03/09/2024
David Barbosa (Agência Fiocruz de Notícias)
A Fiocruz outorgou na sexta-feira (30/8) o título de Doutor Honoris Causa ao embaixador Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República. Oitava pessoa a receber a honraria pela Fundação, Amorim foi reconhecido por sua atuação em prol da diplomacia em saúde. A cerimônia foi realizada na Tenda da Ciência Virgínia Schall, na sede da Fiocruz no Rio de Janeiro, e transmitida pelo canal da instituição no YouTube.
A iniciativa da homenagem partiu do diretor do Centro Colaborador para Diplomacia em Saúde Global e Cooperação Sul-Sul (Opas/OMS), Paulo Buss, e foi aprovada pelo Conselho Deliberativo da Fundação no ano passado. Graduado pelo Instituto Rio Branco em 1965, Amorim chefiou a missão permanente do Brasil nas Nações Unidas, em Nova York, entre 1995 e 1999, presidindo o Conselho de Segurança da ONU no mandato 1998-1999. Foi ministro das Relações Exteriores por duas vezes: de 1993 a 1994, no governo Itamar Franco; e de 2003 a 2010, no governo Lula, sendo o chanceler mais longevo da história do país. Entre 2011 e 2014, na gestão de Dilma Rousseff, esteve à frente do Ministério da Defesa.
No Itamaraty, Amorim trabalhou por maior integração entre os países da América Latina, participando da criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2008, e atuou pelo fortalecimento do Mercosul. O embaixador também esteve presente na fundação da Unitaid, organização internacional criada em 2006 pelo Brasil, Chile, França, Noruega e Reino Unido, com o objetivo de promover projetos para a ampliação do acesso a medicamentos mais baratos em países de baixa e média renda, especialmente para HIV/Aids, tuberculose e malária.
A importância da diplomacia para a promoção da saúde e a redução das desigualdades foi enfatizada em vários discursos da diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), Valdiléa Veloso, que representou o Conselho Deliberativo da Fiocruz; por Paulo Buss e pelo presidente da Fundação, Mario Moreira, que conduziram a homenagem. Amorim foi o último a falar. Ele ressaltou a compreensão da saúde enquanto um direito humano, que deve ser assegurado a todas as pessoas.
O presidente da Fiocruz, Mario Moreira (ao centro), entrega o diploma de Doutor Honoris Causa ao embaixador Celso Amorim; ao lado, Paulo Buss, idealizador da homenagem (Foto: Peter Ilicciev)
“A cooperação entre Estados não pode ser encarada de forma ingênua, como se os Estados sempre agissem de forma altruísta. Nem, por outro lado, com um olhar que se quer ultrarrealista, como se toda ação do Estado visasse apenas aos objetivos nacionais de poder”, ressaltou Amorim. “Tive o privilégio de testemunhar, em momentos distintos, o protagonismo da diplomacia brasileira na defesa do direito humano à saúde. Continuaremos a trabalhar no Brasil e em todo o sul global para que a saúde seja um direito garantido a todos, sem distinção, e possamos deixar um legado de justiça, equidade e bem-estar para as futuras gerações”.
Na cerimônia, o embaixador relembrou diversos momentos de sua trajetória profissional, incluindo sua atuação nas negociações que resultaram na Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, tratado internacional de saúde pública assinado pelo Brasil em 2003. “A negociação era extremamente complexa, porque não envolvia somente ideias ou visões ou questões científicas, mas também a problemática do cultivo e da comercialização do tabaco. Apesar da enorme pressão das grandes corporações da indústria tabagista em todo o mundo, a convenção do tabaco é hoje um dos tratados com maior número de adesões na história da ONU, com 183 ratificações”, celebrou.
Amorim também fez um apelo por mais investimentos no desenvolvimento de tecnologias na área da saúde e em estudos sobre inteligência artificial (IA). “Conforme avançamos em direção a um futuro progressivamente moldado pela inovação, a IA se apresenta como um dos instrumentos mais transformadores e revolucionários no nosso tempo. Isso pode ser para o bem e para o mal. Temos que trabalhar muito para desenvolver a nossa capacidade, que se aplica aos mais variados setores da vida humana, inclusive a saúde, e ao mesmo tempo trabalhar pela sua regulamentação”, defendeu. “Para o Brasil, investir em alta tecnologia, sobretudo na área da saúde, significa uma oportunidade de se posicionar estrategicamente na luta pela redução das desigualdades dentro dos países e entre eles.”
Atuação junto à Fiocruz
O presidente da Fiocruz, Mario Moreira, abriu a cerimônia com um discurso de agradecimento a Amorim, que tem atuado nos últimos anos como conselheiro informal do Cris. “O senhor sempre foi um inspirador das nossas atividades de diplomacia em saúde e do nosso entendimento do que é a política externa brasileira. A Fiocruz compreende o seu papel internacional na saúde global, na solidariedade e na cooperação entre os povos. Estamos de fato imbuídos, engajados e comprometidos com um mundo mais justo, e a saúde para nós é um eixo determinante desse equilíbrio mundial.”, afirmou Mario.
