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11/10/2011

Livro analisa a relação entre construção de valores e uso de drogas

Fernanda Marques


Quase 20 anos de trabalho com famílias de jovens dependentes de drogas levaram a psicóloga Miriam Schenker a investigar as relações entre valores familiares e uso abusivo de substâncias psicoativas. O estudo teve como base as narrativas de avós, pais e filhos de quatro famílias de classe média atendidas em centros de tratamento para uso de drogas na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com o pressuposto central do trabalho, “os valores vivenciados na dinâmica interna dessas famílias influenciam o desenvolvimento da drogadicção em algum de seus membros”, mesmo porque “os princípios e as práticas de comportamento aprendidos no seio da família constituem, para os familiares, marcos referenciais de ideologia e conduta ao longo de suas vidas”. A pesquisa originou uma tese de doutorado que se transformou no livro Valores familiares e uso abusivo de drogas, publicado pela Editora Fiocuz e que acaba de ganhar sua primeira reimpressão.



A autora tomou o cuidado de não culpabilizar as famílias já tão fragilizadas pelo problema. Pelo contrário: o propósito do estudo é “apontar caminhos para a construção de valores que possam ser saudáveis para as famílias, tendo como consequência fundamental uma influência positiva para a vida social”. Dessa forma, mais do que auxiliar o tratamento do uso abusivo de drogas, a pesquisa busca contribuir para a prevenção do problema. Mais do que oferecer subsídios aos profissionais que trabalham com dependentes de drogas, o livro visa a fortalecer a atuação de profissionais da saúde e da educação que lidam com quaisquer famílias.


Organizado em torno de três eixos – valores familiares, conflito entre gerações e processo educativo –, o trabalho de Miriam enfrenta uma série de questões atuais, como as transformações que a sociedade atravessa hoje em vários níveis. Experimenta-se, por exemplo, a passagem de uma educação autoritária para uma flexibilização das práticas educativas. E, nessa transição, embora não culpabilize as famílias, a autora chama atenção para a crescente permissividade dos pais e a dificuldade que eles enfrentam para impor limites aos filhos. “Os pais adotam uma postura indulgente ou permissiva quanto à colocação de limites e regras para seus filhos, ao mesmo tempo em que questionam sobre qual a melhor forma de educá-los. Numerosas vezes sentem-se culpados ou inseguros. A insegurança desses adultos leva a que tudo ou nada seja conversado sobre as normas de dentro e de fora de casa, acrescida da culpa devido ao pouco tempo de que dispõem para dedicar aos filhos, por causa do trabalho ou por outros motivos”, afirma a pesquisadora.


Temas correlatos analisados por Miriam incluem a exacerbação do consumismo – quando nenhum bem material é negado a filhos e netos; a cobrança de realizações pessoais e profissionais para as quais os jovens não estão preparados ou que eles simplesmente não desejam; a dependência emocional e a infantilização – tanto dos filhos, que não conquistam sua autonomia, como dos pais, desqualificados na hierarquia familiar por avós que criam os netos.


Em resumo, a partir de minuciosa revisão de autores nacionais e internacionais, dedicado trabalho de campo e foco metodológico inovador, baseado na teoria sistêmica, Miriam conta as histórias de quatro famílias, anônimas, identificadas genericamente pelos estilos de seus membros – família Zoar, família Mimar, família Devanear e família Ciumeira. É a partir da riqueza de construção dessas famílias, que “abriram as portas de suas casas e de suas vidas para uma conversa permeada por uma intimidade sofrida”, que a autora analisa como a criação de crianças e adolescentes influencia a aquisição dos valores familiares e como essa questão, por sua vez, pode se relacionar com o uso de drogas.


O livro não dá espaço para o determinismo, ou seja, não se deve falar de uma relação causal direta onde um determinado tipo de criação familiar conduz ao uso de drogas. Porém, o trabalho de Miriam busca “ressaltar que as vivências são tecidas no cotidiano de cada família, geração após geração, e chamar a atenção para a força de determinados comportamentos, atitudes e práticas no interior das culturas familiares que dão forma aos seus valores, influenciando o uso de drogas por parte de alguns de seus membros”.


Publicado em 11/10/2011.

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