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19/05/2017

Simpósio de virologia destaca trabalho de jovens cientistas

Maíra Menezes e Lucas Rocha (IOC/Fiocruz)


Com 49 trabalhos apresentados por estudantes de pós-graduação e pós-doutorandos, o 4º Simpósio Avançado de Virologia Hermann Schatzmayr destacou a relevância da produção destes jovens cientistas para o campo da virologia. Com o objetivo de discutir os resultados de pesquisas recém-concluídas ou em andamento, o evento realizado de 10 a 12 de maio atraiu participantes do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará. Entre os estudos, 10 foram premiados, incluindo trabalhos relacionados a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e aos vírus da dengue e febre amarela, entre outros temas. Os estudantes selecionados pela banca examinadora receberam, como premiação, inscrições para os congressos das Sociedades Brasileiras de Medicina Tropical, Virologia, Infectologia e Mastozoologia. Todos os trabalhos apresentados no evento serão publicados na próxima edição da revista científica Virus Reviews and Research.

Mesa de abertura destacou importância da formação de novos pesquisadores no campo da virologia (Foto: Peter Ilicciev – CCS/Fiocruz)
 

“O Simpósio foi criado para preencher uma lacuna, já que há pouco espaço para os jovens na maioria dos congressos e eventos científicos. Percebemos que acertamos quando vemos o número crescente de participantes, assim como a qualidade e a diversidade dos estudos submetidos para apresentação”, avaliou a chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Elba Lemos, uma das organizadoras da atividade. Promovido pelo IOC/Fiocruz, o evento contou com apoio da presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Editora Fiocruz, dos Programas de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular, em Medicina Tropical e em Biologia Parasitária do IOC, da Prefeitura de Campo Novo do Parecis, no Mato Grosso, e das Sociedades Brasileiras de Virologia, Medicina Tropical, Infectologia e Mastozoologia.

Relevância da área

A importância da pesquisa no campo da virologia, considerando o cenário atual de viroses como febre amarela e zika no Brasil, foi um dos temas abordados na cerimônia de abertura do Simpósio, que lotou o auditório do Pavilhão Arthur Neiva, no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio de Janeiro. “A história nos mostra o impacto da emergência e reemergência de doenças. A formação de profissionais é fundamental para o avanço da ciência voltada para a saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirmou a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima. “A virologia é essencial no mundo e especialmente no Brasil, onde a expansão das viroses ocorre em um contexto no qual convivem doenças infecciosas e agravos crônicos. Precisamos de estudos que mergulhem na nossa situação epidemiológica”, comentou o diretor do IOC/Fiocruz, Wilson Savino.

Idealizado como um espaço para debate da produção científica desenvolvida na pós-graduação, o Simpósio teve, pela primeira vez, a participação de pós-doutorandos, além de estudantes de mestrado e doutorado. O formato do evento foi elogiado pela vice-diretora de Ensino, Informação e Comunicação do IOC/Fiocruz, Elisa Cupolillo. “Esse tipo de atividade é muito relevante para o IOC e a Fiocruz, para ampliar a inserção dos estudantes e dos pós-doutorandos nas discussões científicas”, disse ela, acrescentando que a virologia é um tema que atravessa os seis Programas de Pós-graduação do IOC. Representando a Sociedade Brasileira de Virologia na cerimônia, o chefe do Laboratório de Enterovírus do IOC/Fiocruz, Edson Elias, enfatizou a homenagem feita ao virologista Hermann Schatzmayr, que faleceu em 2010, deixando um legado marcante para o campo científico. “Hermann foi o primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Virologia e o fundador da revista editada pela Sociedade. Ficamos muito felizes em ver um número do periódico Virus Reviews and Research composto pelos trabalhos apresentados no Simpósio”, afirmou o pesquisador.

Apresentação indígena

Parceiros no desenvolvimento de uma pesquisa sobre a ocorrência de infecções por hantavírus no Mato Grosso, índios Paresi, da aldeia Wazare, localizada no município de Campo Novo do Parecis, no sudoeste do estado, fizeram uma apresentação no primeiro dia do Simpósio. Usando roupas e adereços típicos da cultura Paresi, os índios realizaram duas danças rituais, uma dedicada à invocação dos espíritos e outra à unificação dos elementos da natureza. O cacique Roni Valter Azoynaice Paresi ressaltou que grande parte da população brasileira desconhece a cultura e a situação atual dos povos indígenas. “Essa apresentação dos Paresis na Fiocruz é inédita tanto para nós quanto para vocês. Devemos nos conhecer, porque nosso país precisa ter consciência mais crítica do contexto social e étnico que possui. Espero que a juventude possa construir um Brasil mais consciente, com políticas e instituições públicas que trabalhem em prol da sociedade, como a Fiocruz”, afirmou o cacique, convidando estudantes e pesquisadores para visitar a aldeia Wazare, que oferece atividades de etnoturismo com o objetivo de apresentar a cultura do povo Paresi aos visitantes.

