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13/02/2017

Coletânea apresenta reflexões sobre políticas públicas para a infância no início do século 20

Fernanda Marques (Editora Fiocruz)


Não há “creches, instituições de assistência, congressos de sábios, discursos, prelações, nada, absolutamente nada que se compare à amamentação natural”. A afirmação foi feita pelo médico Antonio Fernandes Figueira (1863-1928), um dos grandes nomes da pediatria brasileira na Primeira República, no Livro das Mães: consultas práticas de higiene infantil, publicado pela primeira vez em 1910 e reeditado em 1919 e em 1926. Essa obra de Fernandes Figueira e também sua carta aberta Bases Científicas da Alimentação da Criança: suas consequências sociais, de 1905, acabam de ser republicadas como partes integrantes da coletânea Amamentação e Políticas para a Infância no Brasil: a atuação de Fernandes Figueira (1902-1928). Lançamento da Editora Fiocruz na coleção História e Saúde, com o selo Clássicos e Fontes, a coletânea foi organizada pela historiadora Gisele Sanglard, pesquisadora e professora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).

O livro da Editora Fiocruz não só traz a lume obras primárias de Fernandes Figueira, como também apresenta uma seleção de textos – fruto de pesquisas atuais – com análises sobre temas importantes para pediatras e puericultores no início do século 20. O primeiro capítulo traça um panorama do debate no Brasil acerca do aleitamento materno no período de formação de Fernandes Figueira. O segundo trata das propostas do médico para a assistência à infância no Rio de Janeiro e de como ele as colocou em prática, primeiro como diretor técnico da Policlínica das Crianças da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, depois como inspetor-chefe da Inspetoria de Higiene Infantil, órgão vinculado ao Departamento Nacional de Saúde Pública.

O trabalho de outro renomado médico, Carlos Arthur Moncorvo Filho (1871-1944), notadamente seu projeto de assistência à infância no Distrito Federal, é alvo do terceiro capítulo. Já no quarto capítulo, evidencia-se a atuação de Fernandes Figueira no Distrito Federal e o modo como suas ações foram traduzidas na Bahia, onde destaca-se o trabalho do médico Joaquim Martagão Gesteira (1884-1954) no combate à mortalidade infantil. O quinto e último capítulo aborda o diálogo transnacional que dominou as discussões sobre a puericultura e a proteção à família na primeira metade do século 20.

O conjunto da coletânea demonstra como novos paradigmas nas formas de lidar com a infância e a família se desenvolviam nas primeiras décadas do século 20. Médicos defendiam a ideia de que era preciso mudar as formas de responsabilizar as famílias pelos cuidados com os próprios filhos, e a temática da infância entrou no debate público como assunto ligado à civilidade e à cidadania. Mas não foi um processo simples. Por um lado, a nova conjuntura de racionalidade científica não representou um corte abrupto em relação às tradicionais práticas da caridade e da filantropia, identificando-se muitas continuidades. Por outro, houve também muitas disputas, estratégias divergentes e choques entre projetos. Surgiram, então, nesse cenário, personagens-chave que contribuíram para o direcionamento de como tratar a infância.

Entre eles estava Fernandes Figueira, que conclamava filantropos, médicos, jornalistas e intelectuais a tomarem as medidas que aumentassem o aleitamento materno. Com publicações nos principais periódicos da época, ligação com importantes médicos e políticos do período e participação em uma série de associações médicas nacionais e internacionais, ele foi um “personagem cuja trajetória combinou história, ciência e preocupação com o progresso nacional”, resume Gisele. “Ser responsável pelas diretrizes da saúde pública voltada para a infância certamente constitui o coroamento de sua trajetória profissional”, avalia a organizadora. A expectativa é que a republicação de obras primárias de Fernandes Figueira, em articulação com estudos atuais, possa ampliar os horizontes do debate acerca da assistência à infância no Brasil.

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