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21/11/2008

Historiadoras mostram que ação da Comissão Rondon no noroeste também incluiu ciência

Fernanda Marques


A integração e o povoamento do interior do país, bem como o incremento da agricultura, estavam entre os objetivos da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, cujo comando militar ficou a cargo do famoso marechal Candido Mariano da Silva Rondon. Mais conhecida como Comissão Rondon, ela fez várias viagens de exploração no noroeste do país entre 1907 e 1915. Suas atividades prioritárias e sistemáticas incluíam não só a construção de postes e estações telegráficas, mas também inventários científicos em áreas como zoologia e botânica, com destaque para a participação de naturalistas do Museu Nacional. É o que contam as historiadoras da Fiocruz Dominichi Miranda de Sá, Magali Romero Sá e Nísia Trindade Lima em artigo recém-publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.


 Trecho do filme <EM>Viagem ao Monte Roraima</EM> (1927), em cuja cena final Rondon aparece segurando a bandeira nacional ladeada pelas bandeiras da Venezuela e da Guiana, em meio a índios macuxis

 Trecho do filme Viagem ao Monte Roraima (1927), em cuja cena final Rondon aparece segurando a bandeira nacional ladeada pelas bandeiras da Venezuela e da Guiana, em meio a índios macuxis


Como resultado das atividades da Comissão Rondon foram depositados no Museu Nacional, entre 1908 e 1916, cerca de 5,6 mil exemplares de animais e 8,8 mil de plantas, sendo que, entre eles, havia espécies até então desconhecidas. A análise de todo esse material rendeu dezenas de publicações científicas, algumas delas ainda consideradas fundamentais para estudiosos da fauna e da flora da região. Ou seja: mesmo que a Comissão Rondon não tenha alcançado plenamente seu objetivo civilizatório de povoar e modernizar os longínquos sertões do noroeste brasileiro, ela contribuiu bastante para o conhecimento científico da região.


Contudo, os materiais zoológicos e botânicos coletados nas expedições demoraram anos ou até décadas para serem organizados, analisados e conhecidos. Alguns materiais, na época, nem foram estudados por falta de especialistas brasileiros. Houve também amostras enviadas ao exterior para análise por especialistas de países como Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra. Essas trocas com cientistas estrangeiros, porém, foram interrompidas por causa das grandes guerras mundiais.


Se análise dos materiais encontrou dificuldades, mais difícil ainda foi o trabalho de coleta dentro da Floresta Amazônica. Lá os naturalistas que acompanhavam a Comissão Rondon enfrentaram períodos de calor intenso seguidos por fortes temporais; mosquitos e doenças transmitidas por eles, sobretudo a malária; rígida disciplina militar; escassez de alimentos; companheiros perdidos na mata e flechados por índios.


Isso sem contar os problemas de transporte: a bagagem dos naturalistas incluía instrumentos para captura e acondicionamento dos espécimes coletados, lentes, lupas, telas, vidrarias, pinças, estiletes e toda sorte de apetrechos científicos. Cuidar dessa bagagem não era fácil, ainda mais durante as travessias pela mata ou as viagens de barco. Em não raras vezes, os naturalistas – sob condições adversas e tendo que seguir em frente – precisaram deixar para trás instrumentos e espécimes da fauna e flora já coletados. Parte dos materiais também se perdeu nos freqüentes naufrágios das canoas.


Apesar de tantos contratempos, a Comissão Rondon trouxe contribuições ímpares para o desenvolvimento científico brasileiro. Uma demonstração disso foi o que escreveu em 1945 o zoólogo Alípio de Miranda Ribeira, que participou das expedições: “As coleções reunidas durante a Comissão Rondon fizeram em oito anos mais pelo Museu Nacional do que tudo que tinha sido realizado em 100 anos de existência da instituição”. De acordo com as historiadoras da Fiocruz que assinam o artigo, os levantamentos científicos da Comissão Rondon foram decisivos para a valorização do trabalho dos naturalistas brasileiros e para ampliar o conhecimento sobre extensas áreas do interior do país.


Publicado em 21/11/2008.

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