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29/05/2009

Método de avaliação nutricional de adolescentes garante parto mais seguro

Informe Ensp


Coordenadora do Centro Colaborador de Alimentação e Nutrição da região Sudeste (Cecan), Denise Cavalcante Barros acaba de defender sua tese de doutorado na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), na qual avaliou o estado nutricional de gestantes adolescentes no Rio de Janeiro. Além de diagnosticar a situação nutricional desse grupo, a pesquisadora, em entrevista, comenta os riscos que o sobrepeso pode trazer para a gravidez e apresenta um modelo mais adequado para avaliar gestantes adolescentes. 


 Pesquisadora avaliou o estado nutricional de gestantes adolescentes no Rio de Janeiro 

Pesquisadora avaliou o estado nutricional de gestantes adolescentes no Rio de Janeiro 


Quais foram os resultados obtidos na sua tese de doutorado sobre o estado nutricional das gestantes adolescentes no Rio de Janeiro? 

Denise Cavalcante Barros:
Antes de tudo, é preciso esclarecer que as pesquisas nacionais revelam um aumento de sobrepeso/obesidade sobretudo nas classes sociais mais baixas, em que o acesso à informação é mais precário. Os resultados da minha tese, para a qual estudei o consumo alimentar de gestantes adolescentes, mostram que as gestantes mais jovens dessa classe têm uma alimentação mais restrita em relação ao consumo de leite e seus derivados, ao consumo de frutas e verduras, ao feijão. Esses são justamente os alimentos que fazem parte de uma alimentação saudável, e não são consumidos com tanta frequência e em quantidades insuficientes.


Hoje, temos tendência ao aumento do consumo de refrigerantes e massas, principalmente o macarrão. Portanto, há uma substituição do antigo feijão com arroz pelo macarrão, por exemplo. Há também a substituição do antigo lanche da tarde, que era um café com leite e pão, pelo refrigerante e salgadinhos. Essa tendência de consumo vem acontecendo em toda nova geração, e é uma preocupação nacional. Temos que trabalhar a promoção da alimentação saudável nas escolas e outros locais que possam atingir esses jovens.


Quais os riscos desse sobrepeso para a gravidez?

Denise:
Quando as grávidas começam a gestação com sobrepeso ou quando têm um ganho excessivo de peso durante a gestação, isso normalmente está ligado ao nascimento de bebês macrossômicos (que pesam mais de 4kg ao nascer) e outros desfechos obstétricos desfavoráveis. Da mesma forma, as que ganham pouco peso têm maior chance de ter bebês com baixo peso. O método de avaliação nutricional que o meu estudo sugere como mais adequado para gestantes adolescentes permite identificar melhor as jovens que têm ganho de peso excessivo, ou que começaram a gestação com sobrepeso e obesidade.

Se o ganho de peso for controlado, é possível um melhor desfecho obstétrico tanto para o bebê quanto para a mãe adolescente. Um bebê macrossômico pode trazer complicações no parto, além do risco de infecções. O estudo encontrou que o ganho de peso excessivo esteve relacionado a uma maior proporção de partos cesáreos. Isso mostra que há um desfecho desfavorável.


Qual foi a metodologia utilizada na tese? Como chegaram ao melhor método de avaliação para o estado nutricional na gravidez de adolescentes?

Denise:
O estudo faz parte do subprojeto de um projeto bem maior, coordenado pela pesquisadora Maria do Carmo Leal, para o qual foi feito um estudo da morbimortalidade da atenção peri e neonatal com gestantes adultas e adolescentes, de 1999 a 2001, no município do Rio de Janeiro. Os dados desse estudo têm enorme relevância para este campo e resultaram em cerca de 16 teses de doutorado e dissertações de mestrado e uma edição especial da revista Cadernos de Saúde Pública - CSP. A partir do estudo, a professora Silvana Granado realizou pesquisa apenas com gestantes adolescentes. Minha tese foi em cima desse recorte. Fiz uma avaliação antropométrica (de peso e estatura) para observar como o peso pré-gestacional e o ganho de peso dessas gestantes se associou aos desfechos obstétricos, entendendo esse desfecho - o peso no nascimento das crianças e aspectos relacionados à mulher - como a situação do parto, a idade gestacional, o risco de doenças, fatores socioeconômicos, dentre outros.


Minha tese resultou em três artigos. Em um deles, fiz uma revisão sistemática que objetivou a identificação de métodos de avaliação nutricional de gestantes adotados no Brasil e sua associação com os desfechos obstétricos. Nesse caso, identificamos estudos brasileiros sobre avaliação antropométrica de gestantes para observar quais os métodos utilizados para diagnóstico nutricional de gestante. No entanto, encontramos poucas pesquisas em relação a isso. Elas tinham desenhos metodológicos frágeis e muitos questionamentos com relação aos métodos utilizados.


O segundo artigo buscou verificar a associação das características maternas e os resultados obstétricos com o ganho de peso gestacional. Nesse estudo, observamos que, quanto mais jovem, a situação de ganho de peso dessa gestante é pior, com tendência para a maior proporção de sobrepeso.


Outro resultado demonstra que as jovens que iniciaram a gestação com diagnóstico de sobrepeso e obesidade tiveram um ganho de peso excessivo. Isso revela uma associação de que as mulheres que começam a gravidez com sobrepeso têm tendência a ganhar peso excessivo durante a gestação.


