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24/09/2012

Como a Wolbachia atua no controle da dengue


Wolbachia pipientis é uma bactéria intracelular observada pela primeira vez há 70 anos, em mosquitos da espécie Culex pipiens. Sua descoberta ocorreu em 1926, mas poucas pesquisas foram realizadas sobre o tema até 1972. Desde 1990, mais de 1.500 estudos científicos sobre a Wolbachia foram publicados em periódicos científicos. Estudos recentes demonstraram que esta bactéria é amplamente presente entre os invertebr e pode ocorrer naturalmente em mais de 70% de todos os insetos do mundo, incluindo borboletas e diversos mosquitos, como o Culex, o comum "pernilongo". Apesar desta ampla gama de hospedeiros, a Wolbachia não é infecciosa e não é capaz de infectar vertebrados, incluindo os humanos.


 Mosquitos com Wolbachia no insetário da Fiocruz. Foto: Peter Ilicciev.

Mosquitos com Wolbachia no insetário da Fiocruz. Foto: Peter Ilicciev.


Capacidade para bloquear a dengue


Cientistas do programa internacional Eliminar a Dengue: Nosso Desafio, liderados pelo professor Scott O’Neill, da Universidade de Monash (Melbourne, Austrália), demonstraram que a Wolbachia é capaz de bloquear a transmissão do vírus da dengue no Aedes aegypti, originando uma nova proposta, natural e autossustentável, para o controle da dengue.


Dispersão autossustentável entre as gerações de mosquitos


A característica intracelular da Wolbachia (apenas vive dentro de células) impõe limitações significativas na sua capacidade de dispersão, uma vez que ele só pode ser transmitida verticalmente (de mãe para filho) por meio do ovo da fêmea de mosquito. Como resultado, o sucesso do Wolbachia está diretamente ligado à capacidade de reprodução do inseto.


Curiosamente, a Wolbachia confere uma vantagem reprodutiva: devido à característica chamada de ‘incompatibilidade citoplasmática’, fêmeas com Wolbachia podem se acasalar com sucesso tanto com machos com Wolbachia quanto com machos sem a bactéria. E, quando as fêmeas sem Wolbachia se acasalam com machos com a Wolbachia, alguns ou todos os óvulos fertilizados morrem. Isso significa que, comparativamente, fêmeas com a Wolbachia produzem mais ovos, que vão originar novos mosquitos que já nascem naturalmente com a Wolbachia.



Inicialmente, esta vantagem reprodutiva será pequena, com poucos Aedes aegypti com Wolbachia na população de mosquitos. No entanto, com as sucessivas gerações, o número de mosquitos machos e fêmeas com Wolbachia tende a aumentar, até que a população inteira de mosquitos tenha esta característica. Uma vez estabelecido o método, os mosquitos continuam a transmitir a Wolbachia naturalmente para seus descendentes, assegurando desse modo que não há a necessidade de intervenções adicionais.


Segurança do mosquito Wolbachia


Como é uma bactéria intracelular, a Wolbachia tem várias limitações na sua habilidade de disseminação, já que apenas pode ser transmitida verticalmente, no processo de reprodução dos mosquitos. A saliva de mosquitos com Wolbachia foi examinada pela equipe do Programa Eliminar a Dengue, na Austrália, e verificou-se que não contém a Wolbachia. Como é necessariamente intracelular, a Wolbachia não atravessa o estreito duto salivar do mosquito: a célula onde a Wolbachia fica localizada é da ordem de grandeza de 10 µm (micrômetros), enquanto o duto salivar tem apenas 1 µm de calibre. O micrômetro é a milésima parte do milímetro.


Muitos insetos, incluindo diversas espécies de mosquitos, naturalmente carregam cepas diferentes de Wolbachia. Esses mosquitos comumente picam pessoas sem efeitos negativos – como o pernilongo comum, por exemplo. Durante cinco anos, pesquisadores do programa Eliminar a Dengue, na Austrália, voluntariamente alimentaram uma colônia de mosquitos com Wolbachia, resultando em centenas de milhares de picadas de mosquitos nessa equipe, sem que fossem detectadas reações. Outra informação importante é que, por ser uma bactéria intracelular, a Wolbachia não pode sobreviver fora de uma célula viva do inseto. Isso significa que quando o mosquito morre, a Wolbachia morre.


Além disso, antes do início dos testes de campo na Austrália, com a soltura de mosquitos com Wolbachia, uma análise independente de risco concluiu sobre a segurança da introdução da Wolbachia na população local de mosquitos. A Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Comunidade das Nações (CSIRO, principal Agência de Ciência da Austrália) concluiu que este método apresenta riscos insignificantes tanto para o meio ambiente quanto para a segurança humana. Uma aprovação regulamentar para a soltura do Aedes com Wolbachia foi concedida pelo Governo Australiano por meio da Autoridade Australiana de Pesticidas e Medicamentos Veterinários (APVMA, na sigla em inglês).


Como a Wolbachia é introduzida nas células do Aedes


A Wolbachia foi inicialmente transferida da mosca-da-fruta para os ovos do Aedes aegypti por meio de um procedimento de microinjeção, usando uma agulha extremamente fina. Foram necessários anos e milhares de tentativas em laboratório para alcançar este resultado. Uma vez no interior da célula, a Wolbachia estabelece uma presença estável em vários tecidos do mosquito, como mostrado na figura abaixo de um Aedes aegypti adulto.


No Brasil, os ovos do mosquito com Wolbachia foram trazidos da Austrália com a autorização do IBAMA, que é a autoridade competente para essa questão. Usando os ovos de Wolbachia vindos da Austrália, será gerada uma colônia brasileira de Aedes aegypti com Wolbachia, sob condições de laboratório na Fiocruz.


A dispersão natural do Aedes aegypti com Wolbachia em testes de campo na Austrália


Em janeiro de 2011, o programa Eliminar a Dengue tiveram início os estudos experimentais em campo do método de controle baseado na Wolbachia, mediante aprovação dos órgãos regulatórios competentes e também dos moradores, que foram previamente informados e consultados. Os testes foram conduzidos nas localidades de Yorkeys Knob e Gordonvale, de Cairns, na Austrália. O objetivo desse primeiro teste de campo experimental era determinar como os Aedes com Wolbachia poderiam se espalhar no ambiente dadas diferentes condições de liberação. Apenas cinco semanas depois da liberação, a presença de mosquitos com Wolbachia alcançou 100% em Yorkeys Knob e 90% em Gordonvale, como mostrado abaixo. Atualmente, o monitoramento registrou que o nível de mosquitos com Wolbachia se manteve acima de 90% em ambas as comunidades.


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Publicado em 24/9/2012.

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