Início do conteúdo

10/12/2014

Relatório reafirma correlação entre material expelido pela TKCSA e impactos na saúde

Marina Lemle


Três anos depois do primeiro relatório da Fiocruz sobre os impactos socioambientais e de saúde decorrentes da instalação e operação da empresa ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, a Fundação elaborou um novo relatório, com uma análise atualizada dos problemas. Produzido por um Grupo de Trabalho da Fiocruz instituído em 2011 e formado por especialistas de diferentes áreas e unidades, o documento complementa o anterior, feito por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), ambas da Fiocruz.

Instalações da TKCSA, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro
 

 

O relatório reafirma existir correlação entre a exposição ao material particulado expelido pela siderúrgica e impactos agudos na saúde dos moradores, em especial com problemas respiratórios, dermatológicos e oftalmológicos observados pouco tempo após o contato com a fuligem. Registros de queixas de moradores em diferentes momentos, achados clínicos e estudos realizados pelo grupo de trabalho da Secretaria de Estado do Ambiente (GT SEA/RJ) indicam tanto o surgimento de novos casos de doenças como o agravamento de quadros clínicos preexistentes. No conjunto de informações disponíveis, há coerência entre várias evidências e estudos.

O problema pode ser considerado de especial relevância devido ao elevado potencial poluidor de uma usina siderúrgica para a produção de aço bruto para exportação industrial. A fábrica está localizada no bairro de Santa Cruz, Rio de Janeiro, junto à Bacia Hidrográfica da Baía de Sepetiba. Essa bacia hidrográfica apresenta um histórico de vulnerabilidade socioambiental pela falta de políticas públicas e pela implantação de empreendimentos altamente poluidores e de graves impactos socioambientais.

Desde a fase de licenciamento da TKCSA, passando pelo início da operação, em junho de 2010, até hoje, o empreendimento vem sendo alvo de denúncias e controvérsias. Durante a construção, houve grandes impactos no entorno. Alterações nos ecossistemas marinhos degradam as condições de trabalho e vida dos pescadores artesanais da região, vulnerabilizando-os. E, finalmente, os diversos episódios agudos de poluição atmosférica afetaram os moradores da região, que apresentaram diversos sintomas. Desde o início deste processo, movimentos comunitários e sociais locais, nacionais e internacionais vêm demandando aos pesquisadores da Fiocruz diagnósticos e propostas para lidar com o problema.

Um estudo epidemiológico evolutivo das condições de saúde realizado a partir de dados secundários de sistemas de informação em saúde de 2000 a 2011 na área de influência da TKCSA (bairros Paciência, Santa Cruz e Sepetiba, no Rio de Janeiro, e o município de Itaguaí) mostra a evolução de eventos ligados às doenças do apare­lho circulatório, do aparelho respiratório, causas externas e mortalidade infantil que podem ter relação com a chegada e entrada em operação da siderúrgica. No relatório, a Fiocruz se contrapõe à posição defendida e veiculada pela TKCSA de que o material particulado seja grafite e possa ser considerado um componente atóxico.

”A posição dos pesquisadores da Fiocruz, em consonância com a literatura científica internacional, é a de que a exposição a qualquer tipo de material particulado é potencialmente geradora de problemas de saúde. Temos a convicção de que os empreendimentos siderúrgicos têm forte relação com problemas ambientais e de saúde historicamente definidos, e que não há nenhuma evidência de melhor condição no caso em tela, ao contrário. Trata-se de um território de alta vulnerabilidade e, do ponto de vista da saúde ambiental e dos trabalhadores, medidas de proteção, de mitigação e controle devem ser explicitadas em seu real dimensionamento”, diz o texto.

De acordo com o documento, a poluição atmosférica gerada pela TKCSA não se restringiu aos eventos críticos que foram objetos de multas pelo órgão ambiental estadual (Inea), considerados acidentes ambientais ampliados. As não conformidades registradas no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) indicaram a necessidade de um melhor monitoramento das emissões gasosas, além do material particulado, e revelaram que a poluição não se limitou ao ar, sendo identificada também na água e no solo.

O relatório ainda chama atenção para a ocorrência de doenças endêmicas na região (dengue, tuberculose e hanseníase), o que revela condições de vida precárias, agravadas com a chegada de uma empresa poluidora. Dentro desta adversidade, identifica-se a dificuldade de acesso ou insuficiência das ações e serviços de saúde para controlar essas doenças.

Segundo o GT Fiocruz, o caso da TKCSA pode ser considerado emblemático e complexo por diversas razões. Desde o início envolve políticas e ações dos níveis federal, estadual e municipal, além de diversos setores de governo, como o meio ambiente, saúde, infraestrutura urbana e desenvolvimento econômico, com desafios e conflitos relacionados à interação e responsabilidades das várias instâncias e instituições, em especial no tocante à proteção do meio ambiente e da saúde da população em geral e dos trabalhadores.

“Existem, desde a fase de licenciamento, dificuldades para a produção, disponibilização e acesso de informações sobre o empreendimento e seus impactos socioambientais e à saúde, bem como uma sistemática ausência de informações e fragilidade das ações do SUS. Tal situação é evidenciada pela necessidade de uma auditoria da saúde sobre o empreendimento, que até o presente momento não foi realizada”, registra o texto.

Outra dimensão do caso é o elevado nível de conflitos, evidenciado pelas diversas ações do Ministério Público e da Defensoria Pública, que culminaram em ações civis públicas por crime ambiental contra a empresa, e que contou com o depoimento de pesquisadores da Fiocruz durante o processo judicial; pela criação e atuação de uma Comissão Especial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), que publicou em diário oficial o relatório sobre as possíveis irregularidades e imprevidências do Governo do Estado do RJ e do Instituto Estadual do Ambiente – INEA, no processo de concessão de licenciamento ambiental da TKCSA, que aponta para diversas irregularidades e recomenda a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso; pelo fato de dois trabalhadores da Fiocruz terem sido processados judicialmente pela empresa após terem se pronunciado publicamente acerca dos possíveis danos à saúde e ao ambiente provocados pelo empreendimento, fato posteriormente suspenso após intensa mobilização social e institucional.

A Fiocruz afirma, no documento, ter convicção de que a colaboração mútua e o fortalecimento das relações interinstitucionais com órgãos de saúde e ambientais levarão a ações e resultados que possibilitem a redução das vulnerabilidades socioambientais, a implementação de vigilância e atenção integral à saúde de populações expostas em situações complexas de risco e a adequação de empreendimentos de alto impacto ambiental e sanitário, como no caso das plantas siderúrgicas integradas.

Baixe aqui o relatório em PDF.

Voltar ao topo Voltar