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12/02/2010

Mulheres idosas acreditam que mamografia é desnecessária

Informe Ensp


Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de mama é provavelmente o mais temido pelas mulheres devido à sua alta frequência e, sobretudo, pelos efeitos psicológicos que afetam a percepção da sexualidade e a própria imagem pessoal. Ainda de acordo com informações do instituto, é o tipo de câncer que mais causa mortes entre as mulheres. O Documento de Consenso para Controle do Câncer de Mama, elaborado a partir de uma oficina de trabalho organizada pelo Ministério da Saúde/Inca em 2003, descreve que as formas mais eficazes para detecção precoce dessa neoplasia são: o exame clínico da mama (ECM) e a mamografia. No entanto, grande parte das mulheres idosas nunca se submeteu ao exame. Os motivos? Não achar necessário, não ter recebido recomendação médica e ter sentimentos negativos em relação ao exame, tais como medo, vergonha, restrição a dor etc. O estudo que buscou essas respostas foi desenvolvido pela aluna do programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Cristiane de Oliveira Novaes, em Juiz de Fora (MG). Ela, que é psicóloga, falou ao Informe Esnp a respeito da pesquisa, que resultou em sua tese de doutorado.


 Cristiane: A mulher precisa entender que ela não deve procurar o serviço de saúde só quando houver alguma alteração ou algum nódulo. O exame deve ser parte de sua rotina (Foto: Virginia Damas/Ensp)

Cristiane: A mulher precisa entender que ela não deve procurar o serviço de saúde só quando houver alguma alteração ou algum nódulo. O exame deve ser parte de sua rotina (Foto: Virginia Damas/Ensp)


De acordo com os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a queda combinada das taxas de fecundidade e mortalidade no Brasil vem ocasionando uma mudança na estrutura etária, com a relativa diminuição da população mais jovem e o aumento proporcional dos idosos. Os dados revelam uma necessidade maior de pesquisas e políticas de atenção à saúde da pessoa idosa. Como iniciou seu trabalho?


Cristiane Novaes: Sou psicóloga, fiz mestrado em envelhecimento na Uerj e venho trabalhando na área desde o início da minha trajetória profissional. O que sempre me interessou no campo da saúde foi a questão do comportamento dos indivíduos e sua relação com o autocuidado, a busca pelos serviços de saúde, os fatores de risco presentes no estilo de vida. A partir daí, realizamos um projeto que tinha como objetivo avaliar o acesso à saúde pelas pessoas idosas.


Mas por que isso? À medida que envelhecemos, normalmente nos tornamos mais vulneráveis a doenças e, portanto, indivíduos acima dos 60 anos, quando comparados a indivíduos jovens, apresentam mais morbidade e por isso maior risco de perda de funcionalidade e qualidade de vida. O perfil de adoecimento da população idosa caracteriza-se por alterações de longa duração, que requerem atendimentos especializados, contínuos, complexos, multidisciplinares e contemplem a dimensão subjetiva. Isso implica não só na necessidade de avaliação e reestruturação dos serviços mas também em um planejamento que valorize as ações preventivas.


Como foi desenvolvido o estudo sobre o acesso aos serviços de saúde? Os idosos procuram os serviços?


