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25/06/2013

Vacina Fiocruz-GSK deverá proteger contra os 4 sorotipos

José Augusto de Britto e Marina Lemle


Proteger contra os quatro sorotipos de vírus e os diversos genotipos de vírus que circulam no mundo, de maneira a atender às demandas do Brasil e de outros países, é o principal objetivo da vacina de dengue que o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/ Fiocruz) e a GlaxoSmithKline (GSK) estão desenvolvendo em conjunto.

Marcos Freire e Artur Couto: Bio-Manguinhos e GSK testam vacina contra os quatro sorotipos do vírus.
 

Em entrevista ao site da Rede Dengue/Fiocruz, o diretor de Bio-Manguinhos, Artur Couto, e o vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico, Marcos da Silva Freire, deram detalhes sobre a vacina candidata, que é parte do acordo de aliança estratégica assinado pela Fiocruz e a GSK em 2009. O acordo prevê patente compartilhada para os resultados obtidos. Segundo Couto e Freire, neste momento a vacina candidata está em fase pré-clínica, sendo testada em camundongos.

Ainda em 2013, deverão começar os testes em primatas e em 2014, em humanos. Paralelamente, outra parceria da Fiocruz com a GSK – esta envolvendo também o Walter Reed Army Institute of Research (WRAIR), do exército dos EUA – já está testando uma vacina de dengue em adultos no Caribe e Estados Unidos.

Em que estágio de desenvolvimento está a vacina candidata de dengue Fiocruz-GSK e qual o seu objetivo?

Marcos Freire: Estamos na fase pré-clínica, avaliando a vacina em modelo animal – camundongos -, com uma perspectiva muito próxima, para este ano, de entrar no modelo primata não humano. A previsão de início dos testes clínicos em humanos é 2014 no Brasil, em adultos sadios voluntários. Estamos iniciando com a GSK estudos epidemiológicos para a definição de locais para avaliar a vacina. A GSK já iniciou um estudo em Fortaleza e estamos discutindo um protocolo para iniciarmos no Rio de Janeiro, em Salvador e Manaus. A GSK patrocina os estudos. Temos grupos nossos e PIs (Private Investigators) das regiões. Os pesquisadores principais são de cada instituição que é responsável pelo estudo naquela região, mas tem envolvimento de médicos, cientistas, epidemiologistas da GSK e de Bio-Manguinhos. O foco dessa vacina é a proteção contra os quatro tipos de vírus, numa formulação tetravalente e combinada a adjuvante. Ela é destinada a qualquer ser humano com mais de seis meses de idade. 

Qual a importância do desenvolvimento conjunto da vacina com a GSK?

Arthur Couto: A experiência externa de desenvolvimento de um produto é muito importante porque nos traz uma competência que vai se agregar ao conhecimento que já temos, afinal somos líderes nesse assunto. É uma empresa de grande porte trabalhando conjuntamente com Bio-Manguinhos. Saímos da fase de transferência de tecnologia de produto para o desenvolvimento conjunto de novos produtos com uma multinacional. Isso é uma tendência, uma evolução do que nós vínhamos fazendo. Antes trabalhávamos com vacinas usadas há mais tempo, com conhecimento já estabelecido no mundo todo. Depois começamos a trabalhar com transferência de tecnologia de vacinas bem recentes e agora entramos nessa nova fase de desenvolver junto com as empresas. O que a nossa área de desenvolvimento tecnológico está pensando em termos de futuro é em agregar conhecimento para desenvolver produtos sem depender de conhecimento externo. Esse é o grande diferencial.

A Fiocruz participa da discussão com o Ministério da Saúde sobre a política de distribuição e aplicação da vacina no país?

