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13/05/2011

Historiador investiga a noção de corpo ao longo do século 18

Fernanda Marques


O corpo, sua anatomia e funções não são algo ‘natural’, mas uma construção do saber médico; e as concepções médicas, por sua vez, estão atreladas ao universo cultural. É a partir desta constatação inicial que o historiador Jean Luiz Neves Abreu desenvolve suas análises no livro Nos Domínios do Corpo: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII, lançamento da Editora Fiocruz que integra a Coleção História e Saúde. Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, Abreu se debruçou sobre antigos tratados de medicina e manuais de prática médica escritos por médicos luso-brasileiros e estrangeiros. A pesquisa revela, entre outros aspectos, as diferentes vertentes do saber médico luso-brasileiro do período: o livro mostra como uma medicina recheada de aspectos mágicos e religiosos passou, sobretudo nas últimas décadas do século XVIII, a ser confrontada por conhecimentos fundamentados no experimentalismo e no racionalismo.






Esse confronto com o racionalismo, no entanto, não excluiu por completo outras tradições, nem mesmo as oriundas de ‘curandeiros’ e índios. “Em alguns relatos médicos de fins do século XVIII, cirurgiões registraram que, diante das enfermidades dos trópicos, pouco bastava o receituário dos tratados, de modo que a experiência e o conhecimento dos ‘curandeiros’ locais deveriam ser observados. Algumas memórias sobre plantas com propriedades farmacêuticas atribuíam importância ao conhecimento indígena e sua contribuição para a medicina”, exemplifica o autor. “O conhecimento médico luso-brasileiro, portanto, não deve ser visto como mera apropriação das teorias médicas em voga, já que, em alguns aspectos, ele incorporou outras tradições culturais”, resume Abreu.



O autor mostra também como, ao longo do século XVIII, coexistiam duas percepções diferentes sobre o corpo humano. De um lado, o corpo ‘microcosmo’, herança greco-romana, onde os astros, as estações do ano e os humores conformavam a relação saúde-doença. De outro, sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII, o corpo ‘máquina’, herdeiro da filosofia mecanicista, onde a harmonia entre ‘peças’ e ‘engrenagens’ representava a saúde, e a doença era consequência de uma desordem ou mau funcionamento. “A concepção do corpo-máquina contribuiu para novas terapias que se fundamentavam nos conhecimentos de física e química e nas pesquisas científicas sobre as propriedades dos medicamentos”, afirma Abreu. “Muitos médicos, então, passaram a criticar as sangrias e purgações e os remédios ‘miraculosos’”.



Outro tema discutido no livro é a prevenção em saúde, tanto no âmbito público, dos povos, como no âmbito privado, das famílias. “Hoje, basta abrir uma revista sobre saúde dedicada ao grande público e vemos uma série de matérias destinadas à prevenção envolvendo hábitos como alimentação, sexualidade e atividades físicas. Da mesma forma, vemos no noticiário a preocupação com a saúde coletiva, com as doenças que trazem altas taxas de mortalidade. Pelos tratados lidos pode-se observar que tais preocupações já estavam presentes no século XVIII”, destaca o historiador. Um exemplo é o texto Âncora medicinal para conversar a vida com saúde, de 1721, assinado pelo médico português Francisco da Fonseca Henriques. “Este tratado revela a presença da herança hipocrático-galênica da Antiguidade, onde a preservação da saúde dependia do cultivo de hábitos saudáveis para o equilíbrio dos temperamentos”, explica Abreu.



A saúde como fato de grupo ou de população também passou a ser problematizada a partir do século XVIII. No entanto, de acordo com o livro Nos domínios do corpo, essa questão assume feições específicas no mundo luso-brasileiro. “Em Portugal, falar em saúde da população era falar na saúde dos vassalos, que viviam na América Portuguesa, e na saúde dos escravos. Não é sem razão que, no decorrer do século XVIII, as doenças de escravos se tornaram temas de vários tratados médicos em Portugal, entrelaçadas a questões de cunho econômico”, conta o autor. “Nesse sentido, os médicos luso-brasileiros lamentavam sobre as precárias condições de trabalho e alimentação dos cativos e os prejuízos que acarretavam à sua vida, mas principalmente à economia portuguesa”, completa.


Serviço:

Nos Domínios do Corpo: o saber médico luso-brasileiro no século XVIII

Jean Luiz Neves Abreu

220 páginas

R$ 29

Editora Fiocruz

Tel.: 21-3882-9039 / 9007

comercialeditora@fiocruz.br // editora@fiocruz.br


Publicado em 11/5/2011.

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