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26/01/2007

Bandeirante da saúde: Oswaldo Cruz vai à Ferrovia do Diabo pesquisar as condições sanitárias

Ruth Martins


O Instituto Soroterápico Federal – hoje Fiocruz – não tinha dez anos de atividades quando, em 1907, seus pesquisadores passaram a reproduzir no Brasil uma prática comum aos institutos de medicina experimental europeus: participavam de expedições científicas ao interior do país com o objetivo de apresentar propostas de combate a doenças tropicais, muitas delas desconhecidas, e elaborar mapeamento epidemiológico de regiões altamente endêmicas.______
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Arquivo/Fiocruz 
 
Combate à malária levou Oswaldo Cruz e Belisário Penna (à direita) à Madeira-Mamoré

A presença do pesquisador-médico era fundamental para que governo e empresas privadas viabilizassem grandes empreendimentos, como hidrelétricas e ferrovias. Naquele período, os cientistas de Manguinhos já haviam adquirido experiência teórica e prática nas campanhas de saneamento da cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, que no início do século enfrentava epidemias de febre amarela e varíola, entre outras doenças.

Em 1910, Oswaldo Cruz e Belisário Penna foram até o Amazonas como sanitaristas contratados pela empresa responsável pela construção da grandiosa e polêmica Madeira-Mamoré, estrada de ferro conhecida como ferrovia do diabo por consumir a vida de um operário a cada dormente assentado na selva.

Homens morrendo como moscas, segundo Oswaldo Cruz

A atribulada história da ferrovia do diabo remonta ao século 19. Durante a década de 1860, brasileiros e bolivianos resolveram construir a estrada de ferro para contornar um trecho encachoeirado do Rio Madeira, navegado com dificuldade para transportar minério de Mato Grosso ao Pará. Os bolivianos queriam uma via de acesso ao Atlântico e os brasileiros uma alternativa ao Rio Paraguai.

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Arquivo/Fiocruz
 
Oswaldo Cruz (no centro) usa tela de proteção contra os mosquitos

Em 1862, iniciou-se a construção, sob a responsabilidade da Madeira Mamoré Railway Company, propriedade de um americano associado a banqueiros ingleses. Dez meses depois, os ingleses que sobreviveram às doenças abandonaram o lugar. A empresa rescindiu o contrato na justiça inglesa, alegando que a "região era um antro de podridão onde homens morriam como moscas". Em 1877, outra empresa americana tentou a façanha e também desistiu.

Em 1903, Brasil e Bolívia assinaram o Tratado de Petrópolis, que previa o compromisso do governo brasileiro de construir a ferrovia ligando Santo Antônio, no Rio Madeira, a Guajará-Mirim, no Mamoré. Em troca, o Brasil anexou o Acre ao seu território. As obras reiniciaram-se em 1907, durante o ciclo da borracha – o segundo produto da pauta de exportações do país, perdendo somente para o café.

Em maio de 1910 foi inaugurado o primeiro trecho da ferrovia, com 90 quilômetros, que exigiu o trabalho de oito mil operários. Em julho, Oswaldo Cruz e Belisário Penna começaram a inspecionar acampamentos à beira da estrada de ferro. Em carta a Salles Guerra, colega do Rio de Janeiro, Oswaldo dizia: "Meu caro, isto aqui é de impressionar. A cifra de impaludismo é colossal (...) É um espetáculo tétrico (...) ataca de 80% a 90% do pessoal".

Vida na selva dependia de doses cavalares de quinino

A recomendação de Oswaldo Cruz à companhia construtora foi implementar medidas preventivas contra a malária, já que o trabalho de saneamento necessário para erradicar o mosquito seria tanto ou mais caro que a própria obra. Os operários eram obrigados a tomar doses cavalares de quinino e a ficar sob mosquiteiros a partir do pôr do sol. Só em 1910 mais de seis mil homens foram empregados para trabalhar na construção. Em 1911 o número de contrações passou dos cinco mil e deste total a quase totalidade contraiu malária.

O último trecho da ferrovia do diabo foi inaugurado em 1912. Mas o destino da Madeira-Mamoré, que custara tantas vidas, foi dos piores. Logo foram construídas mais duas estradas de ferro – uma chilena e outra argentina – além do Canal do Panamá, em 1915, utilizados para escoar a produção de borracha e outros produtos. Com a decadência, a Madeira-Mamoré acabou sendo desativada na década de 30.

Saiba mais sobre a Estrada de Ferro Madeira Mamoré

 

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