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31/03/2006

Fiocruz cria o primeiro mosquito transgênico na América Latina

Aílson Santos


O Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR), unidade da Fiocruz em Minas Gerais, anunciou a criação do primeiro mosquito geneticamente modificado na América Latina. A conquista representa o primeiro passo em busca de uma nova estratégia capaz de bloquear a transmissão do parasita da malária. A idéia é criar mosquitos transgênicos, do gênero Anopheles spp. (transmissor da malária) que sejam resistentes (ou se tornem "imunes") à infecção pelo protozoário Plasmodium spp, parasita da doença.


 Larvas de mosquitos Aedes fluviatilis visualizadas sob microscópio com luz ultravioleta. A larva da direita é a transgênica, que além da fosfolipase A2, produz uma proteína verde fluorescente, da água viva, utilizada na pesquisa para diferenciá-las das larvas dos mosquitos não-transgênicos (esquerda) / Foto: Luciano Moreira

Larvas de mosquitos Aedes fluviatilis visualizadas sob microscópio com luz ultravioleta. A larva da direita é a transgênica, que além da fosfolipase A2, produz uma proteína verde fluorescente, da água viva, utilizada na pesquisa para diferenciá-las das larvas dos mosquitos não-transgênicos (esquerda) / Foto: Luciano Moreira

 


De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a malária (também conhecida como paludismo) é a doença tropical e parasitária que mais causa problemas sociais e econômicos no mundo e só é superada em número de mortes pela Aids. É considerada problema de saúde pública em mais de 90 países, onde 2,5 bilhões de pessoas (cerca de 40% da população mundial) convivem com o risco de infecção. Só no continente africano são infectadas, por ano, em média 400 milhões de pessoas, das quais aproximadamente um milhão morrem em conseqüência da doença. No Brasil, em 1999 e 2000, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) detectou mais de 600 mil casos clínicos anuais, havendo uma redução nos anos posteriores. Em 2005, novamente 591 mil novos casos foram registrados no país.


O pesquisador Luciano Andrade Moreira, coordenador do projeto no CPqRR, afirma que o mosquito transgênico representa uma alternativa promissora de combate à doença, já que tanto o protozoário parasita quanto o mosquito têm se mostrado resistentes aos medicamentos e inseticidas, respectivamente. Soma-se a estas dificuldades a ausência de uma vacina eficaz para o controle da doença.


Em 2001, pesquisadores americanos descobriram que uma enzima (a fosfolipase A2), presente no veneno de abelhas, era capaz de servir como uma "vacina" para o mosquito da malária, impedindo que o parasita da doença se desenvolvesse no seu organismo. A equipe do Laboratório de Malária do CPqRR, em colaboração com a Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, assumiu o desafio de introduzir no genoma (código genético) do mosquito uma forma modificada da proteína fosfolipase A2 de modo que ele próprio passasse a produzir a enzima de proteção, até então produzida pela abelha. "Por isto o chamamos de mosquito transgênico, pois seu organismo produz uma proteína que não é própria dele. A geração de mosquitos transgênicos envolve a microinjeção de embriões, uma técnica de ponta na pesquisa genética que requer equipamentos específicos e que foram financiados pela OMS", explica Moreira.


Nesta primeira fase, afirma o pesquisador, "conseguimos, pela primeira vez na América Latina, gerar mosquitos transgênicos da espécie Aedes fluviatilis, que é utilizado no modelo da malária aviária, transmitida pelo Plasmodium gallinaceum. Escolhemos começar o estudo dos transgênicos com a malária em galinhas pela facilidade de obtermos o ciclo completo deste parasita em laboratório e pela semelhança do P. gallinaceum com o plasmódio que infecta o homem, o Plasmodium falciparum. Já possuímos uma criação de mosquitos transmissores de malária humana, da espécie Anopheles aquasalis, e com o apoio da tecnologia esperamos em breve obter as primeiras larvas transgênicas desta espécie". Assim que se obtiver os mosquitos expressando a proteína de bloqueio fosfolipase A2, eles serão testados em áreas endêmicas de malária no Amazonas e em Rondônia. Será feita uma alimentação artificial, utilizando sangue de pacientes com malária, a fim de confirmar se houve inibição do desenvolvimento do parasita no organismo do mosquito transgênico.


O primeiro mosquito geneticamente modificado foi criado em 1998, nos Estados Unidos. Era o mosquito Aedes aegypti, causador do dengue. Dois anos mais tarde, cientistas ingleses produziram o Anopheles stephensi, mosquito transmissor da malária na Índia. Em 2002, os primeiros mosquitos transgênicos capazes de bloquear a transmissão da malária em roedores foram desenvolvidos em um laboratório da Case Western Reserve University, em Ohio, nos EUA, onde Moreira trabalhava. Contudo, ainda não se conseguiu este feito para a malária humana.


Moreira destaca que estes estudos são preliminares e acredita que ainda serão necessários no mínimo dez anos para se ter certeza de que estes insetos possam ser introduzidos no campo, onde se misturariam aos mosquitos comuns e transmitiriam aos seus descendentes genes antimalária, de forma eficaz, sem riscos para o homem e para o meio ambiente. A utilização de mosquitos transgênicos é "mais uma arma de combate à malária no mundo, somando-se às outras estratégias de controle como drogas, inseticidas e uma futura vacina", lembra o pesquisador. O trabalho está sendo desenvolvido como parte da tese da doutoranda Flávia Guimarães Rodrigues, aluna de Moreira.




A doença


A malária é transmitida ao homem pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados por protozoários do gênero Plasmodium. Os sintomas são calafrios fortes, febre alta, náusea, dor de cabeça e suor excessivo. A transmissão também pode acontecer excepcionalmente por transfusão de sangue ou pelo uso de agulhas e seringas contaminadas.


Além dos sintomas correntes, pode aparecer pequena rigidez na nuca, perturbações sensoriais, desorientação, sonolência ou excitação e convulsões, podendo o paciente chegar ao coma. Eventualmente, o quadro clínico da malária cerebral pode lembrar a meningite, o tétano, a epilepsia, entre outras enfermidades neurológicas. Os mecanismos de controle atualmente existentes utilizam drogas antimaláricas para o tratamento de pacientes e inseticidas para o combate do mosquito transmissor. Não há ainda uma vacina com eficácia comprovada contra a doença.

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