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09/11/2009

Artigo do professor Wanderley de Souza comenta a estreia da ópera 'Chagas'

Wanderley de Souza*


Entre 2003 e 2006, tive o prazer de assistir a várias apresentações da orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a regência do maestro Sílvio Barbato, que vinha seguindo uma carreira acadêmica como aluno de doutorado da Universidade de Chicago. Esta circunstância, aliada ao fato de ser ele filho de Daniel Barbato, querido professor de anatomia da turma que ingressou na Faculdade Nacional de Medicina em 1969, nos aproximou.

 

 Cena da ópera <EM>Chagas</EM> 
Cena da ópera Chagas 

Nosso convívio se ampliou quando Helena Severo, então presidente da Fundação Theatro Municipal, cedeu o referido teatro para uma belíssima solenidade comemorativa dos 25 anos de funcionamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Naquela ocasião, fez parte da solenidade, organizada por Pedricto Rocha Filho e Helena Severo, uma apresentação de parte da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, tema principal da tese de doutorado que Sílvio desenvolvia na Universidade de Chicago. Na mesma ocasião, foi feita uma homenagem a Carlos Chagas Filho, com o lançamento de um vídeo organizado por colegas da Fundação Cebela. Ao final, saímos para comemorar o sucesso da solenidade do aniversário da Faperj.

Neste momento, surge o projeto de utilizar a ópera como mais um componente da integração da cultura com a ciência e, simultaneamente, como um poderoso elemento de divulgação científica. A ideia foi imediatamente apoiada por Paulo Buss e Paulo Gadelha, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O apoio financeiro da Faperj e da Fiocruz permitiu que Sílvio compusesse a ópera O Cientista, com libreto de Bernardo Vilhena, e que estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em dezembro de 2006, sob a direção artística de Eduardo Álvares.

A estreia foi um sucesso. A ópera foi posteriormente apresentada em várias cidades e teve como tema básico a obra de Oswaldo Cruz, grande sanitarista brasileiro. Foi ele o criador do Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, berço da atual Fiocruz, instituição que, hoje, realiza importantes pesquisas científicas em todo o país. Logo após a estreia de O Cientista, discutimos sua continuidade, tendo em seguida como foco o importante trabalho realizado por Carlos Chagas, discípulo e sucessor de Oswaldo Cruz.

O conjunto das duas óperas deveria constituir a tese de doutorado que Sílvio defenderia, sob a orientação de Jerson Lima e minha, no curso de pós-graduação de Educação e Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Levando em consideração o interesse de Sílvio por Carlos Gomes e O Guarani, chegamos a discutir uma terceira ópera, tendo como tema o trabalho de Carlos Gomes na composição de O Guarani. A conexão entre O Guarani e Chagas se daria no uso do curare na ponta das flechas usadas pelos índios brasileiros para paralisar animais de caça. O curare veio a ser, posteriormente, um dos temas de pesquisa de Carlos Chagas Filho.

Novamente a Faperj e a Fiocruz se uniram para a concretização da ópera Chagas. Apesar de nela trabalhar intensamente, infelizmente, Sílvio não pode completá-la, interrompido que foi pelo trágico acidente aéreo da Air France, em julho último. Seus colegas e amigos deram continuidade ao projeto. Foi sob intensa emoção que assisti à estreia nacional da ópera Chagas em 5 de outubro último, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte.

Nesta nova ópera, com libreto de Renato Icarahy e direção de Moacyr Góes, Sílvio nos traz o legado científico, mas com forte componente social e humanístico, de Carlos Chagas, pai e filho. Dois momentos merecem destaque. Primeiro, um dueto entre Chagas pai e uma sertaneja, mãe da menina Berenice, de quem Chagas isolou a forma sanguínea do protozoário Trypanosoma cruzi, quando o cientista canta "o teu corpo é santuário, é relicário, laboratório, da cura desse mal".

O segundo momento ocorre ao final da ópera, quando, em dueto com Carlos Chagas Filho, o Papa, na sede da Pontifícia Academia de Ciências, proclama em solenidade a revisão do processo de excomunhão de Galileu: "na certeza de uma terra imóvel imóveis permanecemos; imobilizados no improvável, uma grande injustiça cometemos". A ópera termina com Carlos Chagas Filho reverenciando seu pai, sua mãe e seu irmão Evandro, cantando "assim como Galileu, sua conquista é agora imortal".

Finalmente, uma homenagem ao compositor Alexandre Schubert, ao libretista Renato Icarahy, ao diretor Moacyr Góes e à equipe, que viabilizaram a conclusão da ópera, nela inserindo momentos de grande emoção, sobretudo nas várias ocasiões em que o personagem de Sílvio Barbato se faz presente, acompanhando e regendo do céu a sua criação.

* Wanderley de Souza é ex-secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro; é professor titular da UFRJ e diretor de Programas do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro)

Fonte: Monitor Mercantil

Publicado em 9/11/2009. 

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