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05/06/2009

Líder xavante busca recuperar tradições para preservar saúde de seu povo

Elisa Andries


O cacique xavante da aldeia de Pimentel Barbosa, localizada ao norte de Mato Grosso, Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante, é fluente em português e volta e meia sai de sua aldeia para palestras e encontros no Brasil e no exterior. Fala da sua vida, das suas raízes, do patrimônio cultural herdado de seus antepassados e da necessidade de preservar a tradição e o conhecimento para garantir o futuro do seu povo. Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) conhecem bem essa realidade. Há dez anos, o grupo liderado pelos pesquisadores Carlos Coimbra e Ricardo Ventura visita a aldeia para fazer pesquisas. De lá pra cá, muita coisa mudou: integrantes da aldeia passaram a apresentar, com frequência, doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, e casos de alcoolismo começaram a ser identificados na população. Com as pesquisas da Ensp, o cacique Tsuptó pôde saber e informar à sua aldeia sobre os motivos que têm levado tantos a adoecerem: a mudança de hábitos imposta pela maior proximidade com a cultura do homem branco, principalmente relacionados à alimentação. A seguir, o cacique xavante fala da importância das pesquisas realizadas pela Escola na aldeia e da consciência que hoje ele tem da necessidade de preservar suas tradições culturais.


 Tsuptó Buprewên Wairi Xavante: Se um povo não tiver espírito e não preservar suas tradições, pode por tudo a perder. Quem não tiver tudo isso irá desaparecer. Se essa geração nova não se organizar, se não preservar essas tradições, será cada um por si (Foto: Virginia Damas/Ensp)

Tsuptó Buprewên Wairi Xavante: Se um povo não tiver espírito e não preservar suas tradições, pode por tudo a perder. Quem não tiver tudo isso irá desaparecer. Se essa geração nova não se organizar, se não preservar essas tradições, será cada um por si (Foto: Virginia Damas/Ensp)


Quantos integrantes sua aldeia tem e onde está localizada?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: A aldeia Pimentel Barbosa está localizada no norte de Mato Grosso e tem uma população de 380 pessoas. A Pimentel Barbosa é a aldeia-mãe das aldeias que compõem a tribo Xavante. No total, oito aldeias estão localizadas na Reserva Pimentel Barbosa. Na nossa aldeia, nossa cultura ainda é preservada, pois está localizada muito distante da cidade.


Como está a saúde da população da Reserva Pimentel Barbosa?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: Há algum tempo vem surgindo muitas doenças que o nosso povo não conhecia, como pressão alta, tuberculose, diabetes. Essas doenças são novas para o meu povo. Começaram a surgir a partir de 1997, quando o contato com o homem branco se intensificou. Algumas tribos indígenas acompanharam o processo de mudanças do Brasil. Para nós, essas mudanças incluem a aproximação de cidades, de vilas e um contato direto da população não-índia com a população da nossa aldeia. Esse maior contato gerou mudanças de hábitos na aldeia, inserindo novos hábitos alimentares como o consumo de açúcar e sal.


De que maneira as pesquisas realizadas pela Ensp estão contribuindo para melhorar a saúde da sua aldeia?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: Se não fossem os pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública não saberíamos os motivos que têm nos levado a adoecer com tanta frequência. Disseminamos essas informações para todos da aldeia, no sentido não só de prevenir, mas também de retomar os hábitos alimentares dos nossos antepassados e recuperar nossas raízes culturais. De alguns anos para cá, perdemos muito com as mudanças na nossa alimentação tradicional. Temos discutido e conversado muito com as crianças. Queremos ampliar essa discussão com o objetivo de retomar nossa alimentação tradicional. Hoje em dia, a alimentação da cidade tem grande influência no estilo de vida das aldeias, mas nosso organismo não está acostumado. Para se ter idéia, a expectativa de vida na aldeia está em torno de 70 anos. Antigamente, as pessoas com 60, 70 anos ainda tinham força, caçavam e viviam por mais tempo.


Como o senhor passa o conhecimento e as informações adquiridas com os pesquisadores para o seu povo?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: Na aldeia, temos o que chamamos de warã, uma reunião que acontece de manhã e a tarde. Essas reuniões são realizadas no centro da aldeia, que é onde os homens se reúnem para tomar decisões. É nesse lugar que eu passo as informações dos pesquisadores da Ensp. A partir dali, a informação se espalha. Se, por exemplo, outra aldeia ouviu e quer falar comigo, discutimos e conversamos. Tudo o que é passado é, no meu ponto de vista, uma determinação para evitar essas doenças, como a pressão alta. Como líder e interlocutor dos pesquisadores, tenho as informações e tenho que passar para a aldeia: o que deve ser evitado, o que pode comer, entre outras coisas. Hoje em dia, há uma mistura com as coisas da cidade. Por isso, minha preocupação é estimular o retorno à alimentação tradicional.


Há casos de alcoolismo e de suicídio na sua aldeia?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: Para nós, o alcoolismo é um problema, uma doença. Eu nunca bebi e sou um exemplo para a aldeia e para a nova geração. Nada me domina, nada me atrai. Em relação ao suicídio, no entanto, não há caso na nossa aldeia. Isso é um problema de outra aldeia. Cada povo tem a sua característica, e quanto a isso eu não tenho informação de nenhum caso. Mas eu acho que o álcool deixa qualquer pessoa desorientada.


O meio ambiente na aldeia e no entorno ainda é preservado?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: A partir de 1997, com a intensificação do contato com o homem branco, tivemos problemas com a falta de caça. Em volta da aldeia, existe muita plantação de soja e lavouras de várias naturezas. Por isso, os agricultores desmataram a área em volta. Também temos problemas com invasores. Hoje, o serrado voltou ao normal, e damos tempo para a recuperação da mata e do solo. Para que os animais possam se reproduzir, delimitamos uma área e a deixamos "descansar" durante cinco anos. Lidamos de forma diferenciada com a natureza. Hoje, temos nessa área muita caça e pesca.


Como é a estrutura de comunicação da aldeia? Há acesso à televisão, à internet?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: Tenho uma televisão que ganhei de um amigo. Também temos rádio, telefone e acesso à internet, mas não utilizamos com tanta frequência.


Como preservam os hábitos e a cultura na aldeia?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: Ainda preservamos o hábito de as mulheres fazerem a comida enquanto o marido sai para caçar. As mulheres da aldeia também têm outras atividades, como a coleta. Já os homens caçam e pescam. As crianças, por sua vez, têm aulas da nossa língua, em primeiro lugar, e também de português. Acreditamos que as crianças devem conhecer suas origens, sua identidade e, só depois, aprender o português.


Como vê o futuro da sua aldeia?


Tsuptó Buprewên Wa'iri Xavante: Não posso falar de maneira geral, de toda a população indígena brasileira, pois são várias aldeias. Sobre os xavantes, acredito que estamos tomando consciência de que é preciso preservar as tradições e os costumes do nosso povo. Mas isso também serve para todas as etnias. O espírito da força e da criação está em tudo isso. Se um povo não tiver espírito e não preservar suas tradições, pode por tudo a perder. Quem não tiver tudo isso irá desaparecer. Se essa geração nova não se organizar, se não preservar essas tradições, será cada um por si. Eu, por exemplo, não estou acostumado a morar na cidade. Nasci xavante e vou morrer savante.


Publicado em 5/6/2009.

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