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17/07/2009

Historiadora da Casa de Oswaldo Cruz conquista prêmio da ABL

Ruth Martins


Ao encontrar em sua caixa de correspondência eletrônica a mensagem com o  título Parabéns, a historiadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) Gisele Sanglard pensou que fosse vírus. “Não faço aniversário agora!”, estranhou. Antes de abri-la, com medo de infectar o computador, conferiu vários detalhes e nada parecia errado. A origem era a Editora Fiocruz. Quando leu, a surpresa: tratava-se da notícia de que é seu o Prêmio ABL de História e Ciências Sociais de 2009 pela autoria de Entre os salões e o laboratório: Guilherme Guinle, a saúde e a ciência no Rio de Janeiro –  1920-1940, publicado em 2008 pela Editora Fiocruz. A entrega do prêmio será realizada em 23 de julho, em solenidade na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Petit Trianon (Avenida Presidente Wilson 203, 1º andar, Centro, Rio de Janeiro/RJ).


 Gisele Sanglard estudou a relação entre Carlos Chagas e Guilherme Guinle e o significado das ações de Guinle no momento em que se discutia como construir uma nação brasileira saudável 

Gisele Sanglard estudou a relação entre Carlos Chagas e Guilherme Guinle e o significado das ações de Guinle no momento em que se discutia como construir uma nação brasileira saudável 


A origem do livro remonta à tese que Gisele Sanglard defendeu em 2005 no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da COC, mesmo ano em que conquistou pelo trabalho a menção honrosa do Prêmio Revitalização do Rio, promovido pelo jornal O Globo. Os personagens principais da história contada no livro são inteiramente distintos e complementam-se: o industrial Guilherme Guinle, que patrocinou a construção de hospitais e várias ações nos campos das ciências e da saúde, e o médico Carlos Chagas, que implantou nova política de saneamento à frente do Departamento Nacional de Saúde Pública, na capital da República. A ideia da autora era “mostrar a relação entre os dois homens e o significado das ações de Guinle no momento em que se discutia como construir uma nação brasileira saudável”. Guinle introduziu o mecenato científico no Rio de Janeiro da belle époque, por compartilhar dos ideais progressistas e nacionalistas que contagiaram as elites. Em entrevista, Gisele apresenta alguns dos pontos centrais de seu trabalho.



Quem foi Guilherme Guinle?

Gisele Sanglard:
Era um nacionalista. Suas doações não tinham qualquer conotação ideológica. Ao mesmo tempo que patrocinava a construção de hospitais e outros empreendimentos voltados para a saúde pública, ajudava Luiz Carlos Prestes e a ortodoxia católica. Era colecionador de obras de arte e foi o maior doador individual para o Museu Imperial, de Petrópolis (RJ). Ele não tinha qualquer padrão. Trazia sempre seus irmãos para os patrocínios que encapava e nunca gostou de publicidade. Fumante inveterado, morreu de complicações pulmonares na década de 1960.



Que características do industrial milionário chamaram sua atenção?

Gisele Sanglard:
No campo das ciências, ele apoiava o tripé ensino-pesquisa-hospitais. Foram suas as propostas de construir os hospitais Gaffrée e Guinle e do Câncer, que acabou não saindo. Guilherme também acabou investindo no projeto de construção nacional de Carlos Chagas, que incluía o combate à lepra, às doenças venéreas, ao câncer e à malária, no sertão e na cidade. Com a morte de Chagas, em 1934, Guilherme continuou financiando projetos médicos não necessariamente vinculados a programas de governo, mas que davam continuidade ao programa do amigo, como o apoio à criação do Centro Internacional de Leprologia do Instituto Oswaldo Cruz, cujo responsável era Eduardo Rabello; o Serviço de Grandes Endemias, a que se dedicava Evandro Chagas; e o Laboratório de Hematologia, de Walter Oswaldo Cruz.



Como você chegou ao tema de sua tese e que fontes de pesquisa utilizou?