Cristiane: Primeiro, optamos por analisar os determinantes relacionados à dificuldade de acesso aos serviços de saúde, comparando homens e mulheres idosos no município de Juiz de Fora, uma cidade de médio porte de Minas Gerais, que tem uma população de 11% de idosos de acordo com o último Censo (2000). Imaginamos que o número de idosos tenha aumentado daquele ano para cá. Então, quando verificamos os fatores relacionados ao acesso, percebemos que para os homens, o acesso limitado foi associado ao uso do serviço público de saúde, autoavaliação negativa da saúde, problemas no uso dos serviços de saúde e internação hospitalar no último ano. Para as mulheres, o acesso limitado foi associado a problemas no uso dos serviços, autoavaliação negativa da saúde e uso do serviço público de saúde. O interessante é que a partir do mesmo estudo foi possível perceber que as mulheres se declaram mais doentes, declaram mais morbidade, usam mais os medicamentos, declaram que foram mais ao médico. Em contrapartida, os homens são mais resistentes nessa busca pelo serviço de saúde. Eles vivem menos, se internam mais, e as doenças que os acometem vêm de forma mais aguda por causa dessa ausência de prevenção e autocuidado. A alta prevalência de hospitalizações entre os homens sugere que há uma possível desigualdade de acesso entre os sexos, resultando em maior risco de morbimortalidade para o grupo masculino. A partir dessas informações nos perguntamos: se as mulheres percebem mais essa mudança no estado de saúde e vão mais ao médico, como isso funciona em relação aos exames preventivos como Papanicolaou, mamografia, exame clínico de mama?


Como mencionou anteriormente, o estudo foi desenvolvido em um município com elevado número de idosos. Quais foram os resultados encontrados?


Cristiane: Foram entrevistadas 4.621 mulheres, com idade entre 60 e 106 anos, a maior parcela viúvas (51,8%), com até 4 anos de estudo (53,8%), e 80% com renda de até 3 salários mínimos e 66% usuárias dos serviços públicos de saúde, 86% fizeram exame de Papanicolaou e 80,9% fizeram exame clínico das mamas. Concentramos-nos no exame de mamografia e Juiz de Fora apresentou um quadro relativamente favorável, com uma prevalência de 72% de idosas que fazem o exame, e ainda assim foi o menos reportado. Trata-se de um número alto, e estamos falando de uma cidade que sempre teve campanhas e projetos voltados para a população idosa.


Por outro lado, esses mesmos números mostram que temos quase 30% de idosas que nunca fizeram a mamografia e, paralelamente a isso, sabemos que é o tipo de câncer que mais causa mortes entre mulheres, em especial as idosas. Fora o aumento da mortalidade nas últimas décadas. Note que estamos falando de uma neoplasia que possui mecanismos de detecção precoce e tratamento eficaz. Portanto, de uma maneira coloquial, podemos dizer que não deveria matar tanto. Por mais que a mulher tenha mais chances de ter o câncer, adotando os exames de detecção precoce, não deveria morrer o número de mulheres que estão morrendo.


O que leva as mulheres idosas a não fazerem o exame?


Cristiane: O fato de serem usuárias do serviço público de saúde, baixa escolaridade, baixa renda, não serem casadas, serem mais idosas e uma série de outras coisas. Com relação a este último aspecto, é justamente acima dos 70 anos que o risco de não fazer o exame é maior, além de ser a idade em que se morre mais. Temos um marco etário com relação aos 70 anos, pois a idade que apresenta maior mortalidade é a mesma em que não se faz o que deve ser feito, ou seja, a mamografia.


A partir daí, fizemos uma análise mais profunda sobre essas mulheres e sobre os motivos de não fazer o exame. Por mais que a literatura aponte alguma coisa nesse sentido, tomei um susto pelo ambiente da pesquisa. Estamos falando de um lugar que possui uma elevada parcela da população envelhecida e tem tradição em campanhas de saúde. Mesmo assim, mais da metade das pessoas que declararam não fazer o exame disseram que não fazem simplesmente por não achar necessário! Perceba o seguinte: se em um ambiente como Juiz de Fora tenho mais da metade das mulheres dizendo que não acha necessário fazer o exame, o que deve acontecer em outros locais?


Fora isso, a segunda razão mais declarada por elas é que o médico não pediu a realização da mamografia. Isso nos leva a concluir o seguinte: nem os médicos nem as mulheres acham o exame necessário! Portanto, dessas pessoas que não fazem o exame (cerca de 30% na amostra de Juiz de Fora), vemos que mais de 90% acham que não devem fazer. Isso foge completamente aos padrões epidemiológicos observados. Tanto mulheres quanto os médicos deveriam achar necessário.


