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12/04/2006

O desafio dos mosquitos transgênicos

Wagner de Oliveira


 Luciano Moreira (Foto: Arquivo CPqRR)

Luciano Moreira (Foto: Arquivo CPqRR)

A meta de controlar a malária acaba de ganhar um novo alento com a criação de exemplares de mosquitos transgênicos ou geneticamente modificados incapazes de transmitir o parasita causador da doença. Pesquisadores do Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR), unidade da Fiocruz em Minas Gerais, conseguiram introduzir uma alteração genética no mosquito da malária que o tornou imune ao parasita causador da doença, que em 2005 teve 591 mil novos casos registrados no Brasil.


Em entrevista, o doutor em genética Luciano Moreira, que coordena a equipe que conduz os experimentos, fala sobre as novas fronteiras que podem ser abertas com os vetores transgênicos. Um mosquito transgênico imune ao vírus do dengue e um barbeiro incapaz de transmitir a doença de Chagas são exemplos.


 


Mas há outros caminhos apontados para a pesquisa com os mosquitos modificados geneticamente. Uma das possíveis abordagens seria a introdução de genes que também tornariam as fêmeas transgênicas de mosquitos vetores de doenças capazes de colocar mais ovos, viver mais, tendo assim uma vantagem adaptativa sobre os mosquitos selvagens que transmitem doenças.


Agência Fiocruz de Notícias: As pesquisas que seu grupo vem conduzindo também seriam aplicáveis ao mosquito do dengue. A estratégia de pesquisa é a mesma? Em que fase está a pesquisa com o mosquito transgênico imune ao vírus do dengue?


Moreira: Sim, a estratégia de manipulação genética é a mesma, somente o gene de bloqueio que iremos colocar no mosquito vetor é que seria diferente, seria um antiviral, por exemplo. Acaba de sair uma publicação na revista americana PNAs sobre mosquitos transgênicos que bloqueiam o vírus do dengue. Lembrando que todos estes trabalhos são em estágio de laboratório. Não pretendemos trabalhar com dengue, mas o trabalho envolveria a inserção de um gene no mosquito que faria com que, ao nível de intestino, ele bloqueasse o vírus. Em um trabalho recente um grupo dos Estados Unidos produziu Aedes aegypti resistente ao dengue-2 via silenciamento de uma proteína essencial do vírus.


AFN: A mesma estratégia pode ser aplicada a outros mosquitos transmissores de doenças? E pode, da mesma forma, ser concebível na criação de outros insetos vetores de doenças transgênicos, como o barbeiro da doença de Chagas, ou mesmo um artrópode, como o carrapato transmissor da febre maculosa? Já há pesquisas nesse sentido pelo mundo? Podia citar alguns exemplos?


Moreira: Com certeza. O que precisa ser feito é a adaptação da técnica de microinjeção para cada espécie de vetor que quisermos transformar. A técnica envolve a utilização de capilares de quartzo para a injeção de DNA nos ovos (embriões) dos mosquitos e é realizada com um microscópio, um micromanipulador e um microinjetor.


Para você ter uma idéia, no nosso caso levamos dois anos para adaptarmos a técnica para Aedes fluviatilis e fazer funcionar. Para o barbeiro já se tentou fazer a paratransgenese, que é a transformação de bactérias que vivem no intestino do inseto e com isto elas produziriam alguma substância de bloqueio ao Trypanosoma, por exemplo. Mas a pesquisa não foi para frente.


AFN: Em 2000, pesquisadores europeus publicaram o primeiro estudo envolvendo a criação de um mosquito transgênico. Tratava-se também de um vetor da malária. Em que estágio está esta pesquisa?


Moreira: Já se conseguiu transformar Anopheles stephensi (vetor de malária na Índia), Anopheles gambiae (da África) e Anopheles albimanus (México) e Aedes aegypti (dengue e febre amarela). Já se conseguiu mostrar que anofelinos transgênicos podem bloquear a malária de roedores, mas ainda não se mostrou o bloqueio sobre a malária humana.


AFN: Um dos problemas em relação aos mosquitos transgênicos é a necessidade de comprovação de que não oferecerão problemas ao ambiente ou aos humanos. Quais são alguns desses possíveis problemas?


Moreira: Terem a mesma capacidade reprodutiva, capacidade de se dissiparem na natureza e temos que ter certeza de que não venham a ser vetores de outras doenças que não a malária, apesar de não haver nenhum embasamento cientifico para isto.


AFN: Como seria a substituição, na natureza, dos mosquitos que transmitem a malária pelo vetor transgênico imune ao parasita da doença? Eles seriam simplesmente soltos em áreas endêmicas e depois de algum tempo prevaleceriam em relação aos mosquitos que transmitem a doença?


Moreira: Uma idéia é de ser utilizado um elemento de transposição ativo que faria que, além de o gene ser transferido via genética mendeliana, o transposon, conhecido como gene saltador, também se movimentaria no genoma do inseto e, com isto, a disseminação seria muito mais rápida. Se os transposons se inserirem em mais de um lugar do genoma e se eles forem ativos, isto é, pularem de um lugar para outro, a chance deles serem passados para a outra geração é maior do que se seguisse a genética normal de recombinação, que ocorre com um gene de cópia única e que seja estático no genoma, seguindo a genética mendeliana.


AFN: Da mesma forma que contribuiu para a criação de um mosquito imune ao parasita da malária, a genética pode ajudar na inserção de outras características que o "ajudem" a prevalecer e superar na natureza os mosquitos que transmitem o parasita da doença?


Moreira: Sim! Uma idéia seria a de que, além de colocarmos um gene de bloqueio, colocarmos também um gene para que as fêmeas colocassem mais ovos, vivessem mais, tendo uma vantagem adaptativa sobre o mosquito selvagem.


AFN: As informações genéticas inseridas nos primeiros mosquitos transgênicos que criaram - especificamente o gene inserido artificialmente que impede o desenvolvimento do parasita no mosquito - estão passando de uma geração a outra? Este é um dado positivo para a efetividade da pesquisa do mosquito transgênico?


Moreira: Já estamos na terceira geração de laboratório e este gene foi integrado e está estável. Não há risco de ele ser perdido.


AFN: Pretendem publicar ou já publicaram os resultados da pesquisa em alguma revista científica? Quais os resultados ou que resultados esperam da comunidade acadêmica?


Moreira: Um artigo foi submetido para publicação. Os resultados seriam em relação a colaborações, pois com esta técnica podemos estudar vários mecanismos envolvidos na interação dos parasitas e seus vetores.


AFN: Seu grupo de pesquisa recebeu parte do apoio financeira à pesquisa da OMS. Esta entidade vem discutindo protocolos de pesquisa envolvendo mosquitos transgênicos? Há na Organização Mundial de Saúde (OMS) indicativos de regiões do mundo onde potencialmente eles podem ser soltos ou testados num primeiro momento?


Moreira: Foram feitas algumas reuniões a esse respeito, mas tudo ainda está no inicio. Num momento se pensou em liberar estes mosquitos - depois de terem certeza de que bloqueavam e fossem inócuos - em uma ilha com malária e estudar como os transgênicos se comportariam. Caso houvesse algum problema, seriam mortos com inseticidas.


AFN: Quais os próximos passos da pesquisa do seu grupo com os transgênicos?


Moreira: Estamos em fase de multiplicação dos insetos e, em breve, faremos os testes de bloqueio do parasita da malária aviária. Também estamos em processo de injeção de mosquitos Anopheles para depois testarmos, sempre em nível de laboratório, com sangue de pacientes de malária.

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