Início do conteúdo

06/06/2017

Simpósio debate novas estratégias contra a hanseníase

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)


Novos testes de diagnóstico, vacinas e uso preventivo de medicamento são algumas ferramentas em desenvolvimento que podem contribuir para o avanço no enfrentamento da hanseníase. No simpósio internacional Estratégias para Detectar e Interromper a Transmissão Global da Hanseníase, o andamento das pesquisas que podem transformar em realidade estas inovações foi apresentado e discutido por alguns dos principais especialistas nacionais e internacionais da área. Promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Fundação Novartis, o encontro aconteceu nos dias 30 e 31 de maio, no Rio de Janeiro. O Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) foi o anfitrião do evento, que abordou também o cenário atual da doença no Brasil e no mundo.

 

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, desde que a terapia com combinação de medicamentos foi introduzida nos anos 1980, o total de pessoas afetadas pela hanseníase caiu mais de 90%. No entanto, o objetivo de eliminar o agravo continua longe de ser alcançado. Em 2015, cerca de 210 mil novos casos foram detectados no mundo. No Brasil, segundo país com maior número de registros, atrás apenas da Índia, foram aproximadamente 28 mil novas notificações no mesmo ano.

Organizador do Simpósio, o pesquisador Milton Ozório Moraes, chefe do Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz, destacou a importância da colaboração internacional para mudar o quadro da doença. “Reunindo especialistas das mais diversas áreas, temos uma oportunidade única para buscar estratégias que possam eliminar a hansneíase em um futuro próximo”, afirmou Milton. Na abertura do evento, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, ressaltou que é preciso inovação para combater o agravo. “Infelizmente, os avanços não têm ocorrido na velocidade necessária para que a hanseníase passe definitivamente ao campo da pesquisa histórica. Por isso, a reunião de cientistas e de instituições comprometidas com o enfrentamento da doença é fundamental”, disse Nísia.

Necessidade de inovação científica para alcançar a eliminação da hanseníase foi destacada na abertura do evento (foto: Josué Damacena)

 

Desde 2000, a Fundaçã o Novartis doa os medicamentos para tratamento da hanseníase para a Organização Mundial da Saúde (OMS), que repassa os produtos sem custo aos países afetados pela doença. A diretora da organização, Ann Aerts, ressaltou o objetivo de zerar a transmissão do agravo no futuro. “Ainda não sabemos como alcançar essa meta, mas temos o conhecimento científico, as competências técnicas e estamos mobilizados. Precisamos interromper a disseminação da hanseníase”, avaliou ela. O membro do conselho de administração da farmacêutica Novartis, Pierre Landolt, enfatizou que a doença é negligenciada, atingindo principalmente pessoas em situação de pobreza. “É importante lembrar que essas pessoas, que geralmente estão fora de todos os roteiros, podem finalmente ter acesso ao tratamento e ao resultado desse esforço”, destacou ele. “Na Suíça, há uma rede de instituições que desenvolvem pesquisas ligadas à hanseníase, e a colaboração internacional é muito relevante nesses trabalhos”, acrescentou o cônsul geral da Suíça, Giancarlo Fenini.

Inovações no diagnóstico

Além de impedir o desenvolvimento de lesões graves, a detecção precoce da hanseníase é fundamental para interromper a disseminação da doença, uma vez que os pacientes param de transmitir a bactéria causadora da infecção logo que começam o tratamento. Com o objetivo de facilitar a identificação dos casos, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e o Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná) trabalham no desenvolvimento de um kit para diagnóstico molecular do agravo. O método é baseado na identificação do DNA do microrganismo Mycobacterium leprae em amostras de lesões de pele ou coletadas da orelha dos pacientes. À frente do projeto, Milton explicou que o teste padroniza uma metodologia que vem sendo utilizado com sucesso na avaliação de pacientes atendidos pelo Ambulatório Souza Araújo, centro de referência mantido pelo Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz. “Verificamos que o diagnóstico molecular pode confirmar a infecção em indivíduos com lesões iniciais ou paucibacilares [que apresentam baixo número de bactérias]. O exame também auxilia no acompanhamento dos contatos domiciliares dos pacientes, que apresentam maior risco de contrair a doença”, contou o pesquisador, acrescentando que o teste pode estar disponível para utilização em laboratórios especializados dentro de cinco anos.

