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09/09/2011

Lirvo aborda a construção de sentidos sobre o corpo a partir das cirurgias plásticas

Cristiane Albuquerque


O Brasil é um dos líderes mundiais da cirurgia plástica. De acordo com dados divulgados em 2010, pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps, na sigla em inglês), é o terceiro país que mais faz cirurgias plásticas no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Em 2009, foram mais de 1 milhão de procedimentos cirúrgicos. O que motiva a busca pelo corpo perfeito e pela juventude? Como a relação com o corpo é alterada entre os pacientes de cirurgias plásticas? Estas são algumas das questões investigadas pelo pesquisador Francisco Romão, o coordenador do Curso de Pós-Graduação Lato sensu em Ciência, Arte e Cultura na Saúde do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no livro Ciência, arte e cultura no corpo: a construção de sentidos sobre o corpo a partir das cirurgias plásticas, pela editora CRV. A obra trata da construção de sentidos sobre o corpo, do processo de construção de identidade a partir da imagem corporal e da valorização de parâmetros estéticos como definidores das condições de saúde. O lançamento ocorrerá na sessão extraordinária do Centro de Estudos do IOC, na segunda-feira (12/9), às 10h, no Auditório Emmanuel Dias.



Francisco Romão conta como surgiu seu interesse pelo assunto e explica a relação existente entre as cirurgias plásticas e a subjetividade acerca do corpo. “Poderia ter escolhido temas como a anorexia ou a obsessão pela boa forma física, mas escolhi estudar a cirurgia plástica porque essa é a transformação mais significativa, a interferência mais radical que o sujeito pode fazer com o próprio corpo”, destacou. “Atualmente, as pessoas tratam o corpo como um objeto, como algo que pode ser transformado, cortado, ampliado e moldado de acordo com o seu próprio gosto. Então, a cirurgia se revelou o mais adequado para estudar essa subjetividade”, explica o especialista.  “Hoje a beleza é muito mais plural, não existe um padrão único a ser seguido. A idéia é justamente que você pode modelar, pode transformar o corpo. O sujeito, não conformado com o próprio corpo, busca o padrão que lhe convém”, ressalta.


A ótica dos profissionais


Na publicação, Romão analisou o discurso dos profissionais médicos que atuam em cirurgia plástica, disponíveis no site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, e constatou que a maneira como esses especialistas observam o procedimento influencia no modo como o assunto é visto socialmente. “Estes profissionais possuem um grande poder de influência e, de certa forma, a sociedade constrói seu olhar sobre cirurgias plásticas acompanhando o modo como o tema é abordado pelos especialistas. Este olhar, muitas vezes, banaliza a processo cirúrgico. O risco cirúrgico é ignorado e as pessoas acabam enxergando o tema sob esta ótica”, dispara.


Novos valores sobre o corpo


O culto ao corpo, seu papel no meio social e importância no processo de construção da identidade na sociedade atual são alguns dos temas abordados na publicação. De acordo com o pesquisador, esses temas criam novos valores e sentidos, que atuam na construção de uma percepção corporal, colocando em xeque questões éticas que ainda não estão na pauta de discussão no campo da saúde pública. “Nossa sociedade valoriza muito a imagem corporal. Atualmente, existe certa ditadura da beleza, da magreza, da juventude e do vigor. Logo, se você não segue esse padrão está fora do que se espera e acaba sendo cobrado por isso. O indivíduo é quase que obrigado a ter esses cuidados com a saúde, o que ocupa um espaço importante no imaginário social”, diz o especialista. 


Para Romão, neste cenário, saúde e magreza são tratados como sinônimos, como se a condição saudável dependesse única e exclusivamente de estar alinhado aos padrões dominantes de beleza. “Existe uma certa confusão em que ter saúde significa ser magro. As revistas que tratam de saúde, por exemplo, falam de magreza o tempo todo, como se a saúde não estivesse relacionada ao bem estar físico e mental, como se saúde fosse única e exclusivamente estar dentro do padrão de beleza. Muitas vezes, essa busca descontrolada pela magreza acaba acarretando problemas de saúde, como é o caso da anorexia, por exemplo”, alerta o pesquisador. 


Insatisfação X obsessão


Para Romão, a interferência social faz com que os indivíduos criem uma insatisfação em relação ao próprio corpo.  “Na verdade, a maioria das pessoas não está satisfeita com o corpo que tem. Até certo ponto, esta insatisfação é vista como algo comum. Muitas modelos, por exemplo, não estão satisfeitas com o próprio corpo. O problema ocorre quando esta insatisfação extrapola os limites considerados naturais e se transforma em obsessão”, explica.


“Nestes casos, a preocupação com o corpo e com a beleza ultrapassa os limites do natural. Assim, os indivíduos acabam acreditando que não está satisfeito com o próprio corpo é uma questão intima, quando na verdade é uma pressão social que existe sobre ele, que vai, portanto, além de uma questão puramente individual”, sinaliza o pesquisador. Esta preocupação excessiva leva o individuo a recorrer, várias vezes, às cirurgias plásticas como forma de refúgio para resolver seus problemas. “A cirurgia envolve fatores de ordem emocional. A pessoa faz a cirurgia, mas a compulsão e o desejo de mudança continuam e ela não consegue se sentir realizada. A questão não está na cirurgia, sendo, portanto, uma questão emocional. A mudança física não implica necessariamente a mudança desejada, mas a pessoa acredita que a cirurgia terá o dom de resolver suas insatisfações”, conclui Romão.


Publicado em 8/9/2011.

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