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30/01/2006

Para ajudar a sorrir

Sarita Coelho


Todos os dias chegam aos hospitais do país crianças e adolescentes vítimas de violência. As situações são delicadas e abrangem, além da agressão física, pressões psicológicas e dramas que envolvem toda a família. Diante destes quadros, muitos profissionais de saúde têm dúvidas sobre como agir. Para orientá-los neste sentido, foi criado o núcleo de apoio aos profissionais que atendem a crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos (NAP) no Instituto Fernandes Figueira (IFF), unidade materno-infantil da Fiocruz. O grupo é consultado diariamente pelos diversos setores do hospital e se reúne a cada 15 dias para trocar informações e discutir a melhor solução para cada caso.


"Este é um espaço de reflexão sobre os casos que chegam a qualquer setor do hospital. O principal objetivo é superar a desinformação dos profissionais sobre o que fazer nos casos de violência. Todo tipo de violência é importante, seja sexual, psicológica, física ou de negligência e recebe a mesma atenção", explica a médica Rachel Niskier, que faz parte da equipe formada por especialistas de diversas áreas.


As dúvidas mais freqüentes que o NAP ajuda a solucionar têm a ver com questões sobre como proceder diante de casos delicados, sobre a necessidade de notificação ao Conselho Tutelar ou de encaminhamento ao Instituto Médico Legal (IML) e ainda sobre como identificar os maus-tratos.


Esta identificação é baseada no Guia de atuação frente a maus-tratos na infância e na adolescência, editado pela Fiocruz, pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e pelo Ministério da Justiça, e distribuído pela SBP. Como sinais que podem ajudar o profissional a reconhecer os maus-tratos, a obra cita relatos incompatíveis com as lesões, no caso de violência física; marcas que surgem sempre quando a criança está com uma mesma pessoa, quando há síndrome de Munchausen por procuração (sintomas provocados de propósito ou simulados); lesões genitais ou anais, quando há abuso sexual; e aspecto de má higiene, quando ocorre a negligência.


Os números mostram que o trabalho de conscientização dentro do IFF tem ajudado aos profissionais a reconhecer situações de maus-tratos. Em 2003, foram 25 notificações feitas pelo hospital. No ano seguinte, o número subiu para 29. Entre as demandas mais visíveis, destacam-se os casos de negligência. Há histórias de crianças fora da escola, de mães que não seguem o tratamento do filho adequadamente, ou de crianças que ficam em casa para cuidar dos irmãos menores. Como muitos pacientes vêm de camadas pobres, é preciso discutir o que efetivamente é negligência e o que é resultado da precariedade de recursos.


Também há casos de abuso sexual. Um exame recente identificou ruptura de hímen em uma menina de 5 anos. O agressor, identificado pela mãe, era o próprio irmão. Depois de uma série de entrevistas, o Conselho Tutelar determinou acompanhamento psicológico dos irmãos. Após a alta da menina, o rapaz continuou a ser atendido. O fato reflete uma preocupação com todas as pessoas envolvidas na tragédia. Os casos de violência têm como complexidade o envolvimento de toda a família, o que pode afetar a relação entre os membros e a boa convivência.


Além da orientação no IFF, a equipe oferece ainda cursos para profissionais que atendem a crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos. Mais de 200 pessoas já passaram pelos três cursos já realizados. E a demanda só vem crescendo.


Para Rachel, a notificação é cada vez mais necessária: "muitos profissionais têm medo de notificar e depois receberem uma retaliação. Mas aqui no IFF nunca ouvimos falar de nenhum caso do tipo. O Conselho Tutelar é o nosso maior aliado e devemos sempre procurar trabalhar em conjunto com essa instância criada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a lei federal 8.069/90. No entanto, nosso trabalho não termina com a notificação. É preciso acompanhar o desdobramento de cada caso. Algumas crianças chegam a ficar mais de dez anos em acompanhamento psicológico".

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