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19/04/2005

Respostas que vêm da genética

Fernanda Marques e Sarita Coelho


Foi-se o tempo em que muito treino e estilo de vida saudável eram os únicos trunfos para o bom desempenho dos atletas. Hoje, é cada vez mais comum encontrar jovens esportistas capazes de cometer absurdos para melhorar sua performance. E não se trata apenas de tomar anabolizantes. Suspeita-se agora do doping genético: injeções de genes relacionados ao aumento da massa muscular e do desempenho atlético de modo geral. Mas os cientistas já se preparam para frear atletas trapaceiros que se atrevam a ir tão longe. A idéia é detectar o DNA do vetor usado para "carregar" os genes de interesse injetados. Os esportistas poderiam até alegar que já nasceram com genes superpotentes, mas não teriam como explicar a presença do DNA do vetor.


Desenvolver técnicas para detectar o doping genético é um novo desafio, segundo o pesquisador Franklin Rumjanek, diretor do Departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que já planeja experimentos com animais de laboratório. Rumjanek foi o palestrante do Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da sexta-feira (1º/04).


Rumjanek é responsável pelo laboratório Sonda, que presta serviços à comunidade fazendo testes de paternidade e ajudando a solucionar casos policiais desde 1994. Recentemente, sua equipe recebeu amostras de urina de uma atleta brasileira flagrada no exame antidoping. A jovem alegava que o material não era dela. A análise do DNA das células presentes na amostra comprovou que ela não continha urina apenas da atleta. Mas como a amostra teria sido "batizada" ou substituída se a coleta é feita na presença de um fiscal? De acordo com o pesquisador, o que não falta é criatividade para burlar as regras. Já existiriam, por exemplo, bolsas para implantar na lateral da coxa e guardar urina "limpa".


Ele explica que a metodologia usada no laboratório se baseia na genotipagem, que consiste em identificar a seqüência do código genético em um fragmento de DNA. "Essa técnica representa um grande avanço, porque elimina as decisões subjetivas baseadas na cor dos olhos, formato da orelha etc no âmbito da paternidade", afirma Rumjanek. Ele cita como exemplo um caso de seu laboratório, em que um homem mulato duvidava ser o pai de uma menina loura de olhos azuis. A análise de DNA comprovou que de fato ele era o pai biológico.


A genotipagem pode utilizar como base diferentes materiais, entre eles, sangue, sêmen, saliva, urina, cabelo, dente, osso, tecido e líquido amniótico (que envolve o feto). Até mesmo coisas tão simples como um fio de cabelo e uma guimba de cigarro encontrados na cena de um crime são muito úteis para a investigação da polícia. Na chamada genética forense, a comparação do DNA presente nesses materiais com o DNA do suspeito pode responder se o indivíduo é ou não culpado. Segundo o pesquisador, o resultado do exame se baseia no locus (ponto fixo onde um gene sempre será localizado no cromossomo). É possível encontrar na sociedade mais de uma pessoa apresentando o mesmo locus. Mas as coincidências são limitadas. Por isso, o FBI (polícia federal norte-americana) recomenda que se determine no mínimo 13 locus para identificar uma pessoa.


A primeira aplicação da genética forense ocorreu em 1985 em uma pequena cidade da Inglaterra, onde houve um caso de estupro seguido de morte. A polícia determinou que todos os homens da cidade cedessem amostras de sêmen. Depois das análises, nenhum homem foi culpado. As pessoas passaram a desconfiar da eficácia dos exames de DNA nesses casos, até uma testemunha se lembrar de ter visto um homem convencendo o amigo de outra cidade a ceder as amostras em seu lugar.


Foi também a genética que depôs contra o ex-presidente americano Bill Clinton no caso de assédio sexual à estagiária da Casa Branca Monica Levinsky. As análises de DNA revelaram que era mesmo de Clinton o sêmen encontrado no vestido de Monica.


Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos, entre 1801 e 1809, envolveu-se em polêmica semelhante. Dizia-se que Jefferson engravidara a escrava Sally Hemings. Somente na década de 90 do século passado é que um grupo de cientistas americanos decidiu analisar o DNA dos descentes vivos de Jefferson e de Sally. De acordo com os resultados do estudo, provavelmente os dois tiveram um filho. "A genética pode funcionar como uma máquina do tempo", brincou Rumjanek.


Os restos mortais do jornalista Tim Lopes - assassinado em 2002 no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, enquanto fazia uma matéria sobre prostituição infantil e tráfico de drogas - foram identificados graças a exames de DNA. Um saco contendo diversos materiais, como borracha queimada e raízes de plantas, foi entregue pela polícia ao laboratório de Rumjanek. Para separar os resíduos, os pesquisadores contaram com a ajuda da arqueóloga Sheila Mendonça, da Fiocruz, que identificou um pedaço de costela carbonizada onde foi possível recuperar algum DNA preservado. Este foi comparado ao DNA da mãe e do filho de Tim Lopes, o que permitiu confirmar que os restos mortais eram mesmo do jornalista.


O DNA presente em uma organela celular chamada mitocôndria tende a se preservar mais que o DNA do núcleo da célula. O DNA mitocondrial se associa à genealogia materna, pois ele é 100% herdado da mãe. A equipe de Rumjanek desenvolveu um método que consiste em analisar a estrutura tridimensional do DNA mitocondrial. Em geral, o que se analisa é a ordem segundo a qual as unidades que compõem o DNA se encaixam linearmente. A nova técnica, mais prática, foi testada e aprovada. Os pesquisadores constataram que, quanto à estrutura tridimensional, o DNA mitocondrial da mãe e o do filho são iguais, mas diferem do paterno.

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