29/04/2014
Como a Fiocruz vem enfrentando o hiato entre a geração de conhecimento na instituição e a entrega de produtos e serviços inovadores para o SUS? As respostas são muitas e para cada uma delas há um debate programado este ano: é o 5º ciclo de Debates do Sistema Gestec-NIT que traz como temática: Casos de inovação em saúde. No dia 14 de abril, a fonoaudióloga Nádia Mallet e o empresário Marcos Anjos apresentaram produto gerado em um dos hospitais da Fiocruz, o Instituto Nacional da Saúde da Mulher, do Adolescente e da Criança Fernandes Figueiras (IFF/Fiocruz), que promete ajudar a resolver problema de saúde pública: levar leite materno a bebês recém-nascidos de risco, sem o uso de mamadeiras. A invenção é copo adaptado às necessidades fisiológicas e anatômicas orais do recém-nascido pretermo para protege-lo e favorecer o aleitamento materno.
5º ciclo de Debates do Sistema Gestec-NIT traz como temática 'Casos de inovação em saúde' (foto: Peter Ilicciev)Com produção estimada em 50 mil peças por mês, o projeto rompe com vários falsos mitos, como o que não há interesse da iniciativa privada no Brasil em financiar projetos gerados nas instituições públicas ou que para patentear uma invenção inovadora há burocracia e perda de tempo, ou mesmo que são necessários grupos de pesquisa robustos e com muitos recursos financeiros para gerar inovações com impacto para a saúde pública. No caso do ‘copinho’, usado como método alternativo para complementar a dieta do recém-nascido pretermo, a invenção foi concebida a partir da necessidade do paciente e ainda não gerou nenhum paper acadêmico, como destacou Nádia Mallet. “A recomendação da Organização Mundial da Saúde de não oferecer bicos artificiais e chupetas a bebês amamentados no peito materno, passo 9 dos 10 passos para o sucesso do aleitamento materno na estratégia do hospital amigo da criança, fez-me pensar em resolver as dificuldades enfrentadas com os copos oferecidos no mercado, que não se aplicam a esta finalidade. Busquei uma solução prática para o dia-a-dia da assistência”, afirmou.
Na linha do tempo da invenção, foram dois anos desde a percepção da necessidade do produto até a concepção da invenção. Nesta trajetória, a participação do então Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital (NUPCTIS) foi fundamental para esclarecer, orientar e dar início ao processo para patentear o produto através da Gestec. A criação de um produto específico para atender aos pacientes aconteceu após presenciar as dificuldades dos bebês com o uso de copinhos não adequados as suas necessidades, afirmou Nádia.
Entre o desenho da invenção e os primeiros testes com protótipos laboratoriais, em 2013, foram treze anos. Neste período, a Coordenação de Gestão Tecnológica (Gestec) e o Núcleo de Inovação Tecnológica do IFF (NIT-IFF) providenciaram a proteção legal do conhecimento, através de redação e depósito de patentes e iniciou a busca por parceiros comerciais para produção do produto. Em 2013, foi comemorada a concessão da patente americana do invento, prova real do ineditismo do produto no mercado mundial como relatou a coordenadora de gestão tecnológica da Fiocruz, Maria Celeste Emerick. “A concessão de uma patente nos EUA reflete o grande potencial deste produto ao mesmo tempo que amplia a capacidade de atendimento a diferentes mercados consumidores, não somente o brasileiro. O depósito da patente no Brasil foi realizado em 2008, mas ainda aguardamos o exame do pedido no Brasil”, afirmou Maria Celeste, ressaltando que o licenciamento da patente para parceiros comerciais também é uma forma de incentivar a criação de novos produtos já que uma parte dos recursos aferidos com o licenciamento e os royalties de venda são destinados ao local que gerou a invenção para reinvestimento em pesquisa e uma outra parte é destinada aos inventores, como premiação.
Apesar do ineditismo da invenção e das reais necessidades de atendimento a um problema de saúde pública, a busca por uma empresa parceira para o licenciamento da patente e produção do produto não foi fácil. Após elaborar lista de potenciais empresas interessadas, foram distribuídos releases de oferta da tecnologia para as principais empresas do ramo e a primeira interessada foi a empresa Lillo, que apesar de demonstrar interesse não seguiu em frente com a negociação, alegando problemas com a matriz, sediada no exterior. A segunda empresa que assinou o termo de sigilo com a Fiocruz foi a Braskem, que se prontificou a elaborar um plano de negócios para viabilizar as fases finais de desenvolvimento do produto mas enfrentou dificuldades para achar uma empresa transformadora interessada em financiar a elaboração do molde (protótipo) industrial do produto sem a garantia da compra pública.
Foi em 2012, após uma matéria jornalística sobre o invento exibida na TV Bandeirantes, que uma empresa do Rio de Janeiro, a Biomédica Esteves e Anjos Ltda, se interessou pelo produto e iniciou as negociações com a Fiocruz. Para o empresário Marco dos Anjos, diretor da empresa Biomédica “os empresários geralmente têm muita dificuldade em se aproximar da instituição pública de pesquisa, o que limita o desenvolvimento de inovações, já que lá é que se encontra o centro de inteligência em diversas áreas do conhecimento”, afirmou. Para Anjos, a inovação na área da saúde faz parte da rotina da empresa, que já desenvolveu outros produtos novos, com financiamento da Faperj como por exemplo, a tesoura para corte de cordão umbilical que ao cortar fecha as extremidades do cordão umbilical definitivamente, evitando possíveis infecções.
O contrato de licenciamento de patente assinado entre a Fiocruz e a Biomédica Ltda foi oficialmente entregue na abertura da apresentação do Caso de Sucesso no 5º Ciclo de debates do Sistema Gestec-NIT e prevê que o produto esteja no mercado em um ano e meio. A empresa financiará a elaboração do molde industrial do invento e acompanhará os testes com os pacientes, podendo realizar pequenos ajustes durante o processo de aprovação final do produto. Além disto, financiará parte dos bolsistas que farão os testes. Segundo Anjos, “além de considerar que o produto está perfeitamente enquadrado na linha de produção da empresa, também nos interessou a possibilidade de expandir os negócios para o mercado internacional, já que o produto já tem uma patente concedida no território americano”.
Na plateia, o produto gerou comoção. A enfermeira Ângela Ostritz, que trabalha no campus da Fiocruz Mata Atlântica declarou que o ‘copinho’, inicialmente desenhado para atendimento ao recém-nascido pretermo, pode ser útil também na atenção básica pois segundo ela o óbito de crianças em áreas carentes tem muita relação com a falta da amamentação, e o copinho pode ser utilizado para alimentação dos bebês que estejam apresentando dificuldade para mamar. Já a professora Nébia Figueiredo, da Unirio, disse ter aprendido algumas lições " a principal delas é que fazer uma inovação em saúde acontecer de fato não é trabalho para apressados. É preciso perseverança e apoio institucional”, o que concordou a vice-diretora de pesquisa do IFF, Kátia Sydronio. “São muitas etapas a serem transpostas desde a ideia até a formatação do produto. Depois iniciam-se as etapas da proteção do conhecimento (patentes) e aí chegamos a um terreno ainda muito desconhecido para o profissional de saúde. A palavra ‘inovação’ ainda é inexplorada. Os pesquisadores ainda não se enxergam como parte da responsabilidade de transformar uma ideia em um produto final, o sistema incentiva e reforça a elaboração de papers que são apenas parte do caminho”, constatou.