O fato de não acharem necessária a realização da mamografia está diretamente relacionado à idade dessas mulheres?


Cristiane: Desde 2003, Estados Unidos e Europa afirmam que o limite de idade não é suficiente para determinar se a mulher deve fazer ou não o exame. Antes havia limites de idade dependendo da política adotada na região. No entanto, desde 2003, esse critério vem sendo discutido e considerado insuficiente para tornar uma mulher elegível para fazê-lo ou não. Se a expectativa de vida aumentou, se tenho uma maior população idosa, posso ter mulheres de 80 anos saudáveis, bem de saúde, ativas e com uma boa qualidade de vida. Se elas tivessem que descobrir um câncer, que fosse na fase inicial, e isso só acontece com a realização do exame.


Em outra pergunta, houve menção aos Estados Unidos e a Europa. Como funciona a política no Brasil?


Cristiane: O Ministério da Saúde/Inca, por meio do documento de consenso, recomenda em relação ao ECM que seja incluído na atenção integral à mulher em todas as faixas etárias, e, a partir dos 40 anos, deve ser realizado anualmente. A mamografia é considerada a principal estratégia de detecção precoce por ser capaz de mostrar lesões muito pequenas, ainda em fase inicial. Para o rastreamento mamográfico, a estratégia preconizada no Consenso, para mulheres assintomáticas entre 50 e 69 anos, é a realização do exame pelo menos a cada dois anos, sendo garantido o acesso a exames diagnósticos, ao tratamento e ao seguimento das alterações encontradas. O documento contempla também o desenvolvimento de ações de educação para a saúde que incluam o conhecimento do corpo e o autoexame das mamas, desde que ele não substitua o exame físico realizado por profissional de saúde treinado para essa atividade (Ministério da Saúde, 2004).


A mamografia é realizada em um aparelho de raio X apropriado, denominado mamógrafo. Nele, a mama é comprimida de forma a fornecer melhores imagens e, portanto, melhor capacidade de diagnóstico. O desconforto provocado é suportável.


A recomendação apontada pela nossa política é clara ao apontar que a mamografia deve ser feita entre mulheres de 50 e 69 anos. Quando se tem uma política que estabelece dados tão claramente, sabe-se que ela não está proibindo que se faça o exame fora dessa idade, mas ela corrobora e dá fundamento para o médico não pedir após determinada idade. Então, por mais que se saiba que não é uma recomendação rígida que restrinja à prática, de forma teórica ela restringe sim, e isso depende do entendimento do profissional sobre o envelhecimento da mulher e sua saúde. Como é uma idade em que pode haver outras alterações, como nas taxas de colesterol e glicose, hipertensão arterial etc., a mamografia fica para segundo plano. Mas ela não pode ser esquecida, pois as mulheres estão morrendo de câncer de mama.


Como foi realizada a coleta desses dados?


Cristiane: Como queríamos trabalhar apenas com a população idosa que tivesse alguma proximidade com os serviços de saúde locais, algum acesso ao serviço público e, além disso, conhecimento de campanhas e informações sobre atitudes preventivas no campo da saúde, fizemos um planejamento para coletar os dados no momento da Campanha Nacional de Vacinação contra a Gripe. Isso porque precisávamos de pessoas idosas que tinham acesso ao serviço de saúde em alguma medida e se cuidavam de alguma forma. Como se trata de uma campanha para idosos, feita na rede pública e que envolve medidas preventivas, realizamos os questionários nesse período.


Qual o perfil dessas idosas? Até que ponto o fato de não possuírem um companheiro afeta a não realização do exame?


