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19/09/2016

Pesquisador português analisa crise do jornalismo e futuro da mídia

Cristiane d'Avila (Icict/Fiocruz)


Com o objetivo de avaliar uma futura parceria técnico-científica com o Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS 20|UC), o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) receberá, entre 26 e 29/9, o diretor do CEIS 20, António Pedro Pita, e o jornalista e pesquisador do Centro, João Figueira, para uma visita de aproximação.

A programação prevê reuniões na direção do Instituto, serviços, laboratórios de pesquisa, VideoSaúde Distribuidora e no Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), para prospecção de futuros projetos conjuntos. Prestes a chegar ao Rio para a visita à Fiocruz, João Figueira fala sobre a crise do jornalismo atual e o futuro da mídia.

Icict/Fiocruz: Qual a sua linha de investigação no CEIS 20 da Universidade de Coimbra? Desenvolve algum projeto de pesquisa específico?

João Figueira: No CEIS20 integro o grupo de investigação de Comunicação, Jornalismo e Espaço Público. Neste contexto e neste Centro de investigação tenho, sobretudo, desenvolvido estudos no âmbito do Jornalismo e da História dos media no espaço da lusofonia. Está, de resto, editado no Brasil, um livro meu — Jornalismo em Liberdade — que é o resultado de um trabalho que visa mostrar as grandes transformações operadas no jornalismo português, desde o fim da ditadura, em 1974, assim como os principais protagonistas dessas mudanças. Num outro Centro a que estou ligado (Centro de Investigação Media e Jornalismo), com sede em Lisboa, integro a equipe que acaba de apresentar a sua pesquisa sobre A cobertura jornalística da corrupção política, a qual foi estudada de forma comparada entre Portugal, Brasil e Moçambique. Fruto do meu percurso profissional e acadêmico e da própria natureza inicial do grupo de investigação que integro, os estudos sobre Jornalismo têm estado na primeira linha de prioridades. Mais recentemente, no entanto, a Comunicação passou a merecer a atenção que antes não tinha. Daí que, no âmbito da linha de investigação, Comunicação, media e identidades sociais eu esteja particularmente interessado em desenvolver pesquisas, especialmente focadas no campo da saúde. Essa será, certamente, uma das linhas de investigação que me vai ocupar nos próximos anos e para a qual estou muito motivado.

Icict/Fiocruz: Como avalia o exercício do jornalismo no cenário português e europeu, atualmente?

João Figueira: O jornalismo enfrenta o seu maior desafio de sempre. Pela primeira vez na História o seu modelo de negócio está esgotado. Ora, quando o modelo de negócio de uma atividade profissional está em declínio e não é rentável, temos de nos perguntar se essa profissão — seja ela qual for — não está, também ela, em risco de extinção. Quantas profissões ligadas ao setor dos media não acabaram nos últimos 30/40 anos, fruto da tecnologia? Por isso entendo que se deve também colocar em cima da mesa a questão da sobrevivência do jornalismo, não obstante eu considerar que ele é um bem de primeira necessidade e uma atividade indispensável à boa saúde das sociedades democráticas que habitamos. Porém, se ninguém estiver disposto a pagá-lo, como é que ele vai sobreviver? Esta é a grande questão. O que significa que o problema não é só do jornalismo, mas também dos cidadãos. Em última instância do próprio Estado. O que aqui digo, aplica-se a Portugal, à Europa e à generalidade do mundo Ocidental. Nos países com um mercado (de leitores, consumidores e de publicidade) menor, as dificuldades serão naturalmente maiores, como é o caso de Portugal.

Icict/Fiocruz: É possível fazer alguma aproximação com o cenário na América Latina, em especial com o Brasil?

