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30/08/2019

Brasil é referência mundial em Bancos de Leite Humano

Nayane Taniguchi (Fiocruz Brasília)


A mãe do Mateus, de 8 meses, não tinha noção do que seria a amamentação, e só percebeu a intensidade desse momento com o nascimento do seu bebê, ainda no hospital. Ela conta que, em muitos momentos, chegou a pensar em desistir, mas que o apoio de sua família foi fundamental para que insistisse, persistisse e seguisse amamentando seu filho. Mayara Noronha, mãe e trabalhadora, é a primeira-dama do Distrito Federal, convidada para o encontro que reuniu representantes dos Brics – Brasil, Russia, Índia, China e África do Sul – em torno das discussões sobre a Rede Global de Bancos de Leite Humano, coordenada pela Fiocruz, em Brasília, na manhã da última quarta-feira (28/8).

Encontro que reuniu representantes dos Brics em torno das discussões sobre a Rede Global de Bancos de Leite Humano, coordenada pela Fiocruz (foto: Sergio Velho Junior, Fiocruz Brasília)

 

“Amamentação não é só mãe e bebê, exige um aparato que toda a família deve abraçar. De nada adianta a mãe ter boa vontade se dentro de casa e no ambiente de trabalho ela não encontra apoio”, enfatizou a jovem em seu relato pessoal. Além de destacar a atuação das equipes dos bancos de leite do Distrito Federal, Mayara parabenizou o trabalho desempenhado pelo Corpo de Bombeiros e pela Fiocruz. “Os olhos do mundo estão aqui neste momento. No DF, nos destacamos por alcançarmos o índice de 61% no aleitamento exclusivo; no restante do país, a média é de 41%”, disse.

Além da coleta, os bancos de leite humano são responsáveis pelo atendimento e orientação às mães e aos pais sobre a amamentação, potenciais doadores de leite materno. Coordenada pela Fiocruz, a Rede Global de Bancos de Leite Humano atendeu  27,5 milhões de mulheres e recém-nascidos, e coletou 2,5 milhões de litros de leite humano nos últimos 10 anos, nos 22 países em que atua. “Os números indicam o impacto real desse projeto, na qualidade de vida e da saúde das mães e dos bebês. Em 10 anos, estamos atingindo a média de quase três milhões de mulheres e recém-nascidos atendidos por ano, a um custo baixíssimo se comparado a outros procedimentos de saúde, o que é extraordinário”, ressalta o diretor da Agência de Cooperação (ABC), Ruy Pereira.

Os resultados deste serviço, ofertado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é expressivo no DF. A capital federal não foi escolhida por acaso para sediar o I Workshop Brics em Banco de Leite Humano, sediado pela Fiocruz Brasília entre os dia 28 e 30 de agosto. “Brasília é a única cidade do mundo autossuficiente em bancos de leite humano e não falta leite para nossos recém-nascidos”, destaca o coordenador da Rede Global em Bancos de Leite Humano, João Aprígio. A Rede de Bancos de Leite Humano do Distrito Federal foi escolhida pela Fiocruz para abrigar o primeiro centro colaborador da Rede Global, em ação integrada, entre Fiocruz, Governo do Distrito Federal (GDF) e Ministério da Saúde.

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, ressaltou o aprendizado e a troca de experiências possibilitada por iniciativas como o Workshop, característica da história da Rede Global de Bancos de Leite Humano. “Para nós da Fiocruz, realizar esse evento é de grande responsabilidade, especialmente por ser em um momento em que estamos caminhando para os 120 anos da instituição. Convido todos a pensar conosco o papel dessa instituição centenária, de ciência e tecnologia voltada para saúde e vinculada ao Ministério da Saúde”.

O evento é um dos produtos da atual presidência pro-tempere brasileira dos Brics e tem, entre os objetivos, contextualizar a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano nos cenários da saúde pública brasileira, da saúde global e da cooperação técnica internacional brasileira. “Este é o início de uma belíssima trajetória de cooperação com os Brics. A equipe de Bancos de Leite Humano, juntamente com o Ministério da Saúde, vem promovendo a cooperação internacional em saúde de forma eficiente e que vem incidindo, ao longo desses últimos anos, claramente na diminuição da mortalidade infantil nos países nos quais atua”, destacou a assessora especial do Ministério da Saúde para Assuntos Internacional, Thaisa Lima, representante do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e da Presidência Pro-Tempore brasileira dos Brics em 2019, que acrescentou: “nos anos 2000, a rede cresceu de forma eficiente, levando princípios e valores brasileiros dessa agenda importante para o Brasil, de igual tamanho para outros países. Você reconhece quem trabalha com banco de leite nessa rede em qualquer lugar do mundo, pelos princípios, valores e idiossincrasia, pela forma de trabalhar. Nossa rede não é uma rede por si, é uma área de construção de conhecimento no Brasil, que promove e discute pesquisa e desenvolvimento que são incorporados como prática no país”.

