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03/04/2006

Estudos de campo em Pernambuco visam aprimorar três vacinas

Paula Lourenço


O Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco, iniciou uma nova cultura de trabalho científico na instituição: a implementação de projetos científicos que estudam grupos populacionais por um período pré-determinado, ou seja, as chamadas coortes clínicas. No Laboratório de Virologia e Terapia Experimental (Lavite) existem três pesquisas desse tipo com o objetivo de aprimorar as vacinas de febre amarela, hepatite A e raiva, além da que já existe sobre dengue. As coortes para febre amarela e hepatite A estão em andamento e a de raiva começará nos próximos meses. Desenvolvido com pesquisadores de outros departamentos do Centro, o trabalho visa integrar as pesquisas clínica e epidemiológica, segundo esclareceu o vice-diretor de Ensino do CPqAM, Eduardo Freese, que também é coordenador do segmento populacional das coortes.


Agente de campo entrevista voluntária da pesquisa de hepatite A (Foto: Arquivo CPqAM/Fiocruz)

Agente de campo entrevista voluntária da pesquisa de hepatite A (Foto: Arquivo CPqAM/Fiocruz)


"Os estudos desse tipo são de difícil realização, porque requerem longo período (anos) de acompanhamento dos voluntários, quando o hábito aqui no Nordeste é fazer isso por um período de seis meses a um ano. Esse tipo de trabalho também requer mais recursos, por isso ocorrem com mais freqüência nas regiões Sul e Sudeste do país", explica a coordenadora da coorte de febre amarela, Eduarda Cesse. Em termos práticos, as coortes clínicas colaboram para o estudo que quer aprimorar as vacinas de febre amarela, hepatite A e raiva da seguinte forma: todas trabalham com a coleta de sangue dos voluntários, com determinação do indivíduo e informação de sua exposição ou não ao agente viral, de forma natural, havendo subseqüente imunização com as vacinas existentes, conforme adiantou o chefe do Lavite, Ernesto Marques Júnior. "Posteriormente, fazemos a análise da resposta imune", comentou.


De acordo com Marques Júnior, a equipe está analisando o sangue dos voluntários antes e depois da aplicação da vacina para observar se as moléculas HLAs (antígeno leucocitário humano) estão mostrando a presença de corpos estranhos ao organismo para a atuação sistema imune. A idéia é mapear essa atividade e, com esses dados, desenvolver uma vacina com maior tecnologia, com a qual seja possível, por exemplo, reduzir os efeitos colaterais, ou até, se for o caso, torná-la de caráter permanente, em vez de ter sua aplicação realizada em prazos pré-estabelecidos.


Embora sigam o mesmo procedimento, as coortes clínicas apresentam, cada uma, o seu próprio desenho, ou seja, forma de realização. A de febre amarela foi a primeira a começar, em outubro de 2005, com a coleta de sangue, até fevereiro, de 121 dos 240 voluntários necessários ao estudo. Essas pessoas fizeram a doação no posto da Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa) do Aeroporto Internacional do Recife, antes de embarcarem para o Norte do país ou exterior. Também participaram do projeto funcionários do aeroporto, já que a vacina contra a febre amarela para esses trabalhadores é recomendável devido ao fluxo de transeuntes de diversos lugares do mundo.


Mesmo sem ter o propósito de usar os soros dos voluntários da coorte de febre amarela para a pesquisa da vacina de DNA para o dengue, todas as pessoas que doaram sangue foram submetidas aos exames que detectam se a pessoa teve ou não a doença, já que o dengue e a febre amarela têm características em comum. "É importante saber se o indivíduo teve dengue ou não devido às reações cruzadas que podem surgir nas nossas análises. De posse dessa informação, temos como ver o que muda na pessoa depois da aplicação da vacina, inferindo que essa alteração tenha sido provocada pela imunização e não por dengue", esclareceu Marques Júnior. O curioso é que 88% dos 121 voluntários já tiveram dengue, conforme os resultados dos exames.


Uma nova coleta para completar os 240 voluntários do estudo da febre amarela deve ser iniciada nos próximos meses. Essas pessoas deverão colaborar com a pesquisa durante quatro anos, realizando seis coletas de sangue para observar o comportamento da vacina no organismo. "Conquistar os voluntários, para nossa surpresa, foi relativamente simples, no entanto, teremos um esforço para dar continuidade ao trabalho nos próximos anos", acentuou Eduarda.


Hepatite A


Enquanto o estudo da febre amarela recorre a pessoas que circulam no Aeroporto Internacional do Recife, o da hepatite A vem sendo desenvolvido no bairro do Engenho do Meio, na Zona Oeste da capital pernambucana. Trata-se de um inquérito populacional envolvendo 1,5 mil amostras de soro para exame de hepatite A de pessoas com idades entre 5 anos e 64 anos. Do total de 263 amostras já coletadas para exames em menores de 15 anos, 216 deram negativas para hepatite A. "Com essas pessoas que ainda não tiveram a doença, iremos realizar algo similar com o que fizemos com aquelas pessoas que se imunizaram contra a febre amarela. Vamos perguntar se elas desejam receber a vacina, para coletarmos amostras de sangue antes e depois da imunização, acompanhando esse voluntário por quatro anos", complementou o chefe do Lavite.


O pesquisador ressaltou que, embora a vacina não esteja disponível no serviço público, não há estabelecimento de troca na pesquisa com o voluntário, mas sim o convite para tomar a vacina e fazer parte do projeto. "Dizer que você é voluntário é falar da riqueza de estar contribuindo com o desenvolvimento desse conhecimento. Você vai ajudar a ciência e a sociedade", argumentou Eduarda.


A pesquisa da raiva poderá colaborar com a da vacina contra o dengue, desde que haja consentimento do uso do soro por parte dos voluntários. As coortes clínicas de hepatite A e febre amarela foram aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do CPqAM e pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). A única que ainda não obteve o parecer foi a de raiva, que está justamente aguardando a resposta para iniciar os trabalhos.


O projeto de raiva deve ser iniciado no Posto Agamenon Magalhães, no bairro de Afogados, no Recife, devido ao grande número de pessoas que procura o local para se vacinar para evitar a doença, depois de serem agredidas por cães. "Outra possibilidade é o Posto Lessa de Andrade, que também concentra um grande número de pessoas vacinadas", lembrou Freese. Para definir os locais, o vice-diretor de Ensino do CPqAM esclareceu que estão sendo feitas negociações com a Prefeitura do Recife. A idéia da coorte é trabalhar com 350 voluntários, com cinco coletas de sangue num período de três anos. Anualmente, sete mil pessoas são vacinadas contra a raiva na capital pernambucana.


Os estudos do CPqAM contam com a colaboração da Anvisa, da Secretaria de Saúde do Recife, do Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (Imip), Hospitais Santa Joana e Esperança e Laboratórios Cerpe e Dilab. Participam da equipe das coortes, além de Freese, Marques Júnior e Eduarda, os pesquisadores Cecília Magalhães, que é coordenadora de logística e de interações com pacientes; Luiza Carvalho, coordenadora da coorte de hepatite A; e Juliana Martins, responsável pela coorte de raiva.

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