês de Ética da Fiocruz, a reação ao PLS 200 é péssima. Acreditamos que a grande maioria dos pesquisadores não apoiam essas mudanças, pois trariam uma série de alterações, inclusive com relação à publicação dos trabalhos em revistas internacionais, que cobram um rigor ético de observância dos projetos de pesquisa e dos resultados. O pesquisador sabendo disso, não vai se sentir à vontade de transgredir as regulações atuais, para fazer um projeto de pesquisa que favoreça um determinado laboratório. Ele pode comprometer a publicação dos resultados, além de afetar a sua integridade ética e moral. Não é correto realizar uma pesquisa com as transgressões que o PLS 200 está trazendo. Acreditamos que os nossos pesquisadores comungam dessa mesma postura e opinião.

AFN: Como andam as discussões e tramitações desse projeto no Congresso Nacional?

Jorge Venâncio e Mauro Brandão: O PLS 200/2015 está em análise no momento na Comissão de Assuntos Econômicos Sociais (CAS) do Senado Federal, após passar por outras duas comissões. O Senado abriu, inclusive, uma consulta pública sobre o projeto de lei, em que qualquer cidadão pode se manifestar contra ou a favor da iniciativa. O PL 200/2015 está previsto para ser votado na Casa no ano que vem. Se aprovado, segue para a Câmara dos Deputados. 

AFN: Quais são as estratégias que os senhores pensam para pressionar o Senado a exercer mudanças no PLS200?

Jorge Venâncio e Mauro Brandão: Temos três esferas empenhadas nesse processo, a primeira são os pesquisadores, os Comitês de Ética, são cerca de 10 mil membros espelhados pelo Brasil inteiro e os voluntários que fazem esse trabalho com um esforço enorme. A segunda reserva tem sido o apoio dos participantes, que têm exercido uma força significativa sobre o Supremo Tribunal Federal, para que o mesmo altere a proposta do PLS 200 e dê um parecer favorável às necessidades dos participantes. Já a Fiocruz tem se manifestado com discussões constantes sobre a tramitação do PLS nos Fóruns dos Comitês de Ética da Fiocruz (CEPs) através da rede de pesquisa clínica, essas mobilizações têm alcançado um grande número de pesquisadores, o que tem fortalecido as discussões em torna das nossas propostas de mudança e prol das alterações do PLS200. 

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