Para a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, a realização do Workshop reforça o compromisso que a Fiocruz vem assumindo com a Rede de Bancos de Leite, com a realidade da amamentação e também o compromisso do DF no fomento às ações que beneficiem o aleitamento materno e a distribuição. “Estamos fechando o Agosto Dourado com um evento dessa magnitude na Fiocruz Brasília, recebendo nossos parceiros estrangeiros para seguirmos em uma nova possibilidade de cooperação. Encerramos o mês com muitas ações, em conjunto com a rede global de bancos de leite e com a secretaria de saúde do DF”, disse.

Na Semana Mundial do Aleitamento Materno, a Fiocruz Brasília recebeu, do ministro da Saúde, a certificação da sala de apoio à amamentação, espaço destinado exclusivamente ao aleitamento materno e extração de leite humano. “A sala possibilita, no espaço da Fiocruz, seguir com a sustentação das políticas de saúde. Esse espaço foi aberto em consonância com o que a Fiocruz tem estabelecido como política de saúde do trabalhador”, explicou Fabiana, ressaltando ainda a parceria com a rede de bancos de leite do DF.

Cooperação sul-norte

Aprígio destaca que a “Fundação Oswaldo Cruz é a mãe dos bancos de leite humano no Brasil”. Conforme o coordenador, “se o Brasil construiu a maior e mais complexa rede de bancos de leite humano, é fundamentalmente em virtude dos investimentos que foram feitos ao longo de três décadas em pesquisa, desenvolvimento tecnológicos e de modelos de gestão”.

Com a realização do evento, a expectativa é que sejam firmados acordos de cooperação com os países que compõem o Brics. “Que a gente consiga, de fato, construir uma agenda eficiente também com os Brics, como já temos feito com outros países em diferentes fóruns”, destacou assessora especial do Ministério da Saúde para Assuntos Internacional, Thaisa Lima.

Para Ruy Pereira, a Rede Global de Bancos de Leite Humano está entre os projetos mais importantes de cooperação internacional do país, pelo impacto que produz. “Esse é o primeiro projeto de cooperação sul norte que temos. Desejamos que esse seja também projeto dos Brics, pela experiência que já temos na América Latina, na África e na Europa”.

Portugal e Espanha tem estruturado e aperfeiçoado seus respectivos bancos de leite humano com base na experiência da Rede Global na América Latina e na África. “Deixamos funcionando, na semana passada, um novo banco de leite humano no continente africano em Luanda [Angola], na maternidade Lucrécia Paim. Em Maputo, o primeiro banco de leite em funcionamento segue maravilhosamente bem”, conta Aprígio, ao comentar sobre a atuação da Rede fora do Brasil.

Ruy Pereira explica que todos os países do Brics têm grandes populações, bolsões de pobreza e necessidade de estrutura e sistemas de saúde pública de baixo custo e alta eficácia. “Esse é um traço comum a todos os países do Brics e esse projeto atende a cada uma dessas necessidades. Que alcancemos uma decisão satisfatória para ter esse projeto como o primeiro de cooperação internacional ‘intraBrics’”. Para o diretor da ABC, a Rede Global não é custo, e sim investimento, por fornecer, de forma sustentável, leite humano para recém-nascidos, o que significa reduzir, a longo prazo, o custo de atendimento de saúde a essas mesmas crianças.

Ao apontar desafios, a presidente da Fiocruz afirma ser necessário pensar que inovação e acesso são questões chaves na cooperação técnica em saúde, observando a questão da autonomia dos países e o quanto se pode aprender nesse processo. “É importante e simbólico que possamos sair desse Workshop com encaminhamento concreto de constituição dessa parceria dos Brics como parte da Rede Global de Bancos de Leite Humano, que será um motivo de grande satisfação e desafio a ser compartilhado”. Nísia acrescenta ser bastante oportuno que os países possam cooperar com elementos centrais para a vida, como é o caso do leite humano, também por terem dimensões continentais e enfrentarem desafios para a preservação da saúde das suas populações.

Nísia citou as discussões na Assembleia Mundial da Saúde de questões sobre vigilância e controle de doenças, acesso a medicamentos e qualidade de trabalhos conjuntos entre os países em muitas frentes necessárias. “Dar um passo na direção de termos a cooperação na Rede Global de Bancos de Leite Humano é sinal de tecnologia social do nosso país, de uma inovação do ponto de vista de articulação em rede e de dar robustez a essa questão tão central para redução de mortalidade infantil e de vários indicadores de saúde importantes da relação mãe e filho”. Esse é o momento de aprofundar esse debate e caminharmos na direção de uma cooperação que tenha o direito à saúde e à vida como questões chave entre países que precisam trabalhar juntos em prol de seus objetivos e de caminhos de desenvolvimento que tenham a saúde como componente essencial”.

DF se destaca

De acordo com o secretário de Saúde do DF, Osnei Okumoto, só em 2019, o DF já coletou 7,5 mil litros de leite, em uma rede constituída por 2,5 mil mães atendidas. O DF possui 15 bancos de leite, e 10 integram a rede pública de saúde. “Toda a rede faz um trabalho de pré-natal junto às mães para que possam se tornar doadoras de leite e oferecerem esse alimento tão precioso para as crianças. O leite também tem característica de prevenir doenças necessárias muito comuns nas idades desses bebês no Brasil”, ressalta.

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