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04/01/2005

Estudo sugere relação entre ambiente de trabalho em petroquímicas e um tipo de hepatite

por Fernanda Marques






A esteatohepatite é uma inflamação do fígado com acúmulo de gordura e de tecido fibroso, prejuízo das funções do órgão e possível evolução para cirrose. Não está associada à ação de vírus e, em geral, acomete quem abusa do consumo de álcool, é obeso, sofre de hipertensão arterial, tem diabetes ou apresenta disfunções no metabolismo de lipídeos. No entanto, mesmo quem não se encaixa nesse perfil pode desenvolver esteatohepatite. É o caso de alguns trabalhadores do Pólo Petroquímico de Camaçari (BA). Nesse caso, substâncias tóxicas a que eles são expostos no ambiente de trabalho podem ser a causa do problema. É o que indica um estudo que vem sendo feito há 20 anos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em parceria com o Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM), unidade da Fiocruz em Salvador. Os resultados mais recentes acabam de ser submetidos à publicação no periódico científico Liver.


Cena do filme Assim caminha a humanidade (1956), no momento em

que o personagem interpretado por James Dean encontra petróleo

Na década de 80, um grupo de pesquisadores americanos descreveu casos de esteatohepatite em pacientes que não faziam uso de bebida alcoólica. Desde então o interesse pela doença cresceu. Nos Estados Unidos, 3% da população têm esteatohepatite. "Hoje a esteatohepatite é mais comum que as hepatites virais", afirma o médico Luiz Antônio Rodrigues de Freitas, do CPqGM.

A hepatologista Helma Cotrim, pesquisadora da UFBA, acompanhava quase 1.600 trabalhadores de uma empresa do Pólo Petroquímico de Camaçari que apresentavam alteração do perfil hepático. Ela investigou a causa dessa alteração e concluiu que não havia infecção viral nem doença alcoólica em cerca de 20 pacientes. Estes foram, então, submetidos à biópsia hepática (análise de uma amostra do fígado coletada por meio de uma injeção). "Observamos em todos eles a presença da esteatohepatite, na maioria das vezes, de forma leve, ainda com pouca fibrose", conta Freitas.

A empresa petroquímica aceitou transferir aqueles cerca de 20 trabalhadores da planta industrial para o escritório. Após alguns meses, uma nova biópsia revelou que todos tiveram melhora do perfil hepático. Esse achado, publicado em 1999, foi o primeiro de uma série que sustenta a hipótese de que a esteatohepatite pode estar relacionada a fatores ambientais.

Em seguida, o médico Fernando Carvalho, professor de medicina preventiva da UFBA, orientou uma tese de doutorado que fez uma comparação entre os trabalhadores da planta industrial e os do escritório da empresa, todos com o mesmo nível socioeconômico. A pesquisa mostrou que o risco de alteração do perfil hepático chega a ser 17 vezes maior em quem trabalha na indústria. "Novamente os resultados apontaram para a existência de uma relação entre a esteatohepatite e o ambiente de trabalho", comenta Freitas.

Estima-se que 40% dos casos de esteatohepatite não-alcoólica ocorram em indivíduos com obesidade, diabetes, hipertensão arterial ou dislipidemias. Eles têm em comum uma condição preliminar de resistência à insulina, na qual as funções deste hormônio, por alguma razão, ficam prejudicadas. Trabalho recém-concluído pela equipe de Freitas demonstrou que aqueles cerca de 20 pacientes inicialmente estudados por Helma, além de não serem obesos, diabéticos, hipertensos nem dislipidêmicos, não apresentavam sequer resistência à insulina. "É o terceiro indício que nós temos de que a esteatohepatite pode ser deflagrada pela exposição laboral a substâncias tóxicas", diz Freitas. "Mas é muito difícil estabelecer claramente esse nexo causal. Até porque uma petroquímica utiliza diversos hidrocarbonetos aromáticos e parte deles é considerada segredo industrial".



Esteatohepatite e hepatite C

Quem tem esteatohepatite e se infecta com o vírus da hepatite C tende a apresentar um quadro mais grave da doença viral, inclusive porque a resposta ao tratamento costuma ser pior. E é grande a chance de as duas hepatites serem concomitantes: de acordo com um levantamento feito pela equipe de Freitas, em torno de 10% dos indivíduos com hepatite C têm esteatohepatite.

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