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17/08/2016

Fiocruz debate chikungunya com profissionais de saúde

André Costa, Mônica Mourão, Renata Moehlecke e Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)


Com o objetivo de capacitar profissionais de saúde para o manejo clínico de chikungunya, a Fiocruz promoveu seminário sobre o tema na última terça-feira (16/8), no campus de Manguinhos, no Rio de Janeiro. O encontro, que também foi transmitido on-line, integra as atividades de enfrentamento da tríplice epidemia (de zika, chikungunya e dengue) promovidas pela Fundação, a partir de dezembro de 2015, com a criação do Gabinete para o Enfrentamento à Emergência Epidemiológica em Saúde Pública.

Diante da possibilidade de um grave surto da doença no próximo verão, o foco nos aspectos clínicos da doença foi uma escolha dos organizadores para capacitar a força de trabalho do Sistema Único de Saúde (SUS) antecipadamente. “Os temas clínicos ficam, de alguma maneira, subsumidos nos nossos seminários. Mas, dessa vez, nós olhamos de maneira mais detida para essa questão. A ideia é que tenha especialistas aqui nos dando um panorama da epidemia e a gente possa discutir temas clínicos. Nós pretendemos aqui, hoje, ter um dia de atualização”, explicou o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel.

Em relação ao diagnóstico diferencial da chikungunya, o médico infectologista e diretor da Fiocruz Mato Grosso do Sul, Rivaldo Venâncio, explica que a dengue continua a ser uma das principais enfermidades infecciosas a ser considerada. As epidemias da doença também trazem aprendizados que podem ser úteis no caso de um surto de chikungunya. “Precisamos utilizar formas adequadas de classificar o risco dos casos; estar atentos e saber reconhecer os sinais de alarme ou outros indicativos que podem potencializar a gravidade dessa enfermidade, como as comorbidades; e organizar com antecedência as redes de atenção”, enumerou. Rivaldo chamou atenção ainda para a necessidade de pensar além do quadro das doenças infecciosas, já que a chikungunya pode ter manifestações que se confundem com outros agravos, como erisipela (infecção cutânea), por exemplo.

Sintomas e fase aguda da doença

Logo em seguida, foi a vez da infectologista da Secretaria Municipal de Feira de Santana (SMS/BA), Melissa Falcão, falar sobre a abordagem clínica da fase aguda e subaguda da doença. “A maioria das pessoas infectadas, até 70%, desenvolvem sintomas, com uma taxa de mais de 50% de cronificação, o que é um impacto muito grande”, afirmou.

Segundo a especialista, a realidade descrita na literatura médica não parece ser o que está ocorrendo no Brasil: seria preciso entender melhor o processo, sobretudo, com relação a temáticas como tipo de medicação utilizada, manejo e coinfecção. Dentre os diversos fatores abordados, Falcão apontou que artralgia intensa (dor nas articulações), com ou sem edema (acumulo de líquido); mialgia (dores musculares); febre; e cefaleia (dor de cabeça) são os sintomas mais comuns relacionados às fases agudas da enfermidade. Ela ainda destacou que idade maior que 45 anos e maior intensidade do edema na fase aguda podem ser fatores de risco para cronificação.

Falcão acrescentou que o paciente pode permanecer em acompanhamento por até seis anos, mas que esse tempo de duração da doença não é completamente definido. A infectologista também ressaltou que ainda não existe droga que auxilie na melhora da evolução clínica. “É preciso avaliar no Brasil que medicamento será usado para fazer com que os pacientes não evoluam para a forma crônica. A gente não pode ficar assistindo, sabendo que mais de 50% evolui”, afirmou.

O debatedor André Siqueira, pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz) falou sobre os desafios de enfrentar o avanço da chikungunya no meio de uma epidemia tríplice. “A gente tem ouvido algumas pessoas comentando que não existe mais zika ou dengue. Quando uma doença começa a predominar mais do que a outra, pode haver uma tendência nas emergências de taxar que a pessoa está com esta doença. É preciso ter mais cuidado”, alertou.

Forma crônica da enfermidade

No início da tarde do evento, a mesa Chikungunya, abordagem clínica da fase crônica: manejo da dor e da artrite teve como palestrante o médico Ricardo Prado Golmia, coordenador de pesquisa do Hospital Abreu Sodré (AACD) e médico clínico e reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo. Ele fez um resumo de sua atuação na epidemia nos últimos meses e também dos casos de duas epidemias na Ásia e na América Central (respectivamente Ilha Reunião e Martinica). Segundo Golmia, a forma crônica da enfermidade aparece de seis a oito meses após a infecção aguda e na maioria das vezes vem associada a poliartralgia, poliartrite e mialgias. As articulações afetadas são tanto as grandes e as pequenas e normalmente pode se sobrepor a uma doença inflamatória pré-existente.

