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23/01/2009

Temporais e inundações trazem outra preocupação para a população: a leptospirose

Informe Ensp


As fortes chuvas que vêm assolando o Sul e o Sudeste nas últimas semanas trazem diversos problemas para a população, inundação de ruas e casas, deslizamentos de terra e, principalmente, a leptospirose, uma doença que ocorre pelo contato com águas de enchentes contaminadas por urina de ratos. Para falar mais sobre a doença, formas de contaminação e prevenção, o Informe Ensp conversou com a pesquisadora Teresa Vieira dos Santos de Oliveira, do Programa de Mudanças Ambientais Globais e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz.


 Teresa: as pessoas às vezes relutam em procurar atendimento médico, o que pode agravar os sintomas e em alguns casos levar a óbito (Foto: Arquivo pessoal)

Teresa: as pessoas às vezes relutam em procurar atendimento médico, o que pode agravar os sintomas e em alguns casos levar a óbito (Foto: Arquivo pessoal)


O que é leptospirose e de que forma contamina o homem?


Teresa Vieira: A leptospirose é uma doença infecciosa grave causada por espiroqueta do gênero Leptospira, sendo de veiculação hídrica, originária de roedores (ex: ratos urbanos), que pode ocorrer em várias regiões e acomete diversas espécies de animais. Os seres humanos são infectados acidentalmente, pelo contato com a urina desses roedores. A maioria das infecções ocorre através do contato com águas de enchentes e inundações que estão contaminadas por urina de ratos, presentes em esgotos e bueiros que se misturam a enxurrada e a lama dos alagamentos. Atinge principalmente a população de baixo nível sócio-econômico da periferia das grandes cidades. A presença de pequenos ferimentos na pele facilita a penetração da leptospira, o que também pode ocorrer através da pele sem ferimentos quando a exposição é prolongada (a pele fica porosa). As manifestações, quando ocorrem, em geral aparecem entre um e 30 dias após o contato com a bactéria (o período de incubação médio é de dez dias). A transmissão de uma pessoa para outra é muito pouco provável. Na maioria dos casos a evolução é benigna, quando diagnosticada precocemente.


Quais os sintomas da doença? Como é feito o tratamento da pessoa contaminada?


Teresa: A leptospirose tem início súbito. Os sintomas são parecidos com os da gripe e da dengue o que torna difícil diagnosticar em fase inicial: dor de cabeça, dor muscular, dor na garganta, febre alta, mal-estar, cansaço, calafrios, a icterícia e insuficiência renal podem também aparecer na fase aguda da doença. Um dos sintomas capaz de diferenciar a leptospirose de outras doenças é uma forte dor na panturrilha. Em algumas vezes a pessoa infectada não aguenta ficar em pé. Somente o profissional de saúde pode diagnosticar a doença. Algumas pessoas às vezes relutam em procurar atendimento médico, o que pode agravar os sintomas e em alguns casos levar a óbito. O tratamento é feito principalmente com a hidratação. O uso de antibióticos deve ser prescrito. Não devem ser utilizados medicamentos para dor ou para febre que contenham ácido acetilsalicílico (aas), que podem aumentar o risco de sangramentos. Os antiinflamatórios também não devem ser utilizados pelo risco de efeitos colaterais, como hemorragia digestiva e reações alérgicas. Na forma menos grave da doença o tratamento pode ser feito em casa com a supervisão do médico.


O que uma pessoa pode fazer, uma vez que não tenha água potável/canalizada e precise buscar em outras fontes, para não correr o risco de ter água contaminada em sua residência?


Teresa: Toda água antes de ser utilizada deve ser clorada ou fervida pelo menos por um minuto, principalmente a que for beber. Os objetos que tiveram contato com as águas de enchentes devem ser desinfetados com água sanitária (quatro xícaras de café diluídas em 20 litros de água).


O Rio é uma cidade que sofre com os fenômenos naturais, principalmente por seus aspectos físicos e climatológicos e por contar com uma enorme população vulnerável a esses fenômenos, moradores das favelas construídas nas encostas, e sem saneamento. Há vários estudos demonstrando a importância da leptospirose epidêmica de verão. É possível que a leptospirose possa se tornar um problema de larga escala este ano no Rio? Esse aumento do número de casos está ligado às mudanças climáticas que o mundo está sofrendo?


Teresa: No verão é comum termos inundações em alguns municípios ocasionadas pelas fortes chuvas. O Rio de Janeiro tem baixadas e várias áreas com pontos de alagamento, o que propicia o aumento de casos da doença. O que está acontecendo é que o aquecimento global tem provocado mudanças no clima, intensificando os fenômenos naturais que são responsáveis pelas grandes enchentes e o frio intenso em regiões onde o clima era mais ameno. Esses são alguns dos efeitos já visíveis da grande modificação que o planeta está sofrendo em consequência das mudanças climáticas. Mas, no caso da leptospirose no Rio, embora tenha tido um número de casos mais elevado em alguns municípios após as fortes chuvas, não vejo por enquanto uma provável epidemia, apesar da precariedade em que vivem essas populações, principalmente as mais pobres.


A senhora acredita que os hospitais - municipais/estaduais/federais - estão preparados para o caso de uma possível epidemia?


Teresa: Não. Faltam leitos, unidades de tratamento intensivo, profissionais, enfim, todo grande suporte para se enfrentar qualquer epidemia. Já passamos por algumas epidemias, como a dengue recentemente, e observamos que, infelizmente, não estamos preparados.


A senhora tem dados recentes de casos confirmados no Brasil nos últimos anos?


Teresa: Ainda não fizemos um trabalho aprofundado em termos de Brasil. Em 2008 fizemos um estudo dos casos acontecidos no município do Rio de Janeiro de 1996 a 2006, com casos confirmados da doença e óbitos ocorridos. Neste período tivemos 2.976 casos de leptospirose, sendo que 244 casos foram a óbito. Este número expressivo de casos deu-se por conta do ano de 1996, uma vez que no mês de fevereiro o município foi assolado por forte tempestade em que os milímetros de chuva do mês foram acumulados em um único dia.


É possível uma pessoa tomar uma bebida direto de uma garrafa ou lata e ficar contaminada, como muito se espalha por aí como uma 'lenda urbana'?


Teresa: Não tenho conhecimento de caso comprovado em que a doença foi contraída por meio de lata contaminada. Mas acho possível que sim, uma vez que a lata contaminada com a urina seca do rato entra em contato com a mucosa bucal e a pessoa, já estando predisposta (com uma ferida na boca ou imunodeprimida), a doença pode acontecer.


Quais as recomendações para que não se corra esse risco?


Teresa: Por uma questão de higiene é bom lavar as latas e garrafas de refrigerante e cerveja com água e sabão. Como nem sempre isso é possível, neste caso é melhor fazer o uso de canudo ou copo. É mais seguro e é sempre bom prevenir!

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