19/07/2013
Representando cidades com nomes encantadores, distantes milhares de quilômetros entre si, secretários de saúde e gestores lotaram sala da oficina A gestão descentralizada do SUS na atualidade: planejamento e financiamento, realizada no 29º Congresso Anual do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Com seus sotaques peculiares, expuseram suas realidades, desafios e soluções para o enfrentamento de problemas, evidenciando a enorme diversidade das questões da saúde pública no Brasil. Promovida pela cooperação entre a Fiocruz e os conselhos de secretarias estaduais e municipais de Saúde (Conass e Conasems), a oficina teve duas mesas: Temos planos de saúde. Temos planejamento?, com Patrícia Tavares Ribeiro (Fiocruz), Rita Cataneli (Conass), Lourdes Almeida (Conass) e Nilo Bretas (Conasems); e Financiamento e gasto na gestão descentralizada do SUS, com Sérgio Piola (consultor da cooperação) e Blenda Pereira (Conasems).
Na oficina, foram apresentados estudos realizados no âmbito da cooperação Fiocruz/Conass/Conasems sobre a situação do planejamento, do financiamento e do gasto em saúde nos estados, divididos por regiões (Sul e Sudeste; Nordeste; e Norte e Centro-Oeste). Os pesquisadores analisaram o que os estados falam de si mesmos através dos seus planos estaduais em várias dimensões. Em entrevista, a pesquisadora Patrícia Tavares Ribeiro, do Departamento de Ciências Sociais da Ensp, coordenadora técnica da cooperação pela Fiocruz, faz uma avaliação positiva do encontro que colocou na mesma mesa acadêmicos e gestores para discutir planejamento e financiamento de uma perspectiva integradora.
Como a senhora avalia a oficina realizada no Conasems?
Patricia Tavares Ribeiro: Tivemos a oportunidade de fazer uma discussão, que raramente acontece em conjunto, sobre planejamento e financiamento. O planejamento e os planos são insumos importantes para pensar que ações serão financiadas. Em geral, a temática do financiamento da saúde é abordada de uma perspectiva muito macro, relacionada a fontes de receitas, e não é associada a um debate sobre a diversidade de realidades que tem que ser financiadas no Brasil, informada pelos planejamentos locais. Os estados e municípios têm especificidades e situações distintas em relação às várias intervenções que tem que ser feitas. O debate sobre planejamento e financiamento nos estados foi muito interessante porque evidenciou a necessidade de maior aproximação desses campos de conhecimento para a ação política, com a boa resposta que tivemos dos participantes. Houve uma grande participação. Contamos com cerca de 130 pessoas na oficina.
Como os estudos da Fiocruz foram recebidos pelo público?
Patricia: O público da oficina era composto por pessoas em contato com áreas de planejamento, predominantemente secretários municipais de saúde, diretores, coordenadores ou gerentes de programas ou unidades. Perguntei no início se os participantes já tinham lido algum plano de saúde e vários afirmaram que sim. Então, apresentamos a situação dos planos estaduais de saúde a partir da leitura e sistematização que fizemos das informações contidas nestes documentos. Além da apresentação desse trabalho sob nossa responsabilidade, os expositores do Conass e Conasems abordaram aspectos da governança setorial, a situação das funções essenciais da saúde pública nas secretarias estaduais e a situação do planejamento na gestão municipal. Muito do que observamos no nosso trabalho, especialmente alguns limites que precisam ser superados no campo do planejamento, foram confirmados pelo público e pelos demais integrantes da mesa. A participação e este retorno me parece que falam de uma boa receptividade ao trabalho que vem sendo desenvolvido.
Quais são esses limites?
Patricia: Os planos são instrumentos importantes e úteis, um potente instrumento para a cidadania, mas precisam ser aprimorados para que se perceba melhor em seu conteúdo as relações entre problemas, soluções e intervenções, porque em geral o formato deles não facilita a apropriação imediata das prioridades do estado, de seus problemas principais, embora façam um bom retrato da realidade estadual. É possível aprender com eles, conhecer melhor as distintas realidades estaduais. Também foi problematizada durante o debate a multiplicidade de instrumentos de planejamento, que por vezes dificulta o próprio planejamento, na medida em que o gestor precisa elaborar inúmeros documentos que reproduzem a fragmentação do sistema.