E como esse sobrepeso/obesidade foi constatado?

Denise:
Há um método proposto pelo Ministério da Saúde para fazer a avaliação nutricional de gestantes, mas não existe um método próprio para a gestante adolescente. Alguns autores orientavam que se fizesse o Índice de Massa Corporal (IMC) pré-gestacional para adolescentes. As adolescentes ainda estão em fase crescimento, tem metabolismo diferenciado, estão num outro ritmo de formação fisiológica, biológica e até comportamental se comparadas às mulheres adultas. Começamos a testar esses métodos. Utilizamos a proposta internacional do Institute of Medicine (IOM), recomendada pelo MS. Ainda usamos o IMC pré-gestacional proposto pela Organização Mundial da Saúde em 1995, específico para diagnóstico do adolescente.


Mais recentemente, um método de avaliação nutricional antropométrico pré-gestacional proposto pela OMS (2007) se mostrou mais próximo da velocidade de crescimento dessas adolescentes. Comparamos esses três métodos e concluímos que o método proposto pela OMS (2007) supera o método do IOM (1990; 1992) na identificação do risco para o nascimento de crianças macrossômicas entre as adolescentes, sem perder de vista aquelas com risco de baixo peso ao nascer. Esses são resultados importantes que podem ajudar a área de alimentação e nutrição do MS a nortear políticas. Não há nenhum estudo nacional sobre isso. Essa é uma pesquisa pioneira.


De que maneira esses achados podem contribuir para uma melhor política do Ministério da Saúde?

Denise:
Diante do aumento da obesidade, em particular nos grupos mais jovens da população, recomenda-se a adoção de pontos de corte específicos para adolescentes no diagnóstico nutricional prévio de gestantes adolescentes, a fim de proporcionar uma melhor classificação para o ganho de peso dessas jovens durante a gestação. Esses achados são importantes porque ajudam o MS a definir melhor essa política de avaliação do estado nutricional de gestantes adolescentes, uma vez que não existe nenhum estudo nacional que compare esses métodos. Internacionalmente isso tem sido feito. Os métodos têm sido questionados, e há os indicativos de que deve ser feita uma avaliação pré-gestacional da adolescente diferenciada para cada faixa etária desse período da vida. Esse é um resultado espetacular e que carece de novas pesquisas.


Enfim, se há o aumento do sobrepeso/obesidade nas faixas etárias mais jovens e temos um método que permite identificar isso de maneira precoce, torna-se possível acompanhar melhor o ganho de peso dessa gestante e identificar se ela está iniciando a gravidez com sobrepeso. O uso desse método favorece a um melhor acompanhamento e controle dessa epidemia de obesidade que já está estabelecida


E em relação à saúde dessas gestantes? Quais foram as conclusões?

Denise:
Sabemos que a mulher tem uma tendência grande a retenção de peso pós parto, e a adoção deste método também pode favorecer esses casos. Entre as adolescentes, também é observado um curto intervalo entre as gestações. O diagnóstico nutricional pelo método internacional adotado até então no Brasil classifica como peso adequado uma boa proporção de gestantes adolescentes, que, na verdade, têm baixo peso ou sobrepeso. Daí, quando programamos o ganho de peso, com certeza ela irá ganhar mais peso do que o normal, podendo gerar um bebê macrossômico, com tendência à obesidade em sua vida futura. E isso vira um ciclo vicioso.


O Ministério da Saúde já incorporou esse modelo de avaliação?

Denise:
Sim. Durante o último ano participamos de reuniões com o MS e está sendo republicado um Manual do SISVAN: Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde, com as orientações específicas para gestantes adolescentes. No entanto, não há estudos nacionais que o comprovem, apesar de sabermos que é o método mais próprio para adolescentes. Precisamos de pesquisas que reavaliem, em particular, as faixas de peso recomendadas pela IOM (1990) e adotadas pelo MS para as gestantes, inclusive as adolescentes. Precisamos considerar os diferentes aspectos, pois nossas adolescentes sofrem muito mais por estarem vulneráveis a diversas questões socioambientais do nosso país.


Há algum índice sobre o número de adolescentes grávidas no país?

Denise:
Houve uma época em que a gravidez na adolescência aumentou muito. Ela ainda é uma preocupação grande, mas houve certa diminuição dessa tendência. No Brasil, resultados da PNDS (2008) mostram isso. Houve redução no sudeste e no sul, mas as regiões norte e nordeste estão estagnadas. Acredita-se que essa mudança vem acontecendo por conta de um maior acesso à informação, aos serviços de saúde, nas áreas mais favorecidas. (Brasil. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher: 2006. Brasília: Ministério da saúde; 2008.)


O jovem hoje passa a ter um acesso maior à informação, seja pela televisão, pelo rádio, pela internet. Minha perspectiva é olhar como a informação é importante para essas gestantes adolescentes. Além do cuidado no pré-natal, o acesso à informação é importante para que elas possam ser saudáveis e romper com esse ciclo que está se estabelecendo. Assim, com objetivo de dar continuidade às pesquisas nesse campo, continuo a participar do grupo de pesquisa materno-infantil coordenado pelas pesquisadoras Maria do Carmo Leal e Silvana Granado, que, recentemente, desenvolveram uma pesquisa de avaliação da qualidade e da efetividade da assistência pré-natal na rede SUS do município do Rio de Janeiro, com ênfase na gestante adolescente.


Publicado em 22/05/2009.

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