Cristiane: Idade mais avançada, baixa escolaridade e a ausência de relação conjugal foram fatores de risco para a não utilização de mamografia. A maior parte das mulheres é viúva. As solteiras e as divorciadas têm um risco maior de não fazer o exame. O estado conjugal está associado, sim, mas temos uma distorção de informação grande. Muitas acham que não é importante realizar o exame porque não possuem uma vida sexual ativa, porque nunca foram casadas, porque já passaram pela menopausa. Essa associação deve ser interpretada com o olhar voltado para a nossa cultura e para as funções sociais e biológicas atribuídas às mulheres que, necessariamente, passam pela questão corporal. Ou seja, a mulher dotada de capacidade reprodutiva na maior parte de sua vida, nessa fase do desenvolvimento, perde essa função, perde o companheiro e, não raro, deixa de se ocupar de tudo que permeava essa relação anteriormente para cuidar de um "novo" corpo e de novas demandas que o envelhecimento biológico impõe ao instaurar outras patologias. O seio é uma parte do corpo associada às funções maternas e eróticas ao longo da vida. A partir do momento que se 'perde' essas funções de alguma forma, ele deixa de ser alvo de cuidado ou atenção. Esses relatos mais detalhados chamaram muito a nossa atenção na pesquisa.


A tese aponta alguma saída para esse quadro?


Cristiane: Eu não falo em culpa porque se trata de um processo muito recente esse desencadeado pelo envelhecimento populacional e pelo aumento da expectativa de vida. Os padrões de morbi-morbidade vão mudando com o tempo, principalmente quando falamos em envelhecimento da população brasileira. Portanto, gosto de pensar que se trata de um processo que precisa de ajustes, mas não há como negar que um grande ponto que precisa de intervenção é o educacional. Por parte das mulheres, há uma distorção do conhecimento do que é uma neoplasia de mama, seus fatores de risco, os cuidados necessários. A mulher precisa entender que ela não deve procurar o serviço de saúde só quando houver alguma alteração ou algum nódulo, a busca pelo exame, pelo médico, deve ser parte de sua rotina, ainda que se sinta bem. A educação voltada para mulher é fundamental. Mulheres idosas têm menos conhecimento sobre a detecção precoce do câncer de mama, menor percepção de suscetibilidade e mais barreiras para usar esse tipo de serviço se comparadas com as mais jovens.


Outro ponto que precisa ser contemplado é a educação/atualização dos profissionais de saúde e, mais claramente, do médico, principal agente nessa relação. É papel dele pedir exames e acompanhar a paciente. A noção de risco precisa ser mais bem refletida pelos profissionais que têm acesso e cuidam dessas mulheres. Nessa situação, a decisão médica é determinante para a realização ou não do exame. Estudos apontam que dentre as razões que inibem a recomendação por parte dos médicos se incluem os custos do exame, a validade dos resultados, o desconforto e/ou a recusa da paciente, esquecimento, baixa aceitação e incerteza sobre as recomendações.


É necessária a reflexão acerca da organização dos serviços de saúde, da formação dos profissionais, da educação em saúde para a população do país. Foi possível observar no desenvolvimento desse estudo que existem falhas importantes na comunicação em saúde, nas bases de dados públicas disponíveis, no entendimento que a população idosa tem sobre o autocuidado e, ainda, na política de controle do câncer de mama vigente. Em síntese, nem os serviços de saúde, nem as políticas de saúde existentes hoje no Brasil parecem contextualizadas com a população e com as demandas que se apresentam.


O envelhecimento é muito heterogêneo. Posso pegar um grupo de mulheres de 70 anos e elas serem muito diferentes dentro desse mesmo grupo. Como saída para esse quadro em que vivemos, vejo a necessidade de uma discussão sobre o envelhecimento, sobre a noção de risco e um planejamento voltado para a educação dessa população e dos profissionais de saúde. São algumas saídas. Se tudo ficar como está, teremos uma situação complicada. Se, em uma cidade que desenvolve ações e programas de saúde para a população idosa, há um desencontro de informações e mulheres que não veem a importância da realização do exame, imagine o que deve acontecer em outras regiões?


Publicado em 12/2/2010.

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