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11/02/2011

Métodos alternativos ao uso de animais em pesquisa concedem prêmio à Fundação

Pablo Ferreira


Medicamentos injetáveis, caso contaminados por bactérias, vírus ou substâncias tóxicas, podem até levar a morte. Hoje, os testes para detectar contaminação nesses medicamentos utilizam coelhos. No futuro, os animais poderão ser substituídos por amostras de sangue humano. “Provou-se que o sangue humano conservado por meios específicos de congelamento detecta a mesma quantidade de contaminação que os testes em coelhos, o que sugere a dispensa de seu uso no futuro”, o biólogo Octavio Presgrave, pesquisador do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz). O trabalho recebeu uma menção honrosa na 24ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada em Águas de Lindóia (SP).


 Pode-se gastar até R$ 3 milhões para se validar uma técnica nova. No entanto, uma vez validadas, as metodologias alternativas apresentam custos que chegam a ser 70% menores

Pode-se gastar até R$ 3 milhões para se validar uma técnica nova. No entanto, uma vez validadas, as metodologias alternativas apresentam custos que chegam a ser 70% menores


Este é apenas um exemplo das pesquisas que o INCQS desenvolve há mais de 20 anos com o objetivo de minimizar o uso de animais de laboratório. No Brasil, a discussão sobre o uso de animais de laboratório ainda era incipiente no final dos anos 1980. Inspirados nos debates que já ocorriam no exterior, cientistas do Instituto da Fiocruz começaram a estudar o assunto. Assim, já em 1989, publicavam um primeiro artigo que propunha a redução de 80 para apenas seis ratos em um teste de toxicidade em medicamentos e saneantes.


De lá para cá, multiplicaram-se os trabalhos na área. Hoje, a investigação de métodos alternativos no INCQS envolve os departamentos de Imunologia e Farmácia e Toxicologia. Um dos projetos visa substituir os coelhos nos testes que avaliam a irritação causada por medicamentos e cosméticos, principalmente colírios e xampus. Os métodos alternativos usam sangue de carneiro e ovo de galinha (mais especificamente uma membrana do ovo chamada corioalantóide). “Verificamos que a membrana corioalantóide sofre os mesmos efeitos vasculares observados na mucosa do olho humano, quando em contato com os produtos estudados”, relata a médica veterinária Rosaura Presgrave. No caso do sangue de carneiro, alterações em proteínas sanguíneas e o rompimento das células vermelhas indicam o potencial de irritação dos produtos. “Nossos resultados indicam que ambas metodologias são promissoras para a substituição do coelho”, completa. O trabalho também recebeu menção honrosa na 16ª Reunião Anual de Iniciação Científica da Fiocruz, em 2009.


E os exemplos não param por aí. O Departamento de Imunologia do INCQS é o que mais exige testes em animais, necessários ao controle de qualidade de vacinas (como a tríplice bacteriana), medicamentos biológicos (como a eritropoietina, usada por pacientes renais) e soros hiperimunes (como antirrábico e antiofídicos). Para reduzir o número de animais, o departamento desenvolve alternativas que incluem métodos estatísticos e técnicas alternativas.


Em 1997, a bióloga Catia Inês Costa começou a trabalhar com kits comerciais do tipo Elisa (o mesmo utilizado para detecção do vírus HIV, dentre outros) para avaliar a potência de vacinas contra a hepatite B. Tradicionalmente, a avaliação da potência é feita por meio da inoculação da vacina em camundongos, que, posteriormente, têm seu sangue analisado quanto à presença de anticorpos contra a doença. Gradativamente, Catia foi substituindo o ensaio in vivo pelo in vitro, até que, em 2002, não precisava mais dos animais. “Com isso, estamos evitando o sacrifício de cerca de 4 mil camundongos por ano”, destaca a pesquisadora. Em 2009, aproveitando o trabalho desenvolvido desde 1997, Catia otimizou e validou uma metodologia que emprega o mesmo princípio dos kits Elisa comerciais. “Isso abre a possibilidade de, no futuro, essa metodologia ser empregada para a avaliação da potência da vacina contra a hepatite B, sem a necessidade de comprar os kits comerciais”, afirma a bióloga.


Já o médico veterinário Wlamir Moura tem trabalhado com métodos estatísticos. Ele fez uma análise retrospectiva dos ensaios de potência para a vacina contra a raiva. O objetivo era avaliar os efeitos da redução no número de camundongos sobre a precisão dos resultados. “A conclusão foi positiva”, resume. Isto é: os resultados eram precisos mesmo com um número menor de animais.


Tanto empenho tem reconhecimento nacional e internacional. Em 2009, pela primeira vez, dois representantes do INCQS, o biólogo Octavio Presgrave e o médico veterinário Wlamir Moura, foram convidados como palestrantes no mais importante evento da área: o 7º Congresso Internacional sobre Alternativas ao Uso Animal nas Ciências da Vida, realizado em Roma.


Em 2010, pesquisadores da Fiocruz organizaram o 2º Encontro sobre Métodos Alternativos ao Uso de Animais para Fins Regulatórios (Emalt), com participação de pares do Brasil e do exterior, e de representantes da indústria. “O evento, que ocorreu em dezembro, teve como objetivos disseminar a importância dos métodos alternativos; estreitar os laços com grupos que trabalham com o tema; e o mais importante: realizar uma discussão com os setores envolvidos sobre a aceitação regulatória dos métodos alternativos”, afirma a vice-diretora de Vigilância Sanitária do INCQS, Isabella Delgado.


Nesse contexto, o financiamento é uma questão central, não só para a realização do Emalt, mas também para a continuidade e o avanço das pesquisas em métodos alternativos. Para se ter uma ideia, segundo os pesquisadores, pode-se gastar até R$ 3 milhões para se validar uma técnica nova. No entanto, uma vez validadas, as metodologias alternativas apresentam custos que chegam a ser 70% menores, além da economia relacionada a gastos com a manutenção de animais e a infraestrutura de biotérios.


“Sempre que podemos, nós substituímos os animais ou estudamos formas de substituí-los. Quando, no entanto, isso não é possível, buscamos minimizar sua dor e estresse, enriquecemos o ambiente onde vivem e aprimoramos métodos estatísticos para evitar novos testes”, explica Octavio Presgrave. “Por hora, há áreas em que os métodos alternativos não são possíveis. Nesse caso, seu uso é indispensável”, lembra Isabella.


Publicado em 10/2/2011.

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