Arthur Couto: Um grupo do Ministério da Saúde participa ativamente do processo de desenvolvimento da vacina e foi o avalista do contrato de aliança estratégica. Vai chegar o momento em que vamos discutir isso. Mas o grande desafio que se coloca é que a demanda por esse produto é mundial e requer grande capacidade de produção. Estamos iniciando discussões internas, e vamos expandi-las, sobre como vamos nos organizar para atender a essa grande demanda. O Ministério da Saúde já colocou as cartas na mesa de que o Brasil gostaria de ser produtor da vacina, e o distribuidor para o mercado internacional seria a GSK. A ideia é criar uma base de produção no país que não só atenda à demanda nacional como também à exportação, principalmente para os países vizinhos e àqueles que as Nações Unidas apontam precisar de mais apoio, como países da África.

Quem deverá ser vacinado primeiro?

Arthur Couto: Isso vai depender do resultado dos estudos. A ideia é produzir uma vacina que atenda a toda a população.

Marcos Freire: Algumas perguntas só poderão ser respondidas após a finalização do desenvolvimento tecnológico da vacina e principalmente dos estudos clínicos. Por exemplo, hoje ainda não sabemos quantas doses serão necessárias para imunizar uma pessoa. Também não sabemos qual a idade mínima em que uma criança responderá bem à vacina. A capacidade de atender à demanda nacional e internacional está ligada ao estabelecimento de unidades fabris e ao número de doses necessárias para imunizar uma pessoa. Se for necessária apenas uma dose, a capacidade aumenta. Se forem necessárias três doses, ou a capacidade diminui ou será necessário ter uma fábrica maior. Mas quem definirá quem será vacinado caso não haja capacidade de atender a toda a população brasileira é o Ministério da Saúde. Não temos ainda informação sobre isso e nem sobre o custo de produção, porque o desenvolvimento tecnológico ainda não terminou. Não sabemos quanto de insumos vamos usar para produzir a vacina, nem de recursos humanos.

A vacina será em gotinha, subcutânea ou intramuscular?

Marcos Freire: Será uma vacina ou subcutânea ou intramuscular porque terá adjuvantes na sua conservação. Terá provavelmente quatro antígenos e um adjuvante para potencializar a resposta imunológica e será obrigatoriamente contra os quatro tipos de vírus. Nossa vacina está mais próxima da pólio injetável do que da oral (gotinha). Estamos buscando que seja líquida, mas como não finalizamos, não temos como afirmar isso.

Qual é o mínimo de eficácia que se espera para um possível lançamento da vacina?

Marcos Freire: O ideal é obter 100% de proteção. Podemos afirmar que a nossa vacina de febre amarela, que tem 80 anos de produção, tem eficácia de 100%. Não conhecemos nenhum caso de pessoa que tenha tomado a vacina e contraído a doença. Na sorologia, ela tem quase 96% de soroconversão. Para dengue, teria que ter no mínimo 90% de soroconversão ou de eficácia para os quatro vírus. Para as vacinas em geral, o mínimo é de 87% de soroconversão. Mas, pessoalmente, acho que devem ter mais de 90%.

A vacina desenvolvida aqui vai proteger contra os vírus asiáticos?

Marcos Freire: A ideia é exatamente essa, ela tem que cobrir qualquer genótipo de vírus que cause a doença em todo o mundo.

Outra vacina poderá chegar ao mercado primeiro?

Marcos Freire: Há outras vacinas em desenvolvimento. Os resultados de um estudo recente de fase 2B na Asia não foram os melhores. Publicaram na Lancet um estudo que diz que a eficácia foi de 30%. Não teve praticamente eficácia contra o sorotipo 2 e abaixo de 60% para o sorotipo 1. O que a empresa tenta argumentar é que talvez uma vacina que tenha alguma eficácia contra três sorotipos já seja útil, mas isso é uma discussão para os epidemiologistas e os programas de imunização. Eu particularmente acho complicada a introdução de uma vacina desta forma, inclusive por causa do potencial risco de efeitos adversos. Acho que eles vão ter que buscar uma forma de melhorar essa vacina, como buscar outros antígenos para os sorotipos 2 e 1. Isso pode gerar um atraso e um retrabalho muito grande no projeto. O que buscamos hoje com a vacina candidata Fiocruz/GSK é uma resposta balanceada para os quatro tipos de vírus. Nosso processo é completamente diferente.

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