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13/10/2011

Obra divulga no Brasil as contribuições da psicodinâmica do trabalho

Fernandes Marques


A necessidade de investigar os impactos da organização do trabalho sobre a saúde do trabalhador, especialmente a saúde mental, originou um movimento conhecido como Psicopatologia do Trabalho. Influenciado por essa escola, o psiquiatra e psicanalista Christophe Dejours, nascido em Paris, em 1949, avançou essas ideias, desenvolveu novos paradigmas e consolidou uma nova linha de pensamento, chamada de psicodinâmica do trabalho. Propiciar aos estudiosos brasileiros contato com importantes artigos desse renomado professor e pesquisador francês é o objetivo do livro Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho, das Editoras Fiocruz e Paralelo 15, que chega à 3ª edição – revista e ampliada. Organizado por Selma Lancman e Laerte Idal Sznelwar, da Universidade de São Paulo (USP), o livro reúne muitos textos até então inéditos em português e, a cada nova edição, dois novos capítulos foram acrescentados. As novidades da 3ª edição são os textos A saúde mental entre fundamentos individuais e requisitos coletivos (sublimação e trabalho) e A resistência, este último uma entrevista concedida a Dominique Lhuilier para um número especial da Nouvelle Revue de Psychosociologie



O conflito entre prazer e sofrimento no trabalho é foco de estudo e das ações da psicodinâmica do trabalho. Dejours e seus colegas investigaram situações de trabalho geradoras de sofrimento patogênico. Em todas elas, os trabalhadores desenvolveram estratégias para lidar com o sofrimento engendrado pelo trabalho e continuar trabalhando – o sofrimento no trabalho era, então, relegado a um plano escondido e silencioso, com impactos negativos para a saúde. A importância dessa constatação é cada vez mais atual, quando se verifica que as novas organizações do trabalho tornam hoje os indivíduos mais vulneráveis do que no passado aos efeitos deletérios dos constrangimentos do trabalho.


Para exemplificar, basta lembrar que o tão falado assédio moral não é um fenômeno novo: chefias que assediam seus subordinados sempre existiram. Atualmente, porém, as novas formas de avaliação individual do desempenho criaram um ambiente propício para que os trabalhadores não consigam mais desenvolver modos de resistência eficazes. Essas novas organizações do trabalho destroem as formas coletivas de solidariedade entre os empregados, criando uma nova patologia, descrita por Dejours como patologia da solidão e do individualismo, que deixa cada trabalhador relegado a lidar solitariamente com o assédio do qual é alvo. Na concepção da psicodinâmica do trabalho, essa maior fragilização dos indivíduos está ligada à erosão das estratégias coletivas de defesa, o que acarreta um significativo prejuízo à saúde.


Diante das mudanças observadas no universo do trabalho, o campo da saúde do trabalhador também precisa se reinventar, refletir teoricamente sobre o processo em curso e buscar novos métodos de investigação e intervenção. Nesse contexto, disseminar no Brasil as ideias de Christophe Dejours – militante de causas que buscam transformar as relações dos homens com seu trabalho – é uma importante contribuição com a qual Lancman e Sznelwar brindam os estudiosos brasileiros.


“A questão da importância do trabalho coletivo, como um dos principais pilares para a construção da saúde mental, é colocada em relevo”, destacam os organizadores na nota para a 3ª edição. O livro chama atenção para a falta de espaços públicos de deliberação entre os funcionários de uma empresa, problema associado à individualização, à degradação da cooperação, à exacerbação dos conflitos e ao aumento do sofrimento patogênico. Logo, estratégias pautadas no diálogo e na cooperação ajudariam os trabalhadores a lidarem com os riscos ligados ao trabalho; os diferentes tipos de medo – como de adoecer, de se acidentar e de ser demitido –; a ansiedade associada ao fato de não darem conta do cumprimento das metas e dos tempos impostos; a falta de interesse e os malefícios devido à realização de tarefas repetitivas, fragmentadas e sem sentido. E, somado a tudo isso, é desalentador o impedimento de agir visando ao desencadeamento de ações transformadoras. Fator fundamental para o bem-estar no trabalho é a criação de um espaço público para a troca de experiências e para a deliberação entre os trabalhadores da empresa, uma verdadeira atividade deôntica.


Publicado em 13/10/2011.

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