João Figueira: As transformações, creio, são visíveis também na América Latina, em especial no Brasil. Os grandes jornais como a Folha ou o Estadão e até o próprio grupo da Globo comprovam o que afirmo. O que não significa que não possam existir bons e desafiantes projetos jornalísticos. Ocorre-me, referir a este respeito, a revista peruana Etiqueta Negra. Na França, por exemplo, temos o caso notável da revista trimestral XXI, de cujo estatuto editorial faz parte a proibição de não aceitar publicidade. Só que vende os 52 mil exemplares de cada uma das suas edições. E cada número da revista custa 15 euros e apenas se vende em livrarias! Ou ainda um outro jornal, editado em Paris, como é o caso do semanário Le 1, que vive exclusivamente das vendas, pois também não aceita publicidade. Ambos os projetos apostam no formato em papel e não têm edições eletrônicas. No Brasil há o caso da Piauí, em minha opinião a melhor revista em língua portuguesa. Desconheço a sua situação económica, mas se a refiro é para sublinhar a importância em termos olhares diferentes e diferenciados sobre o mundo e sobre nós. Em todo o caso, em grandes países, um nicho de mercado representa muitos milhares (ou milhões) de potenciais destinatários e interessados. Em pequenos países, como Portugal, o panorama é diferente. Repare: a língua portuguesa é enorme, são muitos milhões de falantes e, no entanto, não existe um grande órgão de comunicação — revista, jornal, etc — que tenha a lusofonia como destino e cenário de ação. Por quê? Todavia, temos o jornal espanhol El País, que veio para o Brasil fazer uma edição em português!

Icict/Fiocruz: Em seu artigo O triunfo do jornalismo de comunicação ou a erosão de uma profissão em mudança, publicado em 2015, o senhor afirma que o jornalismo foi completamente pulverizado pela tecnologia e, como a produção de informação passou a estar ao alcance de todos, tudo pode ser considerado jornalismo e qualquer cidadão é um jornalista. O jornalismo, afinal, está em vias de extinção?

João Figueira: O jornalismo como o conhecemos durante anos está a acabar. Os desafios que ele hoje enfrenta vão seguramente transformá-lo numa outra coisa. Quem sabe se não teremos de repensar o conceito de jornalismo ou inventar uma palavra nova para uma atividade que se vai descolando do modelo convencional. Isto é, quando hoje, por força do poder econômico das marcas e das empresas, a informação jornalística é cada vez mais permeável a modelos de comunicação e a formatos que lhe retiram distanciamento e independência editorial, para a aproximar dos valores do entretenimento, algo está a mudar. O que, de resto, nem é surpresa. Se vivemos num mundo em que a própria democracia vive em crise, onde o peso e influência das grandes marcas e empresas, agências de rating e estruturas financeiras determinam os destinos de países e povos, como pode o pobre e indefeso jornalismo (sobre)viver fora dessa bolha?

Icict/Fiocruz: É a sua primeira visita à Fiocruz. Qual a sua expectativa para esse encontro?

João Figueira: Estou muito feliz com esta minha primeira visita à Fiocruz. É um grande privilégio poder conhecer in loco o trabalho notável que ela vem desenvolvendo. E quando existem expetativas de levar por diante um trabalho de investigação conjunto, então o sentimento de felicidade é muito maior. Logo, as minhas expetativas, como se diz em linguagem bolsista, estão em alta.  Como em todas as relações profissionais e pessoais — aqui fortalecidas com a amizade histórica entre nossos dois povos e instituições — espero que esta visita sirva para reforçar o conhecimento recíproco entre a Fiocruz e o CEIS20 e que deste encontro e das sessões de trabalho que vamos ter saiam ideias e projetos concretos de trabalho para o futuro. Seja-me permitido, a terminar, que deixe aqui um agradecimento sincero à Fiocruz pela oportunidade do encontro que vamos ter e por todo o empenho que os seus elementos, dos quais gostaria de destacar a jornalista Cristiane d´Avila e a professora Adriana Aguiar, sempre colocaram no processo de aproximação entre a Fiocruz e a Universidade de Coimbra.

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