“Em relação às formas crônicas de artrite pós-chikungunya, foi possível tabular três grandes cenários sindrômicos. Três anos depois da epidemia (2008), dos 159 pacientes, 40 tinham artrite reumatoide, 33 espondiloartrite e 21 artrite indiferenciada”, comentou Golmia. O tempo médio entre o aparecimento da artrite e a consulta com um especialista foi de oito meses. Dos pacientes, 12 tiveram clínica de artrite associada a infecção, 31% reativaram problemas clínicos mecânicos, 30% tiveram espondiloartrite reativada mas existente previamente e 18% desenvolveram nova forma de artrite. O médico afirmou que o tratamento da forma aguda é sintomático com analgésicos, anti-inflamatórios e ocasionalmente corticoides.

Segundo Golmia, é extremamente importante diferenciar a dengue da chikungunya e notar sintomas como dores articulares, nos tornozelos, pés e quadris, e sinovite. O paciente também precisa ir todo mês ao oftalmologista e ao reumatologista. A história pregressa do enfermo precisa ser muito bem analisada. “O que me chama a atenção em casos observados aqui no Rio é a quantidade de pessoas jovens com a doença”, disse.

Após a apresentação, Golmia e o médico Roberto Fiszman, do INI, debateram com a plateia casos de atendimento de chikungunya. O Instituto desenvolve um protocolo para atenção primária que vem sendo debatido com seus profissionais. A discussão também abordou a importância da utilização de fisioterapia e reabilitação motora, até na fase aguda, para evitar deformidades. “A chikungunya tem consequências graves e dramáticas. O paciente não dorme, não trabalha e não sente dores. A maioria dos doentes terminará ficando bem, com médico, sem médico ou apesar do médico, mas haverá sofrimento. Precisamos melhorar a rede básica para poder melhor acompanhar essas pessoas”, observou Fiszman.

Chikungunya na infância e os desafios da epidemia

Na mesa Abordagem clínica na criança, o infectologista e pediatra Robério Leite, do Hospital Estadual São José de Doenças Infecciosas, de Fortaleza, discorreu sobre a variedade de sintomas que têm encontrado em crianças e bebês em sua prática clínica. Leite ressaltou que bebês e crianças constituem um grupo de risco para a doença, afirmando ainda que há diversas questões a serem esclarecidas sobre a doença. “Somente um acúmulo de casos clínicos permitirá entendermos melhor o chikungunya e estabelecermos protocolos para enfrentá-lo com maior eficácia”, disse.

Um debate sobre os Desafios para o enfrentamento da epidemia de chikungunya encerrou o seminário. Boa parte da discussão da mesa, composta por Lívia Vinhal, Rivaldo Venâncio, Melissa Falcão, Ricardo Golmia, Robério Leite e André Siqueira, abordou como as autoridades de saúde devem proceder caso a epidemia da doença chegue ao nível de uma contingência sanitária, o que sobrecarregaria ainda mais o SUS.

Segundo Venâncio, a experiência acumulada no combate à dengue pode ser útil caso este cenário venha a se concretizar. O pesquisador ressaltou ações tomadas pelo poder público na epidemia de dengue de 2008 no Rio de Janeiro como um exemplo positivo, observando que os sistemas de saúde mais frágeis seriam os que mais viriam a sofrer com a proliferação em larga escala da doença.

A superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ), Cristina Lemos, por sua vez, destacou que boa parte dos casos pode receber atendimento expansão da cobertura primária, enfatizando que a expansão da cobertura familiar na cidade do Rio de Janeiro de 3% em 2008 para mais de 50% em 2016 reduziu os óbitos anuais por dengue de 158 para apenas 1 neste período.

Nas colocações finais, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, reforçou a necessidade de se pensar as desigualdades presentes na saúde nas diferentes regiões do país. Rangel afirmou que casos crônicos da doença produzirão impactos sobre a previdência e as famílias, o que em última instância reforçará ainda mais a desigualdade. Por fim, destacou a necessidade de se desenvolver um protocolo de procedimento para lidar com dores provocadas pela infecção.

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