Índios Paresis, que colaboraram em um estudo coordenado pela pesquisadora Elba Lemos (ao centro), ressaltaram que grande parte da população brasileira desconhece a situação atual dos povos indígenas (Foto: Gutemberg Brito – IOC/Fiocruz)
 

Desenvolvida no curso de doutorado da Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC/Fiocruz, a pesquisa sobre as infecções por hantavírus no Mato Grosso teve como foco a ocorrência de casos entre crianças, garimpeiros e índios. O estudo, concluído no ano passado, foi realizado pela enfermeira Ana Cláudia Terças, com orientação da pesquisadora Elba Lemos. “As hantaviroses são transmitidas principalmente por roedores silvestres. Os vírus eliminados na urina, saliva e fezes desses animais contaminam o ambiente, podendo ser inalados pelas pessoas. Os povos indígenas são populações vulneráveis para a doença raramente estudada”, explicou Elba. A investigação detectou anticorpos contra hantavírus em 11% dos índios Paresi, indicando contato anterior com o microrganismo, mas sem sinais de infecção atual. “Considerando o cenário atual de intolerância contra povos indígenas, é importante dizer que os Paresis possuem um grande conhecimento, que deve ser valorizado. Por isso, achamos importante convidá-los para vir à Fiocruz”, completou a pesquisadora.

Perspectiva multidisciplinar

Uma mesa-redonda com participação do coordenador-geral de Vigilância e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio, e do pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) Fábio Gouveia, abriu as sessões científicas do primeiro dia do Simpósio. Discutindo a situação das arboviroses no Brasil, Rivaldo lembrou que o país vive epidemias periódicas de dengue há mais de três décadas, o que reflete a carência de políticas de controle do mosquito Aedes aegypti. Nesse cenário, o vírus zika provocou, a partir de 2015, milhares de casos de malformações congênitas e de complicações neurológicas, enquanto o vírus chikungunya se alastrou, com registros em quase metade dos municípios brasileiros em 2016. Atualmente, o país vive ainda o maior surto de febre amarela silvestre desde o início da série histórica, em 1980. Para Rivaldo, o cenário reforça a necessidade de estudos. “Entre muitos temas, podemos citar as pesquisas sobre vacinas, métodos de diagnóstico, medicamentos e controle vetorial. Em todos os casos, é importante perceber que a saúde é um tema muito complexo para ser resolvido por apenas uma ou duas categorias profissionais. Precisamos de cooperação para buscar respostas, além da compreensão de que muitos problemas de saúde pública têm raízes em questões sociais e econômicas, que precisam ser enfrentadas”, enfatizou o infectologista.

As oportunidades e riscos da divulgação científica na internet foram debatidos por Fabio a partir de alguns exemplos. Analisando as publicações relacionadas ao surto de febre amarela em 2008, o pesquisador apontou problemas na divulgação de informações oficiais e na abordagem da mídia, que foram reduzidos ou superados em 2017. “Em 2008, a circulação da doença foi muito menor, mas observamos que as buscas por informações sobre o tema na rede foram mais frequentes do que em 2017. As falhas na comunicação se refletiram em uma busca exagerada pela vacina, em áreas onde não havia necessidade e com casos de complicações após aplicação de doses repetidas”, ponderou Fábio. O pesquisador comentou ainda a repercussão de artigos científicos nas redes sociais e o potencial das informações virais – com alto índice de compartilhamento entre internautas. Como exemplo, ele mostrou que estudos sobre zika, liderados por pesquisadores da Fiocruz, figuraram entre os trabalhos de maior repercussão em 2016. “No ano passado, o artigo mais comentado nas redes foi publicado pelo ex-presidente americano Barack Obama, mas isso não se refletiu em um índice de leitura do estudo tão grande quanto observamos para alguns trabalhos sobre zika. É importante entendermos como a informação científica pode viralizar e de que forma queremos que isso aconteça”, frisou.

Troca de conhecimentos

Os resultados das pesquisas desenvolvidas por estudantes de pós-graduação e por pós-doutorandos foram discutidos durante dois dias de Simpósio, em 24 apresentações orais de 15 minutos e 27 exposições de pôster, que contaram com apresentações orais resumidas, de um minuto. “Participar do simpósio foi uma grande oportunidade de apresentar resultados de estudos, discutir e conhecer o que os colegas estão desenvolvendo. Além de fomentar a interação, o evento incentiva novas colaborações”, ressaltou Juan Camilo Sánchez, pós-doutorando do Laboratório de Imunologia Viral do IOC, que participou pela primeira vez do Simpósio. “O encontro é importante para ampliar a visão a respeito das diferentes viroses que ocorrem no Brasil e, principalmente, no Rio de Janeiro. Marquei presença em quase todas as edições – conhecer outros trabalhos também contribui para aprimorar a nossa pesquisa”, destacou Monique da Rocha Queiroz Lima, pós-doutoranda do mesmo Laboratório.

Confira no site do IOC/Fiocruz a lista dos estudos premiados.

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