Gisele Sanglard:
Eu participava de um projeto sobre as políticas públicas apoiadas pelo Instituto Oswaldo Cruz entre 1920 e 1940, com Nara Azevedo e Luiz Otávio Ferreira, da COC. Ao verificar como se dava o patrocínio privado à ciência, antes da criação do CNPq, encontrei alguns documentos sobre as doações de Guilherme Guinle para a instituição. Construí a tese com poucas fontes. Na COC, encontrei alguns documentos. O arquivo dele foi quase todo queimado por uma secretária de seus sobrinhos, dona Isabel. Também consultei um livro de 1982, escrito por um sobrinho de Guilherme. O que restou da documentação pessoal, eu vi. Recorri a jornais e fiz entrevistas.



Qual era o cenário na capital da República na época descrita no livro?

Gisele Sanglard:
O atendimento aos doentes era ineficiente, mas a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1919, trouxe mudanças. À frente das reformas estava o médico Carlos Chagas, diretor do Instituto Oswaldo Cruz. Discutiu-se muito sobre a falta de leitos hospitalares na cidade e, naquele momento, a administração pública começou a organizar a assistência médico-hospitalar, até então a cargo da Irmandade da Misericórdia. O Hospital São Francisco de Assis foi a primeira resposta oficial à falta de leitos para a população do Rio de Janeiro: era moderno porque contava com laboratório de pesquisa e serviço de anatomia patológica e, em 1937, foi integrado à faculdade de medicina.



Como e quando aconteceu todo este envolvimento de Guilherme Guinle com a saúde e as ciências?

Gisele Sanglard:
Tudo começou em 1904. O encontro inicial de Guilherme Guinle e Carlos Chagas foi estritamente profissional: Oswaldo Cruz foi chamado para resolver o problema de uma epidemia de malária no porto de Santos (SP). Como Chagas estudava o impaludismo, foram juntos até lá e a missão na localidade de Itatinga (SP) foi um sucesso. Independente da parceria no campo profissional, em que atuaram conjuntamente nos vários projetos e ações de saúde pública, complementando-se, tornaram-se grandes amigos. As famílias passaram a se frequentar. Um bom exemplo disso é a foto de Carlos Chagas na fazenda de Lineu de Paula Machado, cunhado de Guilherme, quando o príncipe de Gales esteve no Brasil e todos foram até lá para uma caçada.



A entrada de Guilherme em cena foi um momento de transição que marca a transformação da ajuda aos pobres no Brasil. Como foi isso?

Gisele Sanglard:
Até aquele momento, a assistência aos pobres doentes – tanto a criação como a manutenção de hospitais – era tarefa da Igreja ou de irmandades, para minorar a pobreza e seguir o exemplo de Cristo. A caridade tinha este foco. Com Guilherme Guinle, a atuação se amplia. Na filantropia, existe a idéia de utilidade social, a pobreza incomoda e aí não apenas o pobre era atendido. A caridade anônima dá lugar a grupos de pessoas que passam a patrocinar ações, oferecer empregos para operários e aulas.



Qual o significado do prêmio para sua carreira e vida pessoal?

Gisele Sanglard:
Não há inscrição para este prêmio, daí minha surpresa e alegria. Ninguém da banca faz parte de minhas relações, não conheço nenhum dos seus integrantes. Os acadêmicos indicam alguns livros para a comissão julgadora de cada modalidade. No campo da história e das ciências sociais, os integrantes foram José Murilo de Carvalho, o relator e responsável pelo parecer, aprovado pelos outros dois acadêmicos: Alberto Venâncio e Celso Lafer. Passei da fase da empolgação e sinto o peso da responsabilidade que isso traz. Esta consagração exige de mim, uma jovem doutora, a contínua produção em alto nível. 



Serviço

Entre os salões e o laboratório: Guilherme Guinle, a saúde e a ciência no Rio de Janeiro, 1920-1940

Gisele Sanglard

Editora Fiocruz - Coleção História e Saúde

304 p., 2008.

R$ 38,00

www.fiocruz.br/editora

21-3882-9039/9007


Publicado em 17/07/2009.

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