Segundo Milton Moraes, diagnóstico precoce é fundamental para evitar lesões graves e interromper a disseminação do agravo (foto: Gutemberg Brito)

 

Líder da equipe que sequenciou, pela primeira vez, o DNA do M. leprae, o pesquisador Stewart Cole, da Escola Politécnica Federal de Lausane, na Suíça, também trabalha no desenvolvimento de um teste rápido para diagnóstico molecular. Segundo ele, além de confirmar a infecção, a análise do genoma dos microrganismos pode orientar o tratamento dos pacientes e a vigilância da hanseníase. “Essa avaliação é útil para detectar genes associados à resistência aos fármacos e para diferenciar entre reinfecções e falhas terapêuticas [quando o tratamento não é capaz de eliminar as bactérias]. O perfil genético permite ainda identificar as linhagens do M. leprae, apontando as rotas de disseminação”, disse o cientista.

Ações preventivas

Com foco na prevenção da doença em indivíduos com maior risco de infecção, o uso profilático de um medicamento está sendo testado em ensaios clínicos em oito países, incluindo o Brasil. Os testes foram iniciados depois que a administração de uma dose de rifampicina – antibiótico com ação contra o M. leprae que faz parte da terapia combinada para hanseníase – reduziu em 57% o número de casos do agravo entre contatos domiciliares de pacientes acompanhados em Bangladesh, na Ásia. Coordenador do estudo, o pesquisador Jan Hendrik Richardus, do Centro Médico da Universidade Erasmus, na Holanda, comemorou o avanço dos testes. “Isoladamente, a estratégia atual contra a hansneíase não tem sido suficiente. A primeira pesquisa mostrou que a quimioprofilaxia pós-exposição foi eficiente no contexto de Bangladesh. Agora, poderemos avaliar a eficácia do método em diferentes cenários”, salientou ele.

Stewart Cole (foto) e Steeve Reed mostraram como tecnologias de ponta podem ajudar no enfrentamento de uma das doenças mais antigas (foto: Gutemberg Brito)

 

O desenvolvimento de uma vacina específica contra o M. leprae é outra iniciativa que vêm avançando nas pesquisas. Com sucesso nas avaliações em culturas de células e em modelos animais, um imunizante desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa em Doenças Infecciosas, dos Estados Unidos, deve chegar, em setembro, à primeira fase de ensaios clínicos, realizados com voluntários. De acordo com o pesquisador Steeve Reed, presidente do Instituto, a expectativa é que o imunizante elaborado por meio da biotecnologia tenha efeito protetor superior ao da vacina BCG, usada atualmente para reforçar a imunidade das pessoas que convivem na mesma casa que os pacientes. “A ideia não é desenvolver um imunizante para a população em geral. A vacina deve ser usada juntamente com medicamentos para evitar o desenvolvimento da doença em indivíduos com maior risco de infecção”, esclareceu Reed, que avalia em quatro anos o período necessário para a conclusão dos testes.

Situação no Brasil

Segundo a coordenadora-geral do programa de Hansneíase e Doenças em Eliminação do Ministério da Saúde, Carmelita Ribeiro Filha, as ações desenvolvidas atualmente no país buscam realizar o diagnóstico precoce da infecção de forma a reduzir as incapacidades provocadas pelo agravo. Os esforços seguem as recomendações da OMS, que propõe como metas para 2020 o fim dos casos diagnosticados com deformidades visíveis em crianças e a redução do total de novos casos com esse tipo de lesão para menos de 1 por 1 milhão de habitantes. “Em 2015, tivemos 52 crianças diagnosticadas com incapacidades em mãos, pés ou olhos e um total de 1,8 mil novos casos detectados com esse tipo de lesão, o que corresponde a nove casos por 1 milhão de habitantes. O diagnóstico e o tratamento precoces podem evitar os danos, que prejudicam os indivíduos e estão associados ao preconceito”, destacou Carmelita.

A presença de manchas claras ou avermelhadas na pele, que apresentam redução da sensibilidade, é o sintoma mais comum da fase inicial da hanseníase. O coordenador nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Artur Custódio Moreira de Sousa, considera que as ações de divulgação são fundamentais para expandir o diagnóstico e combater o preconceito. “Precisamos de campanhas para que as pessoas reconheçam os sintomas da hansneíase e procurem atendimento. Também é necessário treinar os profissionais de saúde para diagnosticar e tratar a doença, além de expandir os programas de reabilitação para os pacientes que já apresentam incapacidades”, defendeu ele.

Voltar ao topo Voltar