Cada área tem um plano. Além dos planos previstos em lei e em normas, os vários programas vão desencadeando planos específicos, ficando o gestor imerso em um instrumental complexo, que nem sempre contribui para aquela que é função essencial do planejamento setorial: o direcionamento do sistema de saúde, nos diferentes níveis político-administrativos da federação. Foi consenso que é preciso contornar a complexidade desse instrumental por meio de uma abordagem que facilite o seu uso, de uma forma menos fragmentada. É preciso racionalizar o número de instrumentos de modo a obter uma visão mais clara e objetiva, com informações estratégicas menos dispersas na documentação produzida.
Como o público reagiu ao tema do financiamento?
Patricia: A apresentação que o Sergio Piola fez foi muito bem recebida também, suscitando indagações produtivas, sobretudo quanto à equidade na distribuição dos recursos entre estados e regiões e indicando a necessidade de aprofundamento dos critérios para alocação dos recursos federais a estados e municípios. Tema que também foi abordado pela Blenda Pereira, do Conasems, que apresentou as diretrizes que vem orientando a participação do conselho neste debate. O Piola na sua apresentação mencionou que um dos objetivos da cooperação é trabalhar os dados de forma que os não especialistas – gestores e profissionais - compreendam e analisem. E ao final do debate, uma secretária de saúde falou que tinha muita dificuldade de lidar com a área da economia da saúde, mas que por ter conseguido acompanhar as reflexões, estava se sentindo motivada a se relacionar com esse campo de conhecimento: percebeu que é possível entender. Isso é um grande ganho.
Quais os desdobramentos agora?
Patricia: Os desdobramentos são a conclusão dos produtos desta primeira etapa e, a partir dos retratos que fizemos do financiamento e do planejamento da saúde no Brasil, por estado e região, identificar prioridades temáticas para a atuação da cooperação na sua próxima etapa. Temos um panorama que retrata muitas potencialidades no SUS. E também muitos problemas. A partir deles identificaremos prioridades, visando contribuir para o salto de qualidade necessário ao sistema daqui para frente, num diálogo cada vez mais amplo com pesquisadores e gestores. Além dessa escuta que estamos fazendo nos vários eventos que temos participado, vamos percorrer as unidades da Fiocruz para aprofundar o diagnóstico, e desenvolver, no âmbito da cooperação, metodologia para submeter esses produtos à validação dos atores setoriais locais, entre os quais os secretários, os gestores, os conselheiros. Iniciaremos também um processo de apresentação e discussão desses resultados à Comissão Tripartite, ao Conselho Nacional de Saúde e ao Ministério da Saúde, com quem temos mantido diálogo permanente.
A sala estava lotada. Como se explica tamanho interesse, num Congresso em que tantas outras atividades ocorriam simultaneamente?
Patricia: Os temas do planejamento e financiamento são candentes para quem está com a mão na massa. O título da oficina era A gestão descentralizada do SUS na atualidade. Considerando a participação do público, acredito que as pessoas foram lá para dimensionar melhor seus problemas, a partir da discussão desses temas, que afetam diretamente sua atuação, desempenho e resultados. Creio que há também o interesse dos participantes, que estão na ponta do sistema, em compartilhar informações com municípios de outros estados para buscar, nas práticas em desenvolvimento nos diferentes lugares do país, soluções para resolver os problemas que tem que enfrentar no dia a dia. Várias questões apresentadas pelo público da oficina problematizaram, a partir da experiência, os consensos, dilemas e polêmicas sobre se o que falta é dinheiro ou uma gestão mais eficiente para a efetivação do direito universal à saúde, que todos buscamos. Foi um debate muito rico com base nas experiências acumuladas na gestão descentralizada do SUS.
A academia e a gestão começam a estreitar laços?
Patricia: Acredito que seja inédito o que aconteceu nesta Oficina de reunir, na mesma mesa, para apresentação de trabalhos científicos, a Fiocruz, o Conass e o Conasems. Temos feito dessa cooperação uma parceria muito próxima, com muito debate e intercâmbio de conhecimento e experiências dentro da sua equipe de coordenação, responsável pelas decisões. Isto se reflete nas atividades. Na Oficina, por exemplo, além dos estudos da Fiocruz, foram apresentadas, por assessores técnicos do Conass e do Conasems, três dissertações do mestrado profissional que eles fizeram na Universidade de Brasília. A oficina juntou produção acadêmica e gestão, num espaço tipicamente executivo, o que pode ser visto como resultado de uma longa construção: a academia valorizar o gestor em sua capacidade de produzir conhecimento e o gestor valorizar a academia em sua capacidade de compreender e analisar os processos concretos que vive.
A senhora acha que os participantes saíram otimistas?
Patricia: Acho que saíram motivados a continuar debatendo a associação entre planejamento e financiamento na gestão descentralizada no SUS.