Em participação por vídeo, a ministra Nísia Trindade recordou a trajetória de Celso Amorim e agradeceu as contribuições do embaixador ao setor da Saúde (Foto: Peter Ilicciev)
A ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima, participou remotamente do evento, por meio de um vídeo gravado exibido durante a cerimônia. “Agradeço a Celso Amorim por todas as suas contribuições para todos nós que buscamos ver a saúde como um vetor de desenvolvimento sustentável e de equidade. É uma trajetória rica em construção institucional, em ensinamentos e posicionamentos que fazem do nosso país um país mais forte e colocam a saúde num lugar de destaque”, disse.
A diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), Valdilea Veloso, que representou o Conselho Deliberativo na cerimônia, fez um breve histórico da carreira de Amorim, desde sua breve atuação no cinema na década de 1960, quando participou da edição de filmes como Os cafajestes, de Leon Hirszman. No fim dos anos 1970, o embaixador chegou a presidir a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), mas foi demitido pela ditadura militar por conceder financiamento ao filme Pra frente, Brasil, de Roberto Farias, vítima da censura do regime.
Valdilea também destacou a participação de Amorim na construção da Declaração de Doha sobre o Acordo Trips e a Saúde Pública, em 2001. “Essa declaração reconhece aos países menos desenvolvidos o direito de violar patentes farmacêuticas para produzir medicamentos que atendem à saúde pública. O Brasil contribuiu para construir um acordo sobre mudanças legais que permitiria aos países mais pobres importar versões genéricas e baratas desses medicamentos, produzidos a partir de licenciamentos compulsórios”, explicou. “A política externa é uma política pública que se relaciona com outras políticas, como cultura, ciência, tecnologia, direitos humanos, educação e saúde. Durante o período em que o embaixador Celso Amorim foi chanceler, houve maior abertura da diplomacia à sociedade civil, à academia e a outras políticas públicas”.
Pacifista
O diretor do Cris, Paulo Buss, enfatizou o esforço de Amorim em construir uma cultura de paz mundial enquanto esteve à frente do Conselho de Segurança da ONU e, mais tarde, do Itamaraty. “Nós temos hoje um mundo fraturado, fragmentado, onde o que vale é o poder da arma, não da negociação”, disse. “Este poder da negociação marcou a trajetória de Celso Amorim como o nosso grande embaixador pacifista. Foi um dos principais articuladores do regime internacional de desarmamento e não proliferação de armas nucleares; presidiu por duas vezes a Conferência do Desarmamento em Genebra; liderou painéis do Conselho de Segurança sobre auxílio humanitário, prisioneiros de guerra no Iraque, entre outros temas”.
Celso Amorim relembrou momentos como a sua atuação nas negociações que resultaram na Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. À direita, a diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), Valdilea Veloso, que representou o CD da Fiocruz (Foto: Peter Ilicciev)
Buss reforçou, ainda, a atuação de Amorim na defesa do serviço público. “Celso é servidor há mais de 60 anos. Isso é raro entre talentos como ele, que costumam se deslocar para a iniciativa privada. Ele nos dá o exemplo de ter sido sempre um militante do serviço público brasileiro”, afirmou. “A indiscutível qualidade técnica, política e humanística de Celso Amorim enriquece a Fiocruz com um dos mais notáveis brasileiros que, ao aceitar esse título de doutor honoris causa, passa a integrar honorificamente os quadros da nossa instituição.”
Estiveram presentes à cerimônia de entrega do título o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Medronho; a reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Gulnar Azevedo; a presidente da Academia Nacional de Medicina, Eliete Bouskela; o presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Carlos Fidelis Ponte; o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Reinaldo Guimarães; o professor emérito da Fiocruz Renato Cordeiro, representando a Academia Brasileira de Ciências; a ministra-conselheira da Embaixada do Brasil no Panamá, Marise Nogueira; a chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Saúde, Lúcia Souto; a deputada federal Jandira Fhegali; a jornalista Hildegard Angel; e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), Paulo Garrido. Também participaram do evento os ex-presidentes da Fiocruz Paulo Gadelha, agora coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030; Akira Homma, hoje assessor científico sênior do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz); e Carlos Morel, atual coordenador-geral do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz).
Títulos
O título de Doutor Honoris Causa da Fiocruz é a mais alta honraria concedida pela instituição, destinada a personalidades nacionais ou internacionais com contribuições notáveis ao progresso da humanidade ou do país ou que tenham prestado relevantes serviços à Fiocruz. A primeira pessoa a receber o título foi o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004. A honraria também foi outorgada ao diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Jarbas Barbosa, e aos médicos Ciro de Quadros, Giovanni Berlinguer, Hésio Cordeiro, María Isabel Rodriguez e